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Marie e Pierre Curie e outras 3 grandes histórias de amor na ciência

A BBC conta as fascinantes histórias de amor de quatro casais cujos trabalhos marcarm a ciência.

«Houve um momento que me marcou. Sim, esse momento foi o mais impressionante. Meu pai tinha acabado de morrer», me conta Elijah.

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«Ele morreu em casa, com a gente. Eram umas 8h da noite e minha mãe pediu para não deixarmos ninguém saber porque queríamos passar aquela noite com ele. Nessa noite, ela dormiu ao lado do corpo do meu pai».

«Esse amor tão grande era algo que me custa imaginar. É que cada um era o centro do universo do outro», diz.

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Ruth Hubbard e George Wald: um amor secreto

Elijah Wald é o filho de Ruth Hubbard e George Wald, cientistas que mudaram a forma como conhecemos a bioquímica.

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George Wald no dia que completou 80 anos junto com sua esposa, Ruth Hubbard | Foto: cortesia: familia Wald.

Ruth nasceu na Áustria, em 1924. Em 1938, pouco antes da invasão do país pelas tropas nazistas, ela e sua família judia tiveram de fugir do país.

Nos Estados Unidos, ela estudou Biologia em Harvard. Foi na universidade onde conheceu seu futuro marido, Frank Hubbard. Logo depois de se casarem, Hubbard teve de deixar o país para lutar na guerra.

Ruth conseguiu um trabalho como assistente de pesquisa no laboratório de Química de Harvard, que era liderado pelo professor americano George Wald.

Ambos estavam profundamente intrigados com a fotoquímica dos globos oculares. Decidiram então pesquisar o assunto: foram horas e horas trabalhando juntos.

Acabaram se apaixonando.

George Wald e Ruth Hubbard com seu filho, Elijah, em 1959 | Foto: cortesia da família Wald

«A história deles é muito bonita, mas um tanto complicada. A relação dos meus pais era secreta: ela tinha 19 anos e ele, 36. Ela era estudante e ele, seu professor», diz Elijah.

O casal manteve essa relação «clandestina» por 14 anos. Depois, acabaram se divorciando de seus respectivos cônjuges e se casaram em 1958. «Eu nasci um ano depois, em 1959», conta Elijah, que depois ganhou uma irmã.

O Nobel

«Eles sempre estavam juntos, não apenas em casa. Caminhavam juntos até o laboratório e trabalhavam um ao lado do outro. Para mim era impossível imaginá-los separados», diz Elijah.

George Wald recibeu o Nobel de Medicina em 10 de dezembro de 1967 das mãos do rei da Suécia, Gustav Adolf | Foto: iStock

Ruth e George trabalharam juntos durante 20 anos antes de que o prêmio Nobel batesse na porta deles.

Em 1967, George recebeu o Nobel de Fisiologia e Medicina junto aos cientistas Haldan Keffer Hartline e Ragnar Arthur Granit. Eles foram premiados por suas «descobertas dos principais processos fisiológicos e químicos da visão e dos olhos», segundo o Nobel.

Embora ninguém discuta que George era merecedor do prêmio, muitos especialistas consideram que Ruth também deveria estar entre os vencedores, pois ela teria sido a chave para elucidar como os olhos convertem a luz em informação. «Foi um trabalho dos dois», diz o filho, Elijah.

Nessa foto, oito ganhadores do Nobel de 1967. George Wald estava do lado do escritor guatemalteco Miguel Ángel de Asturias (abaixo, o último da direita), vencedor do principal prêmio da literatura

Uma feminista

Ruth publicou dezenas de estudos sobre a visão. Ela e o marido receberam a Medalha de Ouro Paulo Karrer por sua pesquisa sobre a rodopsina, uma das proteínas responsáveis pela visão.

Elijah conta que nunca imaginou como essa «forte e comprometida feminista», sua mãe, seria afetada pela morte do marido.

George Wald e Ruth Hubbard na cerimônia em que ganharam a Medalha Paul Karrer, em 1967. | Foto: cortesia da família Wald).

Ele morreu em 1997 e tinha 90 anos.

«Ela pensava que quando meu pai morresse, sua vida iria continuar com mais ímpeto: iria a conferências, viajaria mais, escreveria mais livros. Mas quando meu pai morreu mesmo, ela não queria fazer mais nada. Ele era sua outra metade. Uma vez sozinha no mundo, foi muito difícil para ela continuar. Passaram-se quase cinco anos em que ela não fez quase nada. Retomou sua vida intelectual, mas não com a mesma força. Sua ambição não era mais a mesma», diz o filho.

Ruth morreu em 1º de setembro de 2016, e não é lembrada apenas por suas contribuições científicas, mas por ser uma feminista crítica que desafiou os paradigmas masculinos na ciência e impulsionou o papel das mulheres nessa área.


Marie e Pierre Curie: ‘Ninguém poderia encontrar um companheiro melhor’

Quando era estudante em Paris, a jovem polonesa Marie Sklodowska perguntou a um amigo se ele conhecia algum laboratório em que ela pudesse realizar experimentos.

Seu amigo, que era professor de Física, pensou em seu colega Pierre Curie. O professor então organizou um encontro.

Era 1894.

Marie Curie nasceu em 7 de novembro de 1867 na Polônia. Sua carreira científica cresceu na França

Marie contou como foi o encontro com o amor de sua vida no texto «Marie Curie and the Science of Radioactivity» (Marie Curie e a Ciência da Radioatividade), escrito por Naomi Pasachoff e publicado pelo Instituto Americano de Física.

«Quando entrei no quarto, Pierre Curie estava parado em pé entre as portas abertas de uma janela que se abria para uma varanda. Ele parecia muito jovem, embora tivesse 35 anos. Me impressionou a expressão aberta do seu rosto e um leve indício de desapego em toda sua atitude.

Marie e Pierre Curie tiveram dois filhos. | Foto: iStock

Ele falava de forma lenta, sua simplicidade e seu sorriso me inspirararam confiança.

Voltamos a nos falar na Sociedade de Física e no laboratório. Ele me perguntou se podia me visitar… Pierre Curie veio me ver e mostrou uma solidariedade sincera com minha carreira de estudante.

Logo ele desenvolveu o hábito de me contar sobre seu sonho de uma existência inteiramente dedicada à pesquisa científica, e me pediu para compartilhar sua vida. Não foi, no entanto, uma decisão fácil para mim, pois significava a separação do meu país e da minha família. E também a renúncia a certos projetos sociais queridos para mim (…)

Nosso trabalho nos aproximou cada vez mais, até que nos convencemos de que nenhum de nós poderia encontrar um parceiro de vida melhor».

O casamento

Em 26 de julho de 1895, Pierre e Marie se casaram em uma cerimônia na França. No lugar do tradicional vestido de noiva branco, Marie preferiu usar um vestido azul escuro. Ela explicou a decisão em uma biografia:

Quando Pierre morreu em 1906, Marie virou professora universitária | Foto: iStock

«Não tenho um vestido a não ser o que uso todos os dias. Se você for me dar um de presente, por favor, que ele seja prático e escuro a ponto de eu poder usar para ir ao laboratório».

A lua de mel do casal não foi nada suntuoso: eles decidiram viajar de bicicleta pelos campos da França. Tiveram dois filhos, Irene e Eve.

Graças aos seus estudos sobre radiação, o casal ganhou o Prêmio Nobel de Física em 1903, junto ao cientista francês Henri Becquerel.

«No começo, Marie não foi premiada. Mas quando Pierre soube da omissão, pediu para que ela fosse incluída entre os vencedores, de modo que ela se converteu na primeira mulher a ganhar um Nobel», diz a fundação responsável pelo prêmio.

Marie Curie foi a primeira pessoa a ganhar o Nobel duas vezes em áreas diferentes, Física e Química | Foto: iStock

‘É o fim de tudo, tudo, tudo’

Era um dia chuvoso de abril de 1906 quando Pierre morreu. Ele foi atropelado por uma carruagem quando andava pela rua.

Em seu diário, Marie descreveu a «catástrofe» de perder seu «melhor amigo»: «Não sentia capaz de enfrentar o futuro (depois da morte do marido).»

«Nós colocamos seu corpo em um caixão no sábado pela manhã e segurei sua cabeça. Beijamos seu rosto frio pela última vez (…)»

O casal descobriu os elementos da tabela periódica, como polônio (uma homenagem ao país Marie, a Polônia) | Foto: iStock

«Seu caixão foi fechado e nunca mais pude vê-lo. Não permiti que eles cobrissem seu corpo com uma tela preta. Coloquei flores e me sentei ao seu lado… Fecharam o túmulo e colocaram flores em cima. Era o fim de tudo, tudo, tudo».

Cinco anos depois, Marie ganhou novamente o Nobel, dessa vez em Química. Sua dedicação à ciência duraria até os últimos dia de sua vida – ela sofria de leucemia, provocada por sua prolonga exposição à radiação. Morreu em 4 de julho de 1904.

Marie Curie morreu de leucemia provocada pela exposição prolongada à radiação.

Helen e Alfred Free: o amor e o revolucionário teste de urina

Quando liguei para a Helen Murray Free, que nasceu em 1923, o que mais me atraiu em nossa conversa foi o riso que ela deu quando perguntei sobre o momento em que se apaixonou por Alfred Free.

«Me apaixonei no momento em que o conheci», me respondeu, falando de sua casa em Indiana, nos Estados Unidos. «Ele era meu chefe, e acabei me casando com meu chefe», disse, rindo.

A entrevista

Helen e Alfred Free se conheceram nos Laboratórios Miles, hoje conhecidos como Laboratórios Bayer, nos Estados Unidos.

Nos anos 1960, Alfred e Helen Free viajaram no navio Queen Elizabeth. | Foto: cortesia Helen Free

Helen havia se formado em Química na Universidade Wooster em 1944. Logo depois, conseguiu um emprego no laboratório Miles.

Pouco depois começar a trabalhar no departamento de controle de qualidade, ela pediu a seus supervisores que a transferissem para a unidade de pesquisa. Dizia estar «entediada» com os testes de vitamina, segundo um artigo que escreveu na Sociedade Americana de Química.

Em 1946, ela foi entrevistada por um reconhecido cientista que estava criando um novo laboratório de pesquisa em bioquímica. O cientista era o professor americano Alfred Free – ele se surpreender com o conhecimento de Helen.

‘Ele era perfeito’

Ao mesmo tempo em que a relação no trabalho se desenvolvia, a atração entre os dois cientista só crescia.

O casal em 1983 junto a sua filha menor, Nina | Foto: Helen Free

«Nós achávamos que éramos muito discretos», lembra Helen, mas depois percebeu que os colegas sabiam que algo estava acontecendo entre eles.

A cientista me contou que quando começou a trabalhar no laboratório, não pensava em se casar nem em ter filhos. «Eu era uma menina totalmente focada na carreira», disse.

Mas, para ela, as qualidades de seu chefe eram impossíveis de ignorar. «Ele é incrivel, inteligente, articulado, e também muito generoso. Era perfeito», afirmou.

Quando os dois se casaram, em 1947, a ciência era discutida em casa. «A gente conversava sobre trabalho, trabalho, trabalho. Passávamos 24 anos pensando em nosso trabalho. Ele me falava de suas ideias e eu contava as minhas. Passamos momentos maravilhosos», diz Helen.

Eles tiveram seis filhos.

Os inventores

Na área da Química, o casal Free revolucionou as tiras de testes que fazem o diagnóstico de doenças como diabetes e detectam a gravidez de maneira mais simples, em casa.

Helen e Alfred Free foram incluídas no Salão da Fama dos Inventores dos Estados Unidos em 2000. | Foto: cortesia Salão da Fama dos Inventores dos Estados Unidos

Elas são fitas de poucos milímetros de largura, impregnadas de substâncias químicas, que ao entrar em contato com compostos presentes na urina reagem a qualquer mudança patológica.

Em 1956, lançaram no mercado nas primeiras tiras com reações colorimétricas e, em 2000, pouco depois da morte de Alfred (aos 87 anos), elas foram incluídas em uma Salão da Fama dos Inventores dos Estados Unidos.

Esses testes não só tiveram um grande impacto nos exames de urina, mas também nos de sangue.

Alfred Free publicou mais de 200 artigos científicos, muitos deles com sua esposa. O casal também escreveu livros que são considerados fundamentais para a pesquisa bioquímica.


Isabella e Jerome Karle: o marido que não queria aceitar o Nobel de Química

Quando Jerome Karle e Herbert Hauptman receberam o Prêmio Nobel de Química, em 1985, por «suas realizações notáveis ​​no desenvolvimento de métodos diretos para a determinação de estruturas cristalinas». Karle não estava inteiramente feliz com a notícia.

«Ele não queria aceitar», disse sua filha, Louise Karle Hanson.

Isabella Karle recebeu vários prêmios por suas contribuições científicas. Um deles foi a Medalha Nacional de Ciência concedida pelo Presidente dos Estados Unidos. Juntamente com o marido, eles eram considerados importantes para a química física. |

Seu pai estava profundamente decepcionado porque sua esposa, Isabella Lugoski, não havia sido incluída na honraria. Os experimentos de Isabella ajudaram a provar a teoria molecular concebida por Jerome.

«E minha mãe disse: é uma bobagem, vá em frente. Você deveria aceitar (o prêmio)», disse Louise em depoimento ao jornal The New York Times, que publicou um obituário sobre a importante cientista.

Os experimentos de Isabella ajudaram a provar a teoria molecular concebida por Jerome. | Foto: US Naval Research Laboratory

Os estudos de Isabella sobre as estruturas moleculares e sobre a «extração e purificação de plutônio têm sido uma grande influência em muitos campos científicos», aponta The Atomic Heritage Foundation, uma organização sem fins lucrativos que se dispõe a preservar e interpretar o legado do Projeto Manhattan, programa liderado pelos Estados Unidos para desenvolver uma bomba atômica.

Em uma autobiografia que Jerome escreveu para o Nobel, o cientista apontou que, durante toda a sua vida de casado, sempre teve «forte apoio» de sua esposa. Ele elogiou a carreira de sua parceira e reconheceu seus esforços para continuar suas próprias pesquisas científicas, além de ter criado três filhos.

‘A primeira menina’

Isabella e Jerome se conheceram na Universidade de Michigan em 1940. Ele estudou Biologia, e ela, Biologia.

Isabella e Jerome Karle passaram parte de suas carreiras no Laboratório de Pesquisa Naval de Estados Unidos. Em 2009, a instituição prestou homenagem aos dois | Foto cortesia do Laboratório de Pesquisa Naval dos Estados Unidos

«Ele nunca tinha ido a uma escola com meninas. Ele cresceu no Brooklyn e, aparentemente, suas escolas primária e secundária só tinha meninos. Depois, era uma época que na universidade só havia homens. Por isso, eu brincava com ele de que fui a primeira mulher que ele conheceu», contou Isabella em uma entrevista de 2015.

Eles se conheceram em um laboratório de química física, enquanto ele fazia um experimento.

Pouco tempo depois, eles se casaram – Isabella tinha 20 anos.

Jerome morreu em 2013, de câncer no fígado. Será lembrado como um dos cientistas que criaram uma ferramenta chave para o desenvolvimento de novos remédios.

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