Estilo de Vida

Por que decidi doar minhas fezes à ciência

Repórter da BBC explica como análise de material colhido de seu intestino pode ajudar a desvendar segredos sobre sua saúde.

«Boas bactérias»: o que são, como podem ajudar minha saúde e como posso ter mais delas no meu corpo?

Para descobrir, enveredei por um caminho incomum e um tanto quanto nojento: resolvi doar minhas fezes à ciência.

Bilhões de micróbios vivem dentro de nós. Há mais células de micro-organismos em nosso corpo do que há células humanas.

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Mas o lugar favorito dos micro-organismos – e onde há um número inacreditável deles – é nosso sistema digestivo.

Foi por isso que mandei uma amostra das minhas fezes para o British Gut Project, um projeto que quer mapear os microbiomas dos intestinos da população britânica, seguindo os passos do American Gut, que coletou milhares de amostras nos Estados Unidos.

«Suas bactérias não são exatamente medianas, mas você também não está assim tão longe da média», diz o diretor do projeto, Tim Spector, ao analisar meus resultados.

As bactérias nos meus dejetos não foram estudadas no microscópio, mas com equipamentos capazes de identificar seu código genético.

Os resultados mostraram que me faltava um grupo de bactérias. As do filo Firmicutes, por exemplo, existiam em menor quantidade no meu sistema digestivo do que no de outras pessoas.

«Esse filo é o que geralmente contém os micróbios benéficos. Os exames sugerem que você tem uma diversidade menor do que a média», disse Spector.

«Não é algo bom. Quanto menor a diversidade entre suas bactérias, menos saudável é o seu sistema digestivo.»

Uma investigação mais profunda revelou que eu tinha alto nível das chamadas Akkermansia, normalmente encontradas em pessoas em forma e saudáveis. Mas eu também tinha várias ligadas a inflamações.

Microbioma

De todas as células que existem no seu corpo, só 43% são humanas. O resto compõe o chamado microbioma – o conjunto de bactérias, vírus, fungos e micro-organismos unicelulares conhecidos como arquea que vivem no nosso corpo.

O genoma humano – conjunto dos códigos genéticos de uma pessoa – é feito de 20 mil genes.

Mas se você acrescentar todos os genes do nosso microbioma, terá algo entre 2 milhões e 20 milhões de genes. Esse conjunto de códigos é conhecido como um «segundo genoma».

Há um interesse cada vez maior em entender a relação do microbioma com nossa saúde.

Evidências científicas mostram que o segundo genoma pode estar ligado a problemas como obesidade, alergias, doenças gástricas inflamatórias, doença da Parkinson, depressão e autismo. Também pode determinar se remédios para o câncer funcionam ou não.

A medicina tem estudado cada vez mais se a falta de bactérias «benéficas» – ou o excesso das prejudiciais – pode causar doenças.

Spector afirma que entender o microbioma é uma das coisas «mais importantes e empolgantes da medicina hoje» e que a chave para ser saudável é ter diversidade – ou seja, o maior número possível de espécies diferentes.

No meu caso, era evidente que eu poderia melhorar o meu microbioma. Então aqui estão algumas dicas que aprendi fazendo a série documental The Second Genome (O Segundo Genoma), para a BBC Radio 4.

Muita fibra

Os microbiomas dos pesquisadores Eric Alm e Lawrence David estão entre os mais estudados do mundo – eles passaram um ano analisando 548 amostras de seus próprios cocôs.

Lawrence David, que é professor do Duke Center para Genoma e Biologia Computacional, diz que o fator que mais afeta o microbioma é a nossa dieta. E um fator crucial são as fibras.

«É o alimento favorito de algumas das bactérias do nosso sistema digestivo», explica David.

David diz que fibras – presentes em frutas e vegetais – são ótimas para melhorar o microbioma. E que a pesquisa faz ele se sentir culpado. «Eu ainda como hambúrgueres e nuggets», confessa.

Comidas fermentadas

Fibras são prebióticos, ou seja, funcionam como combustível para os micro-organismos que já existem no nosso sistema digestivo.

Mas Paul Cotter, da Universidade de Cork, diz estar preocupado por não estarmos introduzindo novos micróbios no nosso corpo.

Ele diz que alimentos industrializados e cheios de conservantes não estragam justamente porque não há quase nenhum micro-organismo neles.

Cotter é especializado em alimentos fermentados – «colonizados» por bactérias antes de serem consumidos por nós.

Os mais conhecidos são queijos e iogurtes, mas existem outros, cada vez mais populares: uma bebida chamada kefir, o chá fermentado kombucha, e alimentos feitos com repolho ou acelga, como o sauerkraut (repolho azedo) alemão e kimchi coreano.

Cotter diz que as pessoas deveriam comer mais alimentos fermentados para ajudar a calibrar seus sistemas imunológicos.

No entanto, não existe garantia de que fibras e fermentados funcionam para todos.

Cada microbioma é único, e funciona de forma diferente em cada pessoa.

Eric Alm, co-director do Centro para o Microbioma do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), afirma que, no futuro, as opções de dietas serão mais personalizadas.

«Pessoas diferentes precisam de dietas diferentes para obter o mesmo efeito.»

Reação em cadeia

De maneira geral, fibras são quebradas pelos micro-organismos em partes menores chamadas ácidos graxos.

Eles podem ser absorvidos pelos intestinos e têm efeitos no corpo todo.

O trabalho de Alm mostra que o microbioma de algumas pessoas era muito eficiente para produzir ácidos graxos a partir de uma fibra chamada pectina, encontrada em maçãs e laranjas.

Outras pessoas precisam de inulina, encontrada em cebolas e aspargos, para produzir o mesmo tipo de ácido graxo.

«Se você imaginar que alguém precisa aumentar um tipo específico de ácido graxo, você poderá, no futuro, mapear o microbioma da pessoa e entender exatamente o que ela precisa comer para estimular a produção desse tipo específico», explica.

*James Gallagher é apresentador da série The Second Genome, da BBC Radio 4

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