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Perfil do candidato: Henrique Meirelles, a campanha solitária do ‘para-raio’ rebelde

A separação amigável ocorreu no fim de agosto, mas quase ninguém notou. Sem alarde, o candidato do MDB à Presidência, Henrique Meirelles, transferiu o QG de sua campanha para São Paulo e ali gravou os programas eleitorais de TV. Ficou a 1.010 quilômetros do Palácio do Planalto, em Brasília, mas a distância do presidente Michel Temer não foi somente geográfica.

Lançado em 2 de agosto como o nome do MDB para a disputa ao Planalto, o ex-ministro da Fazenda é um dos sobreviventes do racha da coalizão que sustentou Temer após o impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016. Foi abandonado pelo MDB na campanha, mas também não defendeu o «legado» de Temer, campeão no quesito impopularidade, provocando revolta no Planalto.

«Não sou para-raio de ninguém», disse Meirelles ao Estado, ainda em agosto, quando o Centrão comemorava sua entrada na arena eleitoral. À época, o diagnóstico do bloco formado por DEM, PP, PR, PRB e Solidariedade – partidos que dividem cargos na Esplanada – era o de que o ex-chefe da equipe econômica atuaria como um escudo para proteger Temer das intempéries. Ao responder a todos os ataques, livraria o Centrão dessa tarefa. Não foi o que aconteceu.

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«O governo se transformou em um fio desencapado, que queima os aliados», resumiu o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força, presidente do Solidariedade. Diante desse cenário, mesmo antes de fechar acordo para apoiar o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, o Centrão também já se empenhava para ficar a léguas de Temer. Pesquisas encomendadas pelo DEM do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, indicavam que o caminho para crescer era ser oposição.

«Quem inventou o Meirelles na área econômica não foi o Temer. Foi o Lula», insistia o presidente do MDB, senador Romero Jucá (RR), ao lembrar que o ex-ministro havia comandado o Banco Central na gestão do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, hoje preso da Lava Jato.

A tentativa de impulsionar Meirelles como outsider na política também não vingou e hoje ele chega à eleição ao lado dos «nanicos». Para vestir o figurino de candidato, embalado pelo mote «Chama o Meirelles», o ex-titular da Fazenda fez aulas de dicção, saiu do PSD do ministro Gilberto Kassab – que se aliou a Alckmin – e gastou R$ 45 milhões do próprio bolso na campanha. Com a estratégia, liberou o MDB para repartir o Fundo Eleitoral com postulantes à Câmara, ao Senado e aos governos estaduais.

Aos 73 anos, 33 dos quais na iniciativa privada, Meirelles diz, porém, que não se arrepende de nada. «Vamos em frente. Eu gosto é de apresentar resultado», costuma repetir, sempre que confrontado com algum percalço. «O Brasil vai para cá, vai para lá, vai para cima ou para baixo? Ninguém sabe porque as propostas que estão aí são radicais. A solução vem da confiança e eu sou ficha limpa», emenda ele, citando o ex-presidente Juscelino Kubitschek como modelo.

Naufrágio

Nos bastidores, o Planalto bem que tentou, sem sucesso, construir uma candidatura única de centro para se contrapor a Jair Bolsonaro (PSL) e ao PT – naquela ocasião, não se sabia quem seria o concorrente petista. Alvo de investigações e cada vez mais isolado, o próprio Temer ensaiou alguns passos na direção da disputa por um segundo mandato, mas recuou.

A portas fechadas, Jucá também sondou o então prefeito João Doria, hoje candidato do PSDB ao governo de São Paulo. A proposta, com aval de Temer e do ex-presidente do PSDB, senador Aécio Neves, era para que Doria concorresse à Presidência, tendo Meirelles de vice. Por esse plano, Alckmin sairia ao Senado.

Doria, porém, não conseguiu levar a ideia adiante no PSDB. Atingido pela delação do empresário Joesley Batista à Lava Jato, Aécio não teve forças para a articulação política. Rodrigo Maia chegou a combinar a filiação de Meirelles ao DEM, mas desfez o acerto antes mesmo do naufrágio da reforma da Previdência. Maia lançou sua própria candidatura ao Planalto, retirando-se do páreo meses depois para, a contragosto, apoiar Alckmin.

No feriado de 1.º de maio, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez uma visita a Temer, em São Paulo. O anfitrião pregou a unidade dos antigos parceiros e previu um vexame nas urnas para o centro, se nada fosse feito. A pedido de FHC, Alckmin telefonou para Temer em seguida e acenou com a possibilidade de um encontro, que nunca ocorreu.

Em 18 de julho, um jantar em Brasília regado a vinho tinto, tendo costela assada como prato principal, selou a aliança do Centrão com Alckmin.

No momento de maior impasse sobre a escolha do candidato, o bloco quase implodiu. De olho no respaldo de evangélicos da Igreja Universal do Reino de Deus, Meirelles fez de tudo para tirar o PRB do Centrão. Ofereceu a vaga de vice ao empresário Flávio Rocha (PRB), mas o partido preferiu se unir a Alckmin. Nessa briga pela sobrevivência, a coalizão que levou Temer ao poder se desmanchou. E ninguém mais chamou Meirelles.

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