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As estratégias da Alemanha para evitar que espaços ligados a Hitler se tornem “santuários” neonazistas

Alguns prédios e áreas com valor simbólico para simpatizantes do líder nazista são ocupados por centros educativos, outros recebem tratamento mais discreto.

Nas proximidades da cidade de Berchtesgaden, a paisagem idílica dos Alpes bávaros esconde os restos de um dos locais mais sombrios do nazismo na Alemanha: o Berghof de Adolf Hitler em Obersalzberg.

Ao mesmo tempo em que alimentou a máquina de propaganda do Terceiro Reich com imagens de um füher acessível lendo jornal e tomando café, foi naquela residência que Hitler planejou as invasões da Polônia e da Hungria, além de ao menos parte do Holocausto.

Atualmente, pouco resta da estrutura original do retiro do ditador nas montanhas. O prédio sofreu com bombardeios durante a Segunda Guerra Mundial e suas ruínas foram destruídas pelo governo da Bavária em 1955. As autoridades alemãs também plantaram árvores de rápido crescimento que agora encobrem a localização exata do edifício.

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Ainda assim, o local é um dos muitos com valor simbólico para grupos neonazistas. No aniversário de Hitler, por exemplo, velas e buquês de flores costumam aparecer nos arredores do Berghof. Isso mostra como é complexo lidar com essas áreas no país.

Entre as diversas estratégias utilizadas ao redor da Alemanha, a abordagem das autoridades bávaras visa ocupar o espaço do Berghof para negá-lo a simpatizantes do nazismo.

Desde 1999, funciona a poucos metros da antiga residência de Hitler o Dokumentation Obersalzberg, um centro de documentação gerido pelo Instituto para História Contemporânea Munique-Berlim que educa visitantes sobre o passado do prédio por meio de exibições, eventos e palestras.

«Queremos conectar esse lugar idílico com os vastos crimes e genocídios decididos nele. Durante a década de 1930, o Berghof tornou-se uma segunda sede do Terceiro Reich, onde as principais decisões sobre a guerra e os crimes em massa do regime foram tomadas», explica Sven Keller, diretor acadêmico do centro.

Para fazer essa associação, contudo, é preciso desconstruir a imagem pacífica do local criada pelos nazistas por meio de filmes, fotografias e até miniaturas de brinquedo do Berghof (para as crianças saberem onde o «Chanceler do Povo» passava suas férias).

«Isso tudo era para construir uma imagem mais humana e amigável de Hitler e sua equipe», diz André Postert, historiador do Instituto Hannah Arendt, em Dresden.

Mesmo após mais de 70 anos da morte de Hitler, essas imagens ainda estão muito conectadas com o antigo edifício e seus arredores. «(As fotos) podem ser usadas para dizer que Hitler não era tão mau assim. Nelas, ele aparece com crianças, andando pelas montanhas, aproveitando o sol, lendo o seu jornal no terraço como uma pessoal comum. E não foi isso que aconteceu neste lugar», afirma Keller.

«O que queremos mostrar é que ali estavam sendo decididos o assassinato de milhares de pessoas e todo o terror do Terceiro Reich. Queremos evitar que essa ideologia volte a crescer. Por isso, tentamos negar a esses grupos locais de identificação», completa.

Como lidar com locais simbólicos do nazismo

A casa onde Hitler nasceu em Braunau, na Áustria, foi expropriada pelo governo após uma batalha judicial com o antigo dono. A propriedade atrai simpatizantes do ditador de todo o mundo, motivo pelo qual as autoridades assumiram o seu controle para evitar que se torne um «santuário» neonazista. Há discussões sobre uma possível demolição, mas historiadores são críticos desta opção.

Em Berlim, o bunker no qual Hitler se abrigou nas últimas semanas da Segunda Guerra (Führerbunker) – e onde cometeu suicídio conforme os aliados avançavam em direção à capital alemã – é vetado ao público. Os túneis foram implodidos pelos soviéticos, embora tenham sido parcialmente restaurados décadas depois.

O local onde o bunker era localizado, nas redondezas do turístico Portão de Brandemburgo, é mantido de forma bem discreta. A área é cercada por prédios residenciais e tem um estacionamento, além de uma pequena placa informativa. Há sempre tours, mas não existe um museu específico.

Escolher a melhor forma para lidar com locais como o Berghof, o Führerbunker e a casa onde Hitler nasceu é um tema complexo, que precisa ser discutido com o público e moradores locais. Esse processo, por sua vez, tende a ser complexo e longo.

«Há muitos exemplos de lugares onde memoriais foram criados somente após anos ou mesmo décadas de longas discussões», conta Postert.

Ainda assim, Postert alerta, memoriais não fazem milagre. «Acreditar que um memorial ou museu automaticamente ensinaria extremistas é bastante ilusório. Na melhor das hipóteses, eles podem evitar um santuário em potencial.»

«O que centros de documentação e museus podem fazer é questionar e desconstruir os mitos históricos que cercam esses locais. Não devemos tentar nos livrar de lugares que tenham valor para a memória. Devemos usá-los de maneira produtiva para colocar a propaganda no contexto mais amplo dos crimes e genocídio», completa Postert.

Neonazis ainda estão presentes

Quando o Dokumentation Obersalzberg foi aberto, a estimativa era que o centro recebesse 30 mil pessoas por ano, mas os visitantes já passam de 170 mil. Por isso, o centro vai ser ampliado e ganhará um novo espaço para exposição, entre outras modificações.

A expectativa é que ele consiga educar mais pessoas sobre o Berghof e que continue a manter os neonazistas que o visitam nas sombras. «Sabemos que as pessoas vão ao Berghof porque veneram Hitler. Isso tem sido o caso ao longo das décadas, mas isso é algo que não é feito abertamente. Estamos contentes por seremos bem-sucedidos em manter (essa presença) no mínimo possível», diz Keller.

O diretor acadêmico do centro destaca não ser mais tão simples identificar extremistas de direita, uma vez que não «são mais skinheads». Alguns até visitam o Dokumentation Obersalzberg. «Desde que se comportem e não cometam crimes passíveis de processo, como mostrar tatuagens com símbolos proibidos, como a suástica, normalmente não intervimos, porque estamos abertos a esse grupo. Talvez tenhamos sucesso em educá-los, ainda que a chance seja pequena.»

Se o centro não puder mudar a opinião de extremistas de direita, Keller espera que ao menos seja efetivo para quem for ao local «com curiosidade ou fascinação sombria por Hitler». «Talvez possamos educar essas pessoas e mostrar o resultado das decisões que foram tomadas neste lugar.»

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