Basta os primeiros acordes do violão pelo auditório do CHM (Centro Hospitalar Municipal) de Santo André para que o coral composto por 15 pacientes e acompanhantes tome forma. Cada um canta do seu jeito, já que nem todos conseguem falar. Alguns acompanham a letra do começo ao fim e outros colaboram com assobios, gestos ou batuque improvisado na cadeira.
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Essa cena acontece todas as últimas quartas-feiras do mês, das 10h às 11h. O coral é formado por pacientes que lutam contra câncer na região da cabeça e pescoço ou que sofreram lesão nessa parte do corpo em decorrência de acidentes.
O projeto, intitulado Sons da Esperança, existe há 13 anos no CHM e é encabeçado pela fonoaudióloga Sonize Albuquerque Gimezes. De acordo com a médica, a dinâmica tem como objetivo colaborar com a reabilitação social e psicológica do paciente por meio da música.
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“As doenças nessa região têm um componente mais pesado, que é a questão de ser muito visível. Então o grupo também funciona para que o paciente, além de tirar a máscara que esconde as sequelas da doença, também tire a mágoa que sente com a ajuda da música”, explicou Sonize. Boa parte dos integrantes do coral possui deformações no rosto por causa do câncer.
“Muitas dessas pessoas carregam frustrações e humilhações por causa da doença. Com a música, eles choram, desabafam e também se divertem”, disse a médica.
Sonize começa a auxiliá-los assim que eles dão entrada no hospital e iniciam o tratamento e a recuperação física. Eles são convidados a participar do projeto e, caso necessário, indicados para outros profissionais, como psicólogo, posteriormente.
O ajudante geral Márcio Fernandes Ribeiro, 54 anos, passou por 33 sessões de radioterapia e três de quimioterapia na luta contra um câncer na laringe. O órgão teve de ser retirado e agora o paciente se comunica com uma técnica de fala por meio do ar do esôfago e da articulação da mandíbula para facilitar a leitura labial. Fernandes dita o ritmo do coral com assovio e batuque para superar os tempos de cigarro e bebida, vícios que o levou ao câncer.
A esposa dele, Vera Lúcia Leal Fernandes, 54, diz que o projeto ajudou a família no momento mais difícil da sua vida. Ela também faz parte da cantoria e os dois frequentam o coral há um ano e seis meses. “No mesmo momento que ele ficou doente, eu fiquei desempregada. Poder acompanhá-lo e ainda ajudá-lo a cantar fez a gente se unir quando tudo estava mal. Hoje estamos bem, mas já sofremos muito”, disse.
Poder da música
“É preciso saber viver”. Essa foi a música que abriu o encontro de ontem no CHM. Logo após a canção, a fonoaudióloga Sonize iniciou a conversa com o grupo para tentar estimulá-los a debater quais são os motivos para seguir em frente após a doença.
A musicista voluntária Rita Maria Silva é a responsável pelo violão. Para ela, a música tem a característica de fazer com que as pessoas demonstrem as emoções sem barreiras.
“As canções tocadas condizem com a fase que eles estão passando. Tem o momento de chorar, mas também o de parar de lamentar e seguir em frente”, afirmou.
‘Eu me emocionei bastante’
A aposentada Alcina Augusta da Costa, 78 anos, foi a última a chegar no encontro de ontem. Ela estava de máscara para esconder parte do rosto que está deformado por causa da cirurgia realizada há um mês. Alcina é vítima de câncer na tireoide e participou do projeto pela primeira vez.
A paciente não segurou as lágrimas e chorou durante uma das canções. “Me emocionei porque lembrei do meu marido com a música. Gostei do encontro e acredito que vai me ajudar bastante”, explicou a aposentada. Apesar de cobrir parte da face, ela foi convencida pelo grupo a retirar a máscara e o lenço. “Estamos entre amigos e ninguém vai te tratar diferente”, afirmou a fonoaudióloga Sonize Gimenez.