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‘Tsunamis’ de fogo consumiam tudo em segundos, diz testemunha em Portugal

André Kuzer passou pela estrada que liga os municípios de Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera, em Portugal, minutos antes de ela ser engolida pelas chamas. No contexto da maior tragédia do país, o local recebeu o nome de Estrada da Mortedepois que 47 corpos foram encontrados naquele trecho. Eram de pessoas que morreram carbonizadas enquanto tentavam escapar do gigante incêndio que teve início em Pedrógão Grande, no último sábado (16), e que, até o momento, deixou 64 mortos.

Filho de um brasileiro, o arquiteto português de 40 anos estava em sua residência de Mosteiro, aldeia a cerca de seis quilômetros da região onde o incêndio teve início. “De longe eu conseguia ver o fogo, mas parecia controlado”, relata ao Portal da Band.

Duas horas depois, lembra o português, tudo ficou na mais completa escuridão. “Avistei ‘tsunamis’ de fogo consumindo uma enorme encosta em segundos. Ventava muito e já era possível sentir um enorme calor nesse vento. Minha primeira reação foi pegar uma mangueira e regar a casa. Eu nunca tinha vivenciado algo assim, não sabia o que fazer e nem como me proteger.”

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Com medo de ficar em casa, André pegou o carro e foi até o centro da aldeia. “Lá eu vi dois bombeiros que haviam sido apanhados pelas chamas. Eles já estavam praticamente despidos e tinham queimaduras pelo corpo. Naquele momento eu pensei que, se ficasse ali, eu morreria. Foi quando eu ouvi alguém comentando da estrada, que estava transitável, e resolvi sair de lá.”

Quando chegou em Coimbra, onde mora, André soube dos corpos carbonizados encontrados no local onde há pouco havia passado. “Se eu tivesse esperado 10 minutos para sair da aldeia, eu também teria ficado preso nas chamas”, conta.

Cenário apocalíptico

Durante a viagem para Coimbra, Kuzer pensou em seus vizinhos e nas pessoas que conhecia que decidiram permanecer em Mosteiro. No trajeto, ele também se lembrou do que viu antes de conseguir escapar e da rapidez com a qual as chamas destruíram tudo. “O cenário era apocalíptico. Descrever aquilo é como descrever o inferno. O vento e o som das chamas são inenarráveis. Tudo aconteceu muito rápido, foi horrível.”

Com dificuldades para se informar – a comunicação na região atingida pelo incêndio ainda é complicada –, Kuzer começou a receber informações sobre várias mortes em sua aldeia. Ele também atendeu a muitas ligações de pessoas perguntando se ele estava vivo. “Aquilo me angustiou muito”, relata.

O fogo, que ainda se alastra por algumas vilas, já foi contido em Mosteiro. Nesta segunda-feira (19), o português conseguiu retornar para a aldeia e não encontrou nenhum conhecido que tenha perdido a vida, embora ainda se tenha notícias de muitos desaparecidos.

“Uma vizinha minha foi uma das que desapareceram; fui até a casa dela, que foi totalmente consumida pelo fogo, mas não encontrei nada. O carro dela não está lá também. Não sei se ela conseguiu fugir ou se também foi pega pelas chamas na ‘estrada da morte’”, lamenta.

Sensação de abandono

Apesar de incêndios serem comum nessa época do ano em Portugal, nunca houve algo nessa proporção. Diante da magnitude dos fatos, o português diz ter se sentido desorientado e abandonado pelas autoridades do país.

“Tudo aconteceu tão rápido e de forma inesperada que ninguém conseguiu pensar em um plano de salvamento. Não havia ajuda, todos os residentes foram abandonados a própria sorte”, conta ele, que enquanto estava em Mosteiro não viu agentes civis para evacuar a área ou bombeiros para impedir que o fogo chegasse até a aldeia.

“Eu não sei se era possível imaginar que o fogo tomaria a dimensão que tomou, mas o sentimento que eu tenho é que erros foram cometidos para que a tragédia se tornasse tão gigante”, desabafa. “Ainda que as autoridades estivessem desprevenidas, confiamos que os órgãos de proteção civil estão lá justamente para antever esse tipo de situação. Espero que, após esse drama, as leis mudem no país para que se evitem tragédias como essa.”

No domingo (18), Portugal declarou luto oficial de três dias em meio à consternação nacional. Kuzer conta que é mesmo de luto o clima em todo o país. Mesmo tendo retornado para aldeia atingida pelo incêndio, o arquiteto decidiu não fazer fotos ou registros do que viu. “Prefiro não guardar nada disso na minha memória. Foi a pior situação que eu já passei na vida”, define.

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