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Três anos após aceitar matrícula de assassino em massa, universidade diz que não se arrepende

A Universidade de Oslo, na Noruega, não abre mão de seus princípios.

Como uma universidade deve tratar um pedido de matrícula de um assassino em massa?

A Universidade de Oslo, na Noruega, viu-se debatendo internamente essa questão delicada quando Anders Behring Breivik fez um pedido para estudar ciência política à distância, na prisão.

Breivik foi condenado a 21 anos de prisão pelo assassinato de 77 pessoas em um ataque com uma arma e uma bomba em 2011 na cidade de Oslo e na ilha de Utoya.

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As leis norueguesas permitem que o prazo de detenção seja estendido indefinidamente, no caso de os condenados serem considerados de alta periculosidade.

O massacre foi considerado a pior tragédia vivida pela Noruega desde do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

A universidade acabou decidindo por aceitar o pedido. Hoje – sete anos depois da tragédia e três anos após Breivik começar a estudar – o novo reitor, o professor Svein Stolen, disse à BBC que a instituição não se arrepende da decisão.

A escolha foi particularmente difícil porque algumas das pessoas que ele matou eram amigas de estudantes da instituição.

‘Pelo nosso bem, não pelo dele’

Breivik escreveu um «manifesto» de extrema-direita em que chegava a citar alguns professores da universidade como alvos de seu ataque.

O curso no qual ele quis entrar seria justamente para estudar as instituções políticas que sua ideologia extremista atacava. A vice-reitora da universidade considerou a situação um «paradoxo traumático».

Apesar disso, a universidade deixou Breivik começar seus estudos há três anos, em condições extremamente restritas. Ele estuda teoria política, política partidária, administração pública e relações internacionais, entre outras disciplinas.

O material didático é dado a ele por um carcereiro e ele não tem nenhum contato com nenhum outro estudante ou professor. Também não tem acesso à internet.

A universidade afirma que ensinar Breivik (que desde então decidiu mudar de nome) é uma questão de princípio: de honrar o direito de prisioneiros de obter educação superior, desde que preencham os requisitos para admissão.

O antigo reitor da universidade, Ole Petter Ottersen, disse que a decisão era ‘para nosso bem, não para o dele’.

O novo reitor, Svein Stolen, concorda com a decisão de seu predecessor.

Abordagem moderada

«Em uma universidade tão grande não há um pensamento único, e é mais difícil para aqueles que foram afetados diretamente. Mas eu sinto que de certa forma ficamos coletivamente satisfeitos com essa solução», disse Stolen.

«Não foi fácil, mas eu acho que foi uma ação da universidade baseada em princípios.»

O reitor disse que a primeira preocupação da universidade antes de aceitar a inscrição de Breivik era com o bem-estar dos estudantes e funcionários.

«Era extremamente importante cuidar dos outros estudantes, dos professores e da administração. Então, tivemos muitas discussões sobre como garantir que isso não os afetasse muito», disse ele.

A vice-reitora Ase Gornitzka disse que viu o ataque de Breivik como sendo parcialmente contra a universidade, porque a instituição faz parte da ordem política democrática e liberal da Noruega.

Ela afirmou que a resposta da instituição estava em sintonia com a resposta geral do país a Breivik.

«É algo bem moderado e parte de uma convicção na Noruega de que ele não deve ganhar espaço», disse ela.

«Ele tem o direito de estudar, mas obviamente não pode vir aqui ou se envolver da maneira que estudantes normais fazem.»

‘Melhor que ele seja educado’

Thomas, um ex-representante estudantil na Universidade de Oslo, conhecia pessoas que foram mortas no ataque a agora abomina Breivik a ponto de se recusar a dizer seu nome.

«Não por medo, mas porque ele não merece», ele explicou. «Fama é o que ele queria.»

Ele está preocupado que Breivik esteja apenas fazendo o curso para mostrar que mudou e tentar sair da prisão.

No entanto, Thomas apoia a decisão da universidade.

«Não vejo ele sendo liberado (da prisão), mas, se for, melhor que seja educado do que não seja», diz ele.

«Vingança não é parte do sistema penal. Ele serve para reabilitação.»

Emil, que acabou de formar, diz acreditar que os diretores da instituição fizeram a coisa certa, apesar de um ser uma decisão controversa.

«Foi um teste para as políticas liberais da Noruega quando Anders Breivik cometeu esse ato horrível. Mas educação só pode ser algo positivo», disse ele.

A Noruega é reconhecida por sua liberdade, tolerância e equidade – talvez uma universidade no Reino Unido ou nos EUA não tivesse aceitado alguém com o histórico criminal de Breivik.

Anthony Seldon, vice-chanceler da Universidade de Buckingham, disse que teria relegado a decisão para as famílias das vítimas de Breivik.

«Eu acredito profundamente no poder da educação para mudar o ser humano para melhor, e no poder da redenção», diz ele.

«Mas esse homem cometeu um ato de terror inominável que atingiu pessoas demais, e não é prerrogativa da universidade decidir.»

Sete anos depois do ataque, diz Thomas, a Noruega finalmente se recuperou do trauma do ataque.

«Só agora a Noruega voltou a ser o que era antes», disse ele. «Não somos mais vítimas.»

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