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‘Não se vê que o governo tenha pulso’, diz FHC sobre Bolsonaro; leia entrevista

Bruno Santos/Folhapress

Ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso não atua mais na política, mas segue ativo nas redes e deve lançar mais um livro em 2019. Em entrevista por telefone aos jornalistas Maicon Bock, do Metro Jornal, e Oziris Marins, da Rádio Bandeirantes, o tucano falou sobre a reforma da Previdência, o governo Bolsonaro, suas memórias no Planalto e o Plano Real, que completa 25 anos em 1º de julho. Confira os principais trechos:

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O PSDB perdeu espaço nos últimos anos no cenário nacional. Como o senhor avalia as chances de o partido voltar ao poder a partir de 2023?
Hoje, as pessoas têm se orientado mais por indivíduos do que por partidos. O governador de São Paulo [João Doria, do PSDB] é sempre um nome em evidência, mas ainda é cedo para determinar o futuro. O governador do Rio Grande do Sul [Eduardo Leite] é do PSDB e é um nome respeitado, tem feito um bom governo. Lembrando que é cedo para tomar decisões nessa matéria das eleições. Mesmo assim, precisamos ter um espaço em nossas cabeças para o imprevisível. O Bolsonaro foi imprevisível e está na presidência. Se o PSDB fizer uma autocrítica, tem chance de garantir um bom futuro. No momento, sinto que todos os partidos precisam bater no peito e fazer o mea culpa, na questão da corrupção, de olhar para o próprio umbigo.

Como o senhor avalia a situação atual do país?
A situação é de incertezas. É uma espécie de transição que nós sabemos do quê, mas não para o quê. Não se vê que o governo tenha pulso para definir um rumo e conduzir o Brasil para ele.

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No início de abril, o senhor disse que o governo Bolsonaro era pior do que imaginava por não ter visto nada até aquele momento. Quase dois meses depois, qual sua avaliação?
O que mudou é que, na Câmara, o projeto de reforma da Previdência está andando. Mas não se sabe exatamente o que vai sair, e não basta somente ela. É preciso reanimar o Brasil. O que há neste momento, além da questão fiscal, é a falta de confiança. Para onde estamos indo? Qual o caminho? O presidente tem recuado de suas posições, ainda não se sente um pulso firme. Além do mais, me parece um governo muito diverso. Há ministros que me dão a impressão de ser sensatos, como os militares, mas os civis são bastante insensatos. Reinventaram a situação do fantasma do comunismo, essas coisas que não existem. Tenho a sensação de que estamos no ar.

O senhor disse dias atrás que a reforma da Previdência é necessária, mas deve “tirar dos que mais ganham, não dos pobres”. O que deveria mudar na proposta encaminhada pelo governo?
Não conheço muitos detalhes, mas o básico é discutir a questão da idade. O que não é fácil, porque o Brasil tem uma tradição de não aceitar as diferenças dentro disso. Demograficamente, as mulheres vivem mais que os homens, mas se aposentam mais cedo. É preciso chegar a um consenso. Em segundo lugar, o que pesa na Previdência são os funcionários públicos – militares e civis. Tem de se olhar para o futuro, não pensar somente no presente. Sobre a capitalização, não sei se o governo deveria seguir misturando esse assunto com a questão da Previdência.

A campanha do novo governo trabalhou muito a questão da demonização da política clássica, o que implantou um desencanto na população. Como romper isso?
Dei uma aula quarta-feira sobre Max Weber [1864-1920], o sociólogo famoso. Quando a situação está muito burocratizada, de acordo com ele, precisa de carisma. Nesse momento, é necessário que se dê preferência à palavra, seja na mídia ou em redes sociais. Temos de recomeçar, não é aconselhável repetir o que foi feito nos últimos anos. Hoje, as pessoas estão muito conectadas pela internet. Quem maneja isso, tem mais capacidade de falar com aqueles que não compravam brigas no passado. Não acho que a rede social substitua jornais, é uma rede anônima.

O governo erra quanto litiga contra o Congresso e, às vezes, contra o Supremo?
Sem dúvidas. Apesar de ser difícil, o Congresso é parte essencial de uma democracia. Parece que houve uma demonização da negociação política. Isso não é uma barganha, um toma-lá-dá-cá. É conseguir ajuda explicando bem o que se pensa em fazer. Uma coisa é clara: o Congresso não pode ser visto como um inimigo, e vejo isso em alguns pontos do bolsonarismo. Quanto à Justiça, nem se fala. É fundamental que seja independente. Eu posso não estar de acordo com uma decisão dela, mas é preciso respeitar. Falta a compreensão do que é o processo democrático, ainda mais em um país complicado como o nosso.

O governo é muito centrado em redes sociais. Isso potencializa o ódio?
Em uma vida democrática, a polarização, às vezes, ocorre. Mas os responsáveis maiores precisam fazer um esforço para acabar com ela. Essa divisão dificulta muito a construção de caminhos que sejam aceitáveis ao país. Vemos um governo acirrando ao invés de amenizar. Espero que, quando o governo se sentar bem na poltrona – que toda família ocupa, o que me deixa meio perplexo –, entenda que governar é compor, elevar o país. Juntar forças diferentes, o Brasil é diverso, e fazer que aceitem um interesse comum.

Se existissem redes sociais na época, o senhor teria mais dificuldades para governar?
Provavelmente sim, já era difícil governar. A maior dificuldade não é a rede social, é a fragmentação partidária. Temos de nos adaptar à internet, eu mesmo escrevo no Twitter de vez em quando, para não ficar de fora da contemporaneidade. A rede tem o poder de provocar sentimentos, reações. O mundo de hoje é assim. Eu acho que o presidente atual e seus familiares tem paixão muito grande pela rede. Não é preciso transmitir tudo que se pensa. Governar é o cotidiano, não a rede.

Qual a sua opinião sobre o decreto das armas?
Sou contra distribuir armas para a população. Isso deve ser feito para quem sabe manejar elas, como o Exército e a polícia. A situação do crime organizado no país é séria e crescente. Contudo, não acho que distribuir armas resolva, é o que tem sido visto empiricamente. Para se combater o crime no geral, é com a polícia. Ela precisa ser melhor treinada, com inteligência. Acho que essa questão é um erro do governo.

O Plano Real vai completar 25 anos em 1º de julho. Na época, formou-se um time de muita qualidade para criar a nova moeda. O senhor acha que nos dias de hoje seria possível repetir esse feito?
É necessário, porém difícil. Em 1994, já foi complicado, mas conseguimos juntar uma equipe boa. Isso porque acreditaram que era o momento, inclusive o presidente Itamar [Franco], que entendeu a situação. Não sei qual é a capacidade do ministro da Economia atual de agregar as pessoas. É necessário transmitir convicção. No Plano Real, o mais importante foi falar. Explicar ao país o que ia ocorrer, como seria. Conversava o tempo todo com parlamentares, com a imprensa. Nesse momento, precisaríamos de algo semelhante.

O senhor está lançando, desde 2015, diários com memórias dos 8 anos de Presidência. O que podemos esperar do quarto e último volume, com relatos da transição para o governo Lula?
Dá um trabalho enorme para escrever os relatos. Espero que os últimos sejam lançados ainda neste ano. Eleição é um assunto delicado, e em 2002 não foi diferente, com a formação da chapa, minha reação em relação aos outros candidatos, a eleição do Lula… Eu o faço com pretensão de ser um documento histórico, de marcar o momento. É quase que por uma obrigação histórica.

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