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Covid-19 impõe ainda mais desafios para os refugiados

Este ano, a comemoração do Dia Mundial dos Refugiados foi marcada pela pandemia da covid-19 e pelos protestos antirracismo em todo o mundo. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), ambas as situações nos mostram “quão desesperadamente precisamos lutar por um mundo mais inclusivo e igualitário: um mundo onde ninguém é deixado para trás”. Este é o tema da Campanha do Dia Mundial do Refugiado do Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados em 2020.

Marcada pela primeira vez em 2001, a data foi celebrada no sábado, 20 de junho, e é dedicada à conscientização da situação dos refugiados em todo o mundo. O pesquisador e professor da Universidade de Joanesburgo Cristiano D’Orsi explicou ao Metro Jornal que existem três crises que as pessoas “em movimento”, incluindo refugiados, estão enfrentando atualmente devido à pandemia de covid-19.

“Em primeiro lugar, é uma crise de saúde, pois eles podem viver em condições de superlotação. Por exemplo, o campo de Kutupalong, em Bangladesh, que abriga quase um milhão de pessoas da etnia Rohingya e não tem acesso adequado. Existe outro exemplo, o campo de refugiados de Moria, na ilha grega de Lesbos, construído para menos de 3.000 pessoas, que recebeu 20 mil pessoas em março e não tinha água corrente durante o dia e era insuficiente”.

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De acordo com D’Orsi, trata-se de uma crise socioeconômica: “Isso acontece porque muitas pessoas sofreram uma perda de renda e não têm acesso à proteção social. E também é uma crise de proteção, porque muitos países impuseram restrições nas fronteiras e alguns suspenderam pedidos de asilo, como na Grécia”.

No entanto, os refugiados também desempenham um papel fundamental na resposta das sociedades à emergência de saúde. O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, destacou recentemente que, à medida que países em todo o mundo continuam a responder à pandemia sem precedentes, os refugiados continuam a contribuir para o trabalho árduo de suas sociedades anfitriãs de várias maneiras, como voluntariado para apoiar os membros vulneráveis ​​de suas comunidades, e trabalhar no setor de saúde, por meio da produção de máscaras faciais.

Para descobrir mais, o Metro Jornal conversou com Nando Sigona, presidente de Migração Internacional e Deslocamento Forçado.

De que maneira a pandemia de covid-19 afetou os refugiados?

A covid-19 está afetando os refugiados de várias maneiras. Está tornando o movimento através das fronteiras ainda mais difícil para eles. As condições nos campos e centros estão piorando. Está tornando o ambiente em países de asilo ainda mais hostil a eles.

O que protege os direitos humanos dos refugiados?

Existem tratados internacionais que são juridicamente vinculativos e protegem os direitos das pessoas que precisam de proteção internacional. Em primeiro lugar a Convenção de 1951, relativa ao status dos refugiados. Os estados tentaram minimizar suas obrigações para com os refugiados, mas a Convenção ainda está em vigor.

A promoção da participação dos refugiados na sociedade e a valorização de sua história e contribuição são passos importantes para uma melhor proteção de seus direitos. Os fluxos de refugiados são sintomas de tensões e conflitos geopolíticos. Abordar as causas do conflito é um desafio global que não possui uma solução fácil ou rápida.

E protestos antirracismo e  discriminação que acontecem agora?

Xenofobia e racismo costumam andar de mãos dadas, mas suas raízes não são as mesmas. Em muitos países, os refugiados e imigrantes negros são especialmente excluídos e explorados por tensões sociais e discriminados pelo estado. É essencial promover o diálogo e a solidariedade entre os movimentos sociais. 

Está mais difícil voltar para casa

Cada vez menos pessoas que fogem conseguem voltar para casa. Na década de 1990, em média, 1,5 milhão de refugiados conseguiam regressar para casa todos os anos. Na última década, esse número caiu para cerca de 385 mil. Entre as 79,5 milhões de pessoas que estavam deslocadas à força até o fim do ano passado, 45,7 milhões são deslocados internos, como se chamam as pessoas que fugiram para outras áreas dentro dos seus próprios países.

As demais pessoas tiveram de sair dos seus países, e delas 29,6 milhões são refugiados ou outros deslocados à força (como é o caso dos apátridas) e outras 4,2 milhões são requerentes de refúgio (pessoas que estão fora do país de origem e que recebem proteção internacional, mas que ainda aguardam uma resolução para o seu pedido).

Mais de oito em cada dez refugiados (85%) encontram-se em países em desenvolvimento, geralmente num país vizinho do seu território de origem. A Europa recebeu menos de 10% dos que fugiram para o exterior. “Como europeu, isso é profundamente constrangedor e me envergonho de que a União Europeia não tenha conseguido chegar a um acordo sobre obrigações básicas, como a divisão da responsabilidade pelas pessoas que nela buscam abrigo”, disse Filippo Grandi, alto comissário do Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados). Ele destacou ainda que de 30 milhões a 34 milhões dos deslocados são crianças, e muitas dezenas de milhares encontram-se sozinhas, ou seja, sem a companhia dos pais ou de um familiar.

“Conflitos têm historicamente expulsado pessoas de seus países de origem, por exemplo, guerras civis. Outros elementos que tradicionalmente gerar fluxos de refugiados são perseguições por opinião política, grupo social, religião e entre outros”, diz a analista de relações internacionais Isadora Vieira.

“A principal preocupação é garantir segurança e condições dignas à essas pessoas. Elas precisam chegar em segurança aos países de acolhida e ter condições para sobrevivência como um teto e comida. Além disso, existe a importância de integração à comunidade, garantia de diretos à saúde, educação, trabalho. Porém, atualmente vemos crises políticas-econômicas sendo as responsáveis pela migração forçada de pessoas, por exemplo, a Venezuela. E com as mudanças climáticas, no futuro podemos esperar um fluxo ainda mais de migrações em decorrência da deterioração do meio ambiente.”  

Entenda as diferenças

Deslocamento forçado

  1. Refugiado: Alguém que fugiu de casa e do país devido ao “medo bem fundamentado de perseguição por raça, religião, nacionalidade, participação em um grupo social específico ou opinião política”, de acordo com a Convenção das Nações Unidas para Refugiados de 1951. Muitos refugiados se exilam para escapar dos efeitos de desastres naturais ou causados ​​pelo homem.
  2. Requerentes de asilo: Eles fugiram de suas casas, mas seu pedido de status de refugiado ainda não foi definitivamente avaliado.
  3. Pessoas deslocadas internamente: Pessoas que não cruzaram uma fronteira internacional, mas que se mudaram para uma região diferente dentro de seu próprio país.
  4. Apátridas: Eles não têm uma nacionalidade reconhecida e não pertencem a nenhum país. As situações de apatridia são frequentemente causadas pela discriminação contra certos grupos. Sua falta de identificação – um certificado de cidadania – pode exclui-los do acesso a importantes serviços governamentais, como assistência médica, educação ou emprego.
  5. Os retornados: Ex-refugiados que retornam aos seus países ou regiões de origem após um tempo no exílio. Os retornados precisam de apoio contínuo e assistência de reintegração para garantir que possam reconstruir suas vidas em casa.

Linha do tempo

1948 – Declaração Universal dos Direitos Humanos

1951 – Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados: define o que é refugiado e estabelece o direito de asilo. Inicialmente se limitava a proteger o direito de europeus em refúgio da Segunda Guerra Mundial. É a responsável pela definição de refugiado como: toda a pessoa que, em razão de fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer fazer uso da proteção desse país ou, não tendo uma nacionalidade e estando fora do país em que residia como resultado daqueles eventos, não pode ou, em razão daqueles temores, não quer regressar ao mesmo

1967: Protocolo de 1967: removeu os limites geográficos e temporais

1969: Convenção da Organização de Unidade Africana: ampliou e reconheceu que os problemas dos refugiados devem ser abordados de uma maneira essencialmente humanitária

1984: Declaração de Cartagena sobre Refugiados: é um instrumento latino-americano para a proteção de refugiados e foi adotada por delegados de 10 países da América Latina: Belize, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá e Venezuela

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