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Por que dono da Amazon foi criticado ao doar US$ 2 bilhões para educação e moradia

Jeff Bezos anunciou a criação de um fundo para financiar uma rede de pré-escolas sem fins lucrativos em áreas carentes e para iniciativas em prol de famílias sem-teto; críticos afirmaram que, em vez disso, ele deveria pagar melhores salários a seus funcionários.

«Grandes fortunas são uma bênção a uma comunidade», diz a frase atribuída ao magnata industrial americano Andrew Carnegie.

Beneficiários de um novo fundo filantrópico anunciado pelo empresário e bilionário Jeff Bezos, da Amazon, provavelmente concordariam.

O atual homem mais rico do mundo anunciou, na última semana, via Twitter, que daria US$ 2 bilhões (o equivalente, na cotação atual, a cerca de R$ 8,5 bilhões) de sua fortuna para financiar uma rede de pré-escolas sem fins lucrativos em áreas carentes e para iniciativas em prol de famílias sem-teto.

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Mas, longe de ser universalmente aplaudido, Bezos – dono de uma fortuna estimada em mais de US$ 164 bilhões – foi alvo de duras críticas.

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O escritor James Bloodworth, autor de uma investigação sobre as condições de trabalho nos centros de distribuição da Amazon, opinou que há «algo levemente irônico» nos planos de Bezos.

«Há relatos críveis de funcionários de galpões da Amazon que moram em tendas porque não conseguem bancar um aluguel com seus salários», afirmou o escritor à BBC.

«Jeff Bezos pode se promover como um grande filantropo, mas isso não o absolve de responsabilidade se os funcionários da Amazon continuarem a ter medo de fazer intervalos para ir ao banheiro e de faltar quando doentes porque temem ser alvo de ação disciplinar no trabalho.»

As redes sociais também foram inundadas de acusações de suposta hipocrisia, e muitos citaram os esforços da Amazon em reduzir o montante de impostos pagos pela empresa nos EUA e no exterior.

Também houve menções à recente iniciativa bem-sucedida da Amazon em combater um projeto de lei em Seattle – cidade-sede da empresa – que previa aumentos nos impostos de grandes empregadores para levantar verba para combater a crise de moradia na cidade, onde houve um aumento no número de pessoas sem-teto.

De seu lado, Bezos não tentou distanciar seu esforço filantrópico do modelo de negócios de sua empresa.

«Vamos usar (no fundo filantrópico) o mesmo conjunto de princípios que movem a Amazon», escreveu no comunicado que anunciava a iniciativa.

«O mais importante deles será uma obsessão genuína e intensa pelo consumidor. A criança (carente) será esse consumidor.»

O legado Carnegie

Não é nova a ideia de que magnatas dos negócios devem aplicar os mesmos princípios de seus conglomerados em suas ações filantrópicas.

O primeiro a adotar esse modelo nos EUA foi justamente Andrew Carnegie, em 1899, em um ensaio chamado O Evangelho da Riqueza.

Carnegie, que foi o homem mais rico do mundo em sua época, delineou o que via como dever moral dos super-ricos: «considerar todos os lucros excedentes que venham a eles como meros fundos, os quais eles devem administrar».

Homens de negócios, argumentava Carnegie, eram os mais bem colocados para fazer tal administração.

«O homem de riqueza se torna o único agente e encarregado por seus pobres confrades», ele escreveu, «oferecendo-lhes sua sabedoria superior, experiência e habilidade administrativa – fazendo mais bem a eles do que eles poderiam fazer por si mesmos».

À época de sua morte, em 1919, estima-se que Carnegie tenha se desfeito de 90% de sua fortuna, usando-a para financiar pesquisas científicas, pagar professores, construir centros de ensino e estabelecer mais de 2 mil bibliotecas públicas.

Sua doutrina se tornou modelo para fundos de outros magnatas, incluindo John D Rockefeller, que não viam conflito entre seus modelos de negócios – nos quais construíram monopólios e esmagaram sindicatos – e seus trabalhos filantrópicos.

Esse modelo também pavimentou o caminho para benfeitores dos dias modernos, como Bill Gates, Warren Buffett e Mark Zuckerberg – cujas causas são, porém, administradas de modo diferente daquele com que gerenciam suas companhias.

Na mais recente reunião anual de seu fundo, o Berkshire Hathaway, Buffet deixou claro: «Não acredito em impor minhas opiniões políticas nas atividades de nossos negócios», disse ele a seus acionistas, quando questionado se evitaria investir em empresas fabricantes de armas.

‘Band-aid no câncer’

Mas, para Anand Giridharadas, a abordagem de Carnegie, que acabou fazendo escola, ajudou também a elevar a desigualdade de renda.

Giridharadas, cujo livro Winners Take All (O vencedor leva tudo, em tradução livre) critica o que ele chama de farsa da filantropia moderna, caracteriza a abordagem de Carnegie como «acúmulo extremo (de dinheiro) seguido por doação extrema».

Os super-ricos, ele opina, não conseguem «transformar o sistema em que eles estão no topo».

Embora a doação voluptuosa de Bezos seja admirável, argumenta Giridharadas, ela não enfrenta «as profundas e complexas causas por trás» da crise de moradia e sem-teto e a pobreza nos EUA – que incluiria a própria Amazon, como beneficiária de um mundo onde o emprego precário é predominante.

Um bom lema para Bezos e semelhantes, defende o autor, seria: «Não pergunte o que você pode fazer pelo seu país, pergunte o que você já fez pelo seu país».

Para Giridharadas, a abordagem comumente adotada pelos super-ricos em sua filantropia é menos corajosa do que nas companhias que eles ajudaram a criar.

«Se você quer enveredar pelo caminho das políticas públicas, você tem a responsabilidade moral de não colocar um band-aid no câncer», ele defende, acrescentando que Bezos poderia, em vez de doar dinheiro, influenciar mudanças políticas nas áreas em que quer atuar.

Ainda na opinião de Giridharadas, isso passaria por defender mudanças legais referentes às responsabilidades das empresas e, sobretudo, mudar estruturas corporativas – ou seja, possivelmente sacrificar parte dos lucros em prol de potenciais benefícios à sociedade.

Já Matt Kilcoyne, do centro de estudos Adam Smith Institute, que defende o livre-mercado, discorda.

«Sendo muito sincero, o maior ato de filantropia de Bezos é a própria Amazon», ele opina. «Preços baixos, mais escolha (de produtos) e concorrência resultaram em bilhões (em lucros) para Bezos e bilhões (em economia) para as centenas de milhões de consumidores que ele atende.»

Além disso, Kilcoyne acredita que os super-ricos não têm nenhuma obrigação em doar seu dinheiro conforme regras estabelecidas por terceiros.

«Jeff Bezos tem direito de gastar seu dinheiro como quiser», argumenta. «Comentaristas de poltrona podem dizer que sabem melhor do que Bezos como ele deve gastar seu dinheiro, mas seria melhor se eles tentassem convencê-lo a respeito de suas próprias causas filantrópicas, em vez de criticá-lo pelas escolhas que faz.»

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