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Marta Marcondes: ‘Rejeito irá ao São Francisco’

Bióloga do ABC faz parte da equipe que percorre o rio Paraopeba, em Minas Gerais, para medir o impacto da poluição após rompimento de barragem

A bióloga e professora da USCS (Universidade Municipal de São Caetano) Marta Marcondes participa desde o dia 31 de expedição em conjunto com a Fundação SOS Mata Atlântica pelo rio Paraopeba, em Minas Gerais. A equipe faz análises sobre as condições da água após o rompimento da barragem da mina córrego do Feijão, em Brumadinho, no dia 25 de janeiro. Marta realiza também expedições anuais sobre a qualidade da Billings, na Grande São Paulo, e também percorreu o rio Doce após o rompimento da barragem de Mariana (MG), em 2015.

Qual o comprometimento do rio Paraopeba? O que vocês puderam observar até agora?

Fizemos 12 pontos de coleta e todas as amostras estão seriamente comprometidas com contaminação pelo rejeito. Estávamos em Pará de Minas e saímos de lá ontem [terça-feira]. Hoje [ontem] estamos na cidade de Paraopeba. Percorremos aproximadamente 150 km de rio, do total de cerca de 350 km. Infelizmente, até aqui o Paraopeba se encontra morto. Níveis de oxigênio estão lá embaixo. O parâmetro normal seria acima de 5 microgramas por litro, o que permitiria vida. Do córrego do Feijão até aqui, nenhuma área ficou acima de 3 microgramas por litro. É indicador de que rio está morto. Outra questão é a turbidez. Ela mostra a capacidade de entrar luz na água para permitir fotossíntese dos organismos no fundo. Não encontramos pontos com índice menor que 300. O ideal para se ter vida deve ser de 100.

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Qual a extensão desta contaminação? Ela pode chegar ao rio São Francisco?

Infelizmente, este rejeito vai chegar até o São Francisco sim e causar uma série de danos. Conforme a expedição vai avançando, a gente vê o rejeito chegando como uma pluma sutil de contaminação. Você vê a cor do rio mudando significativamente. Ele tinha cores de verde garrafa e está vermelho. Onde era marrom, vai ficando muito avermelhado. Onde chega, você percebe a morte do rio. Não há mais peixes em Pará de Minas, Florestal.   

O que é possível fazer para evitar que a contaminação se espalhe? A membrana instalada pela Vale funciona?

As membranas retêm uma fração do rejeito, mas não são muito eficientes. É difícil dizer o que poderia barrar a contaminação. A Vale deveria ter um plano para isso. Eles deveriam ter essas respostas, já que são totais responsáveis pelo desastre. Pensamos em fazer ao longo do rio alguns bolsões para direcionar o rejeito e depois utilizar para um destino melhor. Mas isso ocasionaria outros impactos, como a retirada de mata ciliar, morte de várias espécies. Ou seja, tudo vai causar muito dano ambiental.

O rio pode voltar à vida?

Da forma como era antes, nunca mais. Infelizmente! As espécies que existiam de vários organismos, muitas delas endêmicas [que ocorrem apenas naquela região], foram dizimadas.

Você esteve também no rio Doce, que sofreu os impactos da barragem de Mariana em 2015. Qual a diferença dos cenários?

O que tivemos em Brumadinho é uma grande catástrofe humana por causa da quantidade de pessoas que morreram imediatamente após rompimento da barragem.
O desastre mostrou a total ineficiência de plano de emergência. Toda a estrutura da Vale estava abaixo da barragem que se rompeu. Podemos chegar a 400 vítimas. Além das pessoas, tivemos morte de muitos animais de grande e pequeno porte. Estamos em área de transição de Cerrado e Mata Atlântica. Percorrendo o Paraopeba, vi o quanto o rio ainda tinha de mata ciliar preservada.
A perda é irreparável. No rio Doce, tivemos perda muito grande por conta da extensão. O rejeito alcançou 800 km de rio, chegando até Regência, no Espírito Santo. Foi  tsunami mesmo, destruiu tudo. Aqui no Paraopeba, como o volume é menor, tem coisas mais sutis. 

Quais os próximos passos da expedição?

Vamos agora até a foz, que fica na Barragem de Três Marias, e o final será o rio São Francisco. Faremos coletas até sexta-feira.

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