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Por que o xadrez é tão usado em roupas e acessórios na Escócia?

Tecido quadriculado passou de símbolo separatista do século 18 a vestimenta de reis e celebridades

No Museu Nacional da Escócia, localizado no centro de Edimburgo, um item resume o relacionamento do país com o tartã, o padrão quadriculado há séculos associado com o país. Um casaco com punhos e colarinhos feitos de veludo vermelho não apenas tem estilo como parece confortável para ser usado nos dias de hoje.

Mas trata-se de uma peça com 272 anos de idade.

É o casaco usado por Carlos Eduardo Stuart durante sua tentativa frustrada de reconquistar a coroa britânica para os Stuart, a família real católica britânica destronada no século 17. Os Stuart eram escoceses e – assim como inúmeros escoceses de ontem e hoje, Carlos Eduardo usava o padrão como forma de afirmar sua identidade nacional.

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O casaco é apenas um de muitos tesouros que fazem parte de uma exposição sobre o Levante Jacobita, liderado por Carlos em 1745. A exibição lança nova luz sobre a política do conflito, mas não deixa de lado a interessante estética da revolta – em especial a transição do tartã como costume regional para «marca» internacional.

Carlos Eduardo Stuart era neto de James II, o último rei católico da Inglaterra, derrubado em 1688 pelo nobre protestante William III. James fugiu para a França, mas até morrer nunca abriu mão de seu direito ao trono. E, em 1745, Carlos, então o «herdeiro» após a morte do pai (também chamado James) foi para a Escócia tentar formar um exército para lutar com os ingleses e remover do trono George II, o que restauraria a dinastia Stuart.

Apesar de ser descendente de escoceses, Carlos nasceu e cresceu em Roma – e jamais tinha visitado a terra dos antepassados. Mas o casaco com o padrão tartã era um sinal de simpatia perante os «compatriotas». Esse lance de relações-públicas funcionou e retratos do príncipe rebelde foram reproduzidos em toda sorte de objetos, de talheres a caixinhas de rapé – ganhou ainda o apelido de Bonnie Prince Charlie, algo como Carlos, o Bonitão.

De quebra, o garoto-propaganda do movimento Jacobita, como ficou conhecida a campanha pró-Stuart, arrebanhou adeptos suficientes para obter interessantes vitórias militares e marchar de forma triunfal até a cidade de Derby, percorrendo quase metade do território do Reino Unido antes de ser derrotado na Batalha de Culloden.

O príncipe fugiu da Escócia em 1746 e o Reino Unido ainda tem no trono a dinastia protestante que ele falhou em derrubar. Mas, apesar de derrotado nos campos de batalha, o tartã resistiu não apenas na Escócia e ganhou o mundo.

Mas como esse padrão virou uma marca global?

«Estamos falando de um tecido que sempre foi uma marca de distinção», diz Viccy Coltman, professora de História da Arte da Universidade de Edimburgo. «Isso faz parte de sua história».

Depois da Batalha de Culloden, o tecido foi banido da Escócia por ordem real. Mas isso deu ao tartã um certo status cult e, quando a proibição foi suspensa, em 1782, o padrão virou moda. Não era um sinal de apoio ao movimento jacobita, mas sim uma forma de ostentação da aristocracia e de uma emergente classe média.

«O movimento criou uma indústria de vestimentas consideradas relíquias», explica Coltman.

E os maiores compradores eram justamente os escoceses que ajudaram a derrotar Carlos Stuart. Essa apropriação teve seu auge em 1822, quando o rei George 4 visitou Edimburgo e Walter Scott, escritor de romances históricos sobre uma Escócia idealizada e um dos organizadores da visita real, arranjou um comitê de recepção nas ruas da cidade em que o traje era o tartã. Há até um retrato do soberano usando um kilt.

O padrão não era mais ameaçador – e sua suposta reabilitação estava completa.

A rainha Vitória continuou essa apropriação, usando xadrez em fotos oficiais em suas visitas a Balmoral, a residência de verão da família real na Escócia. Antes inimiga, a Escócia, virara destino de férias. O país se tornara uma marca e o tartã era parte integral de sua identidade – o padrão passou a fazer parte de todos os produtos para turistas.

Até o final do século 19 havia apenas algumas variedades do xadrez. Mas a mecanização da produção têxtil possibilitou a produção de imensas variações. Um consumidor com um sobrenome escocês podia escolher um tartã particular, quiçá associado a uma região específica, que depois era vendido para alguém com o mesmo sobrenome.

«Era tudo uma questão de tino comercial», explica David Forsyth, curador da exposição no Museu Nacional da Escócia.

E esse marketing misturado à mitologia criou uma vestimenta nacional.

No final do século, o tartã era muito diferente da vestimenta original do século 18. Feito à máquina em vez de à mão, o material moderno era mais barato e adaptado para todo tipo de usos. Acima de tudo, transformou-se em símbolo de lealdade à supremacia protestante, em vez de um tecido associado à causa católica.

O Império Britânico fez do xadrez um símbolo internacional. Regimentos militares escoceses vestiam o padrão e mercadores britânicos exportaram produtos com a estampa ao redor do mundo. O tartã era exótico, mas ao mesmo tempo familiar. Perigoso, mas respeitável. Você poderia vesti-lo como um outsider, ou um membro do status quo.

Findo o império, o tartã continua em voga. Designers de moda britânicos seguiram usando o padrão como inspiração, que também chegou à moda francesa. No mundo da música, tanto punks como novos românticos usaram tartã. O padrão se tornou tanto uma marca de rebeldia quanto de sofisticação.

«A história é escrita pelos vencedores», diz Forsyth. Mas embora tenha perdido a Batalha de Culloden, Carlos Eduardo Stuart ganhou a guerra da moda.

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