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Projeto gera renda e resgata autoestima de vítimas de violência doméstica em São Paulo

Quando tinha 17 anos, Renata Rizzi foi feita refém e sofreu vários tipos de violência durante um assalto a sua casa. O que veio depois também não foi fácil: síndrome do pânico, ansiedade, depressão e terror noturno.

O episódio deixou marcas com as quais ela teve que lidar por grande parte da vida. Com 28 anos, quando trabalhava no mercado corporativo, sentiu falta de mais mulheres em cargos de liderança e passou a pesquisar mais sobre o tema, esbarrando em dados de violência contra a mulher. O desconforto deu lugar a um novo projeto, a Utopiar, uma loja com roupas e acessórios produzidos por vítimas de violência doméstica.

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São Paulo registra um aumento nos casos de lesão corporal por violência doméstica há quatro anos. Somente em 2019, foram contabilizados 26.105 boletins de ocorrência por esse delito no estado. Na pandemia, muitas vezes com as vítimas isoladas em casa com o agressor, os números continuaram a subir. Entre abril e junho, foram registrados 62 casos de violência doméstica por dia.

Renata conta que, quando começou a pesquisar sobre o tema, a dependência financeira aparecia como um dos principais motivos pelos quais as mulheres acabavam não rompendo com o ciclo da violência. «Hoje em dia eu reconheço que eu tive o total apoio da minha família, diferente da maioria dessas mulheres. Quando eu consegui entender isso e o meu lugar, veio uma vontade muito grande de ser para essas mulheres o que a minha família foi e ainda é para mim», afirma.

Buscando uma maneira de fazer com que essas mulheres tivessem a própria renda, ela fez uma parceria com a ONG Fala Mulher, que dá assistência jurídica e psicológica às vítimas de violência doméstica em centros de defesa, além de acolher mulheres e filhos em abrigos sigilosos, quando correm risco de vida.

A partir disso, a Utopiar promove oficinas de tingimento de blusas, calças e lenços com técnicas como tye-dye e shibori, além do bordado. Essas peças são vendidas pelo site da loja e em algumas multimarcas, como a Pinga, nos Jardins, e a Goiaba Urbana, em Pinheiros. Quando o pedido chega à casa da cliente, vem com um cartão com o nome de uma flor, que representa a mulher que produziu aquela roupa ou acessório.

«Mais do que a geração de renda, o resgate de autoestima é uma coisa incrível. Mulheres que ouviram por muitos anos que são burras ou incapazes, de repente se veem fazendo uma coisa bonita. Então elas se veem capazes, valorizadas porque são remuneradas, vão melhorando, ganhando confiança», conta Renata.

Além disso, durante as oficinas, as vítimas convivem com outras mulheres e criam novos vínculos. «Elas se apoiam muito e uma aprende com a outra. O ciclo da violência é muito solitário. Faz parte da estratégia isolar a vítima, muitas vezes da família e dos amigos, e ela vai ficando mais vulnerável», completa.

As mulheres podem ficar no projeto por no máximo 12 meses. Depois, são incentivadas a procurar um emprego. No ano passado, 100% das mulheres do centro de defesa que passaram pela Utopiar romperam o ciclo da violência doméstica e conseguiram retornar para o mercado de trabalho.

Cacto (codinome utilizado para proteger a identidade) foi uma das beneficiadas pelas oficinas. Vítima de violência psicológica pelo ex-marido, ela passou a lidar com a depressão e ficou um ano isolada. Durante um surto, procurou o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), que a encaminhou para a ONG Fala Mulher.

«Nessa época eu estava muito mal, não queria mais levantar. A depressão é não aguentar mais a mente. Eu não sentia mais gosto de viver, não tinha prazer de viver. Levantar da cama era um sacrifício», conta Cacto.

Ela passou a participar das oficinas, conviver com pessoas com histórias parecidas, e viu sua autoestima ser resgatada. «Eu me senti capaz de novo, era uma esperança que eu não tinha mais. Eu não me sentia capaz de mais nada, não conseguia tomar conta dos meus filhos. Eu ia limpar a casa e a casa me engolia. Era muito difícil», relata.

As participantes são remuneradas com base na produção, independente da venda. As oficinas são semanais e elas levam as peças para produzir em casa. «Assim podem respeitar tanto o corpo delas quanto outras necessidades, como cuidar dos filhos e da casa», explica Renata. Em 23 meses de oficina, foram 41 mulheres capacitadas em técnicas de tingimento ou bordado e R$ 30.515 gerados por e para elas.

Cacto afirma que as oficinas da Utopiar a ajudaram a caminhar de novo. O ex-marido foi embora, ela arrumou um emprego e voltou a tomar conta dos filhos. «Eu não posso me calar, porque tem muitas mulheres que não conseguem pedir ajuda», diz. «O setembro amarelo é uma forma de resgatar isso, porque a depressão e o suicídio são coisas que muita gente ainda não gosta de falar, mas estão aí. Eu passei por isso e espero ajudar mulheres que estão nessa situação a ver que tem solução».

Serviço:

Site: https://www.utopiar.com.br/
Instagram: @vamosutopiar


*Supervisão: Luccas Balacci

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