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Caso Eloá: 10 anos após assassinato da jovem, combate ao feminicídio pouco mudou

Há exatos dez anos, a jovem Eloá Cristina Pimentel, de 15 anos, estava presa no apartamento em que morava, no Jardim Santo André, bairro de periferia de Santo André. Ela era mantida em cárcere pelo ex-namorado, Lindemberg Alves Fernandes, na época com 22 anos, que entrou armado na residência se dizendo inconformado pelo fim do relacionamento. Depois de aproximadamente 100 tensas horas durante quatro dias, o fim foi trágico: Eloá morreu após ser atingida por dois disparos efetuados pelo ex-companheiro durante a entrada da Polícia Militar no local. Passada uma década, especialistas ouvidos pelo Metro Jornal dizem que o caso, que marcou não só o ABC como o país, não surtiu efeito no combate contra o feminicídio e relacionamentos abusivos.

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Advogada criminalista e procuradora de Justiça aposentada, Luiza Nagib Eluf, acompanhou o caso de perto e adicionou trechos do acontecimento no seu livro “A Paixão no Banco dos Réus”, que reúne casos de crimes passionais.

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“Passados 10 anos e estamos falando a mesma coisa, lamentando por tantas mulheres que continuam morrendo. Não serviu de lição porque ainda temos casos de feminicídio aos montes, infelizmente. O Brasil continua um país selvagem, misógino e patriarcal, que registra cerca de 10 feminicídios por dia”, afirmou.

Luiza diz que houve avanços no âmbito criminal desde 2008, como a implantação da Lei do Feminicídio, sancionada em março de 2015. “Foi uma evolução legislativa importante e nós comemoramos muito. De fato, é necessário que haja uma punição mais severa nesses casos.”

No entanto, ela acrescenta que apenas essa iniciativa não resolve o problema, que também é cultural. “Nós temos que atacar o mal pela raiz. Começar com a reeducação nas famílias, nas escolas e nos meios de comunicação. Existe uma opressão sexual sobre a mulher e o problema só será resolvido quando a nossa sociedade machista aprender que a mulher tem os mesmos direitos que o homem”, declarou.

O caso

Lindemberg entrou no apartamento dia 13 de outubro, por volta das 13h. Eloá  estudava com três amigos – Nayara Rodrigues, Iago Vilera e Victor Campos. O sequestrador libertou os dois rapazes na mesma noite. No dia seguinte, Nayara chegou a deixar o local, mas retornou ao cativeiro para ajudar nas negociações. No início da noite do dia 17, quando a polícia invadiu o imóvel,  Lindemberg atirou contra as meninas. Eloá morreu com um tiro na cabeça e outro na virilha. Nayara foi atingida no rosto, mas sobreviveu. 

Negociação Tensa

As negociações foram tensas, com ele disparando contra policiais e até Eloá saindo na janela para pedir calma. Um diretor do São Paulo, time de Lindemberg, tentou negociar também.

 A volta de Nayara 

Amiga de Eloá, Nayara foi mantida em cárcere por Lindemberg no primeiro dia, liberada pelo sequestrador, mas voltou para o imóvel para tentar negociar a rendição. No fim, ela foi baleada.

 

Entrada da PM

A entrada dos policiais no apartamento foi muito criticada. Usaram explosivo para estourar a porta e a escada para entrar pela janela acabou sendo curta na hora da ação.

Lindemberg é preso

Durante a entrada da polícia, Lindemberg ainda resistiu à prisão e entrou em luta com os policiais depois de atirar nas garotas. Ele foi retirado com vários hematomas no rosto.

Julgamento

Em 16 de fevereiro de 2012, Lindemberg foi condenado a 98 anos de prisão por 12 crimes pelos quais foi julgado. Um ano depois, a pena foi reduzida para 39 anos em regime fechado.

Atuações da imprensa e da PM foram criticadas

Ao fim trágico dos quatro dias de cárcere privado de Eloá, duas instituições foram duramente criticadas: a imprensa e a Polícia Militar.

“O agressor chegou até a dar entrevista para uma apresentadora de televisão e prejudicou a negociação. Do outro lado, eu acho que a policia errou porque permitiu que uma refém, que tinha sido liberada, voltasse ao local. Foram muitos erros televisionados”, afirmou a advogada Luiza Eluf.

Algumas emissoras de televisão chegaram a transmitir ao vivo boa parte do sequestro. Lindemberg falou por telefone com mais de um jornalista.

O especialista em segurança José Vicente da Silva Filho aponta também para falha na operação policial. “Se a missão da polícia é proteger vida, e foi colocada mais uma pessoa em risco, houve uma falha grave”, comentou.

Para ele, o episódio mudou a atuação da Polícia Militar. “A partir daí, houve refinamento nos procedimentos para situações com refém por parte da PM”, disse.

Bandeira na doação de órgãos

A morte cerebral de Eloá abriu as portas da captação de órgãos no CHM (Centro Hospitalar Municipal) de Santo André. O Hospital viabilizou o transplante de sete órgãos da adolescente com o consentimento da família. Antes disso, o processo cirúrgico só era realizado em São Paulo. A mãe da garota, Ana Cristina Pimentel, acabou virando ativista da causa e participou de vários eventos sobre o tema. Na imagem, ela abraça o homem que recebeu os rins da jovem. A reportagem não conseguiu contato com Ana. 

Ana Cristina Pimentel mãe Eloá doação de órgãos

 

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