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Poluição atmosférica pode agravar covid-19, dizem pesquisadores da USP

Autoridade em patologia e professor da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), Paulo Saldiva está na linha de frente do combate ao coronavírus. Ele coordena grupo que coleta tecidos durante a necropsia das vítimas da covid-19, montando biobanco que irá favorecer o estudo da doença e suas manifestações. O médico é também um dos maiores estudiosos e especialistas do mundo em poluição do ar. Bióloga e pupila de Saldiva, Mariana Veras hoje coordena o Laboratório de Poluição Atmosférica da FMUSP, concentrada em estudar os efeitos dos poluentes nos humanos. A dupla conversou com o Pro Coletivo, para o Metro Jornal, e deixou claro que a cidade pode interferir na saúde e no bem-estar das pessoas.

O impacto da poluição

O isolamento social fez a qualidade do ar melhorar no mundo inteiro. Em São Paulo, no início da quarentena, houve queda de 50% de emissões de poluentes, por causa da redução de carros nas ruas e diminuição das atividades. A Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) registrou em algumas regiões metropolitanas concentração máxima de poluentes de 1 ppm (parte por milhão), enquanto o padrão em outros dias era de 9 ppm.

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“A poluição é um fator preocupante, pois pode agravar os casos de covid-19. Com uma capacidade pulmonar menor, a pessoa fica mais vulnerável. Além disso, são várias as enfermidades associadas à exposição prolongada aos poluentes, como doenças cardiovasculares, infecções respiratórias, câncer do pulmão, diabetes, Alzheimer e até obesidade”, diz Saldiva, que conduziu com Mariana um grande estudo sobre os efeitos da poluição em moradores da capital, em 2017.

O estudo mediu a quantidade de carbono encontrada nos pulmões das pessoas e constatou que eles têm manchas escuras, como as de fumantes. “Antes, em necropsias, quando se via um pulmão todo preto, sabia-se que era de um fumante. A pesquisa mostrou que hoje isso independe desse fator. Respirar o ar de São Paulo é equivalente a fumar quatro cigarros por dia, e isso tem um impacto cumulativo”, diz a bióloga Mariana Veras.

Ciclista tem vantagens

E quanto mais tempo no trânsito, mais carbono no pulmão. Saldiva, ciclista e usuário de transporte coletivo, reforça a importância de mudarmos o comportamento, preferindo bike e caminhada. “Os congestionamentos, com trânsito parado, fazem com que inalemos maiores quantidades de poluentes. Por isso, o ciclista e o caminhante têm vantagens, pois não ficam tanto tempo expostos.”

Mariana compara: “Dois fatores são importantes: o tempo e a concentração de poluentes. No carro, você fica protegido pela capa de aço e pela janela de vidro, por isso tem exposição a uma concentração menor, mas o tempo que fica exposto aos poluentes é muito grande. Já na bicicleta, a exposição momentânea é maior, mas o tempo é menor. Você se desloca rapidamente e sai daquele aprisionamento com facilidade. Também pode escolher rotas e caminhos de ruas mais calmas e menos poluídas”.

O ônibus que vai por faixas e corredores exclusivos tem menos exposição, vai depender do percurso de cada veículo. O essencial é fazer melhores escolhas de mobilidade para proteger a saúde. Quando possível, é importante evitar o horário de pico e escolher a bicicleta ou a caminhada. “Precisamos mudar essa mentalidade de que a culpa não é nossa. A responsabilidade pela qualidade do ar da cidade é de todos nós”, afirma.

Ficar em casa só protege

Atualmente, Mariana começou a pesquisar o papel dos poluentes como “carreadores” do novo coronavírus. “Estamos avaliando se as partículas pequenininhas da poluição do ar podem funcionar como transportadores.” Mas uma coisa é certa, diz a bióloga: “Ficar em casa protege do contágio e evita o aumento da poluição, que inflama e irrita nosso sistema respiratório, prejudicado pelo vírus. Então, tirar a poluição nesse momento só beneficia, pois torna o organismo mais forte e com menos agressões para o seu corpo”.

Autor do livro “Vida Urbana e Saúde – Os Desafios dos Habitantes das Metrópoles”, da Editora Contexto, Saldiva está otimista: “Vejo novas gerações que andam mais de bicicleta e pessoas mudando  comportamento no dia a dia. Essa triste pandemia escancarou um estilo de vida que não dá para prosseguir, focado no individualismo e na desigualdade. É cada um no seu carro e uma qualidade de vida péssima nas periferias, onde as pessoas levam muito mais tempo para se mover, e onde faltam árvores e parques. O transporte individual e motorizado mantém as pessoas sedentárias e doentes, além de provocar acidentes, perda de tempo e dinheiro. Boto fé na consciência coletiva: cidadãos reunidos discutem a ocupação da cidade e reivindicam melhorias. É urgente uma grande transformação para melhorar a saúde e a vida das pessoas.”

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