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Supostos descendentes dos guerreiros de Esparta revelam cotidiano pacífico

No sul da parte continental da Grécia fica a Península do Peloponeso. E na região de Mani, o relevo pedregoso e acidentado parece ondular feito o mar.

No alto de colinas, casas de pedra parecidas com pequenos castelos dão as costas para a Serra dos Taygetos e têm vista para o Mar Jônico.

Esta é a terra dos maniotas, uma comunidade supostamente descendente dos espartanos, os lendários guerreiros da Grécia Antiga.

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«O mais espartanos que podemos ser»

«Aqui está o seu lalaggi», diz Giorgio Oikonomeas, estendendo para mim uma espécie de massa crocante frita em azeite virgem.

Ele tem porte de herói mitológico – é parrudo e tem ombros largos -, mas sua face tem traços relaxados e receptivos.

Oikonomeas cresceu na aldeia de Neochori, na costa nordeste da Península de Mani, e de lá jamais saiu. Passou sua vida administrando um kafeneio (nome dado a um tradicional café grego). Aposentado, ele já não serve mais fregueses, mas passa a manhã no estabelecimento, trocando conversa com amigos sobre parentes e, ocasionalmente, política.

Enquanto eu mordo o lalaggi e a massa derrete na minha língua, Oikonomeas explica que estou saboreando um petisco que possivelmente era comido há milhares de anos pelos guerreiros de Esparta. «Lelegas, o primeiro rei espartano, foi provavelmente a primeira pessoa a preparar o prato», diz ele.

«Se você quiser saber como foi a vida em Esparta, não precisa ir muito longe. Somos o mais espartanos que se pode ser».

Há quase tres milênios, quando a Grécia era uma coleção de cidades-Estado, muito do Peloponeso pertencia à Esparta e seus aliados.

Ao contrário de Atenas, a grande rival, cujo povo era composto de artistas e filósofos, os espartanos eram guerreiros – acredita-se que o treinamento militar começava aos sete anos de idade para os meninos, que participavam de desafios físicos até se graduarem como soldados, aos 20 anos.

Mulheres não lutavam, mas era comum receberem educação formal e direito à propriedade, algo raramente concedido a mulheres em outras cidades gregas.

As mulheres espartanas eram conhecidas por sua independência.

Esparta atingiu seu auge no seculo 5 a.C., após derrotar Atenas na Guerra do Peloponeso. Mas este domínio teve vida curta: em 317 a.C., os espartanos caíram diante das forças da cidade de Tebas, o que marcou o início de seu declínio.

Proteção natural

A fase ruim, no entanto, não chegou aos espartanos vivendo na Peninsula de Mani. Protegidos pela Serra de Taygetos, eles resistiram e defenderam seu território por séculos, repelindo Tebas, forças otomanas e egípcias, entre outras.

Os maniotas, como ficaram conhecidos, eram traiçoeiros em terra e no mar – praticavam pirataria e frequentemente viajavam para outras nações costeiras como mercenários.

Tinham uma reputação temível e muitos adversários simplesmente mantinham distância.

Os maniotas gozaram de autonomia até meados do seculo 19, quando o governo grego interveio. Mas foi apenas nos anos 1970, com a abertura de estradas ligando a região ao resto do Peloponeso, que os maniotas começaram a receber forasteiros.

Sua afinidade para conflitos não era dirigida apenas a estranhos. Durante os tempos de autonomia, a península foi governada por diferentes familias e clãs. A disputa pelo poder resultava em violentos confiltos que muitas vezes duravam anos.

«Se alguém de uma outra família humilhasse um parente seu, um conselho familiar decidia a severidade da punição», explica Oikonomeas.

«E a punição não era apenas aplicada ao culpado, mas ao clã inteiro. Esse era o código de honra maniota.»

Até bem recentemente, segundo Oikonomeas, seus conterrâneos referiam-se a filhos como «canhões» e filhas como «barris de pólvora nos alicerces da casa».

Azeitonas

Nos dias de hoje, porém, os maniotas dedicam suas vidas a tarefas mais pacíficas, como o cultivo de azeitonas. A região é famosa por um azeite frutado e encorpado, com uma coloração particularmente dourada e verde.

O azeite maniota é usado para tudo na cozinha, desde o preparo de queijos à fritura dos lalaggi.

Mas o passado feroz não foi esquecido. O famoso moto espartano «‘ι tan i epi tas» (algo como «com o escudo ou sobre o escudo», supostamente proferido por Gorgo, mulher do rei espartano Leônidas, antes da batalha de Thermopylae, em 480 a.C.) pode ser ouvido regularmente na região.

É uma lembrança de que há apenas duas maneiras de voltar para casa de uma guerra: carregando o próprio escudo, como um vencedor, ou sendo carregado nele, como uma baixa.

O ditado ainda é usado comumente dos dias de hoje, tanto como um voto de força quanto um aviso.

Quase todo mundo nascido e criado na Península de Mani vai dizer que tem sangue espartano nas veias.

DNA x cultura

«Descendemos dos espartanos, ponto», diz Oikonomeas.

Aos 86 anos, ele ainda lembra de sua mãe lhe alimentando com ovos cozidos para fazê-lo mais forte e dizendo que, como único filho, tinha a responsabilidade de dar continuidade ao legado da família.

Lembra-se também da noite anterior a um funeral, em que viu suas tias entoando canções de luto, em um ritual mencionado na «Odisseia», de Homero, ao falar sobre os espartanos.

Mas não há provas científicas definitivas de uma conexão entre os maniotas de hoje e os espartanos. Traços autênticos de DNA espartano desapareceram há tempos, e tudo o que resta dos guerreiros é sua lenda.

Alguns historiadores e antropólogos alegam que similaridades como os cânticos de pesar são um indicador forte de uma relação entre espartanos e maniotas, mas Basil Gounaris, professor de História Moderna na Universidade Aristóteles, em Tessalônica, discorda.

«Antropologia e história não estão alinhadas. Viver no mesmo ambiente obviamente leva habitantes a fazer escolhas similares em vários assuntos, mas isso não tem nada a ver com o DNA deles».

Enquanto Oikonomeas bebe seu café, fregueses queimados de sol entram em seu estabelecimento. Ele olha calmamente enquanto o novo proprietário tenta lidar com o crescente número de fregueses.

O kafeneio é pequeno, mas ocupa uma posição privilegiada, em frente à principal praça de Neochori. Por isso, está sempre cheio. Pelo menos dez mesas estão espremidas no interior do salão e o barulho de pratos e das máquinas de café nunca para.

«Conversei com um acadêmico que desafia sua alegação de uma linhagem contínua datando dos espartanos», digo a Oikonomeas enquanto limpo migalhas de massa frita dos meus dedos.

Inabalável, Oikonomeas me passa outro lalaggi.

«Diga a ele,’ι tan i epi tas'».

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