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Por que os anos 1980 ficaram marcados como a década dos serial killers nos EUA

Os assassinatos em série começaram a crescer nos anos 1960 nos EUA e tiveram um pico duas décadas depois.

Durante três décadas na segunda metade do século 20, houve na América do Norte um crescimento no número de homicídios em série – crimes parecidos entre si e cometidos pelas mesmas pessoas, os chamados serial killers (assassinos em série). O aumento começou nos anos 1960 e disparou nos anos 1980, década em que atingiu um pico.

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Olhando em retrospectiva, o historiador canadense Peter Vronsky questiona se os danos causados pela Segunda Guerra Mundial podem ter sido um dos fatores desse aumento.

A fascinação de Vronsky com assassinos em série começou quando, aos 23 anos, ele esbarrou em um deles em um elevador.

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Era 1979, e Vronsky viajava a Nova York a trabalho.

Ele estava no lobby do Travel Inn Motor Hotel esperando o elevador, parado no quarto andar. Quando o elevador finalmente chegou, o historiador olhou feio para o homem que esbarrou nele ao sair.

«Ele olhou como se não me visse», diz Vronsky. «Ele parecia estar em um transe. Foi como se eu nem estivesse ali.»

Na manhã seguinte, Vronsky leu sobre um duplo homicídio que havia acontecido no hotel no dia anterior. Duas mulheres foram mortas, decapitadas e o assassino havia tentado queimar os corpos.

Um ano depois, lendo a cobertura do jornal sobre a prisão e o julgamento de Richard Cottingham, o historiador se deu conta de que o «Açougueiro da Times Square» e o homem que esbarrou com ele no elevador eram a mesma pessoa.

Isso o fez se questionar: «Como surgem esses monstros? O que são essas coisas?»

Décadas de mortes

O encontro de Vronsky com Cottingham aconteceu durante um período em que o número de serial killers na América do Norte estava aumentando.

Dados compilados por diversos pesquisadores sugerem que houve um aumento em crimes cometidos por assassinos em série a partir dos anos 1960, número que disparou nos anos 1980.

Nessa década, havia pelo menos 200 assassinos em série atuando só nos Estados Unidos – número que caiu nos anos subsequentes.

Foi um período em que criminosos como Ted Bundy, Jeffrey Dahmer e John Wayne Gacy aterrorizavam os EUA.

O criminologista James Alan Fox, da Universidade Northeastern, em Boston (EUA), diz que o aumento de serial killers na época provavelmente teve vários motivos.

O primeiro é que o período coincidiu com um aumento geral de crimes violentos nos Estado Unidos e no Canadá.

A sociedade passava por transformações massivas: as pessoas se mudavam com mais frequência e havia uma probabilidade menor de que conhecessem seus vizinhos. Pegar carona também era muito comum, o que tornava mais fácil para assassinos encontrar vítimas vulneráveis.

Estradas e registros de crime

«Foi criado um ambiente ideal para certo tipo de assassino conseguir vítimas», diz Fox.

Os registros e os métodos de investigação de crimes também eram um problema.

A polícia não tinha bases de dados computadorizadas que ajudassem a relacionar casos semelhantes. Não se usava DNA em análise forense – isso só começou em meados dos anos 1980 –, o que tornava difícil o rastreamento dos criminosos.

Recentemente, o uso de DNA levou à prisão de Joseph DeAngelo, de 72 anos, suspeito de ser o chamado Assassino Golden State, que cometeu uma série de homicídios e estupros nos anos 1970 e 1980.

O criminologista canadense Michael Arntfield diz que a polícia na época não tinha condições de lidar com o número crescente de assassinos em série. A pesquisa sobre esse tipo de homicídio – cometido por assassinos calculistas – estava bem no começo. O termo «serial killer» só foi criado no início dos anos 1980.

«Os criminosos com certeza tinham a vantagem», diz Arntfield.

Outros fatores que podem ter contribuído são o fascínio do público e da mídia com esse tipo de crime, o que criou um efeito bola de neve; e o desenvolvimento de um sistema de estradas interestaduais na América do Norte, que deu a alguns dos assassinos uma área maior para rodar e matar.

Alguns pesquisadores teorizam que a exposição a chumbo também pode ter contribuído para o aumento do crime em geral nessas décadas, já que há algumas pesquisas que indicam que a exposição ao metal quando criança pode gerar uma série de problemas de comportamento, incluindo a dificuldade de resistir a impulsos.

Vronsky tem uma outra hipótese para adicionar a essa lista: ele acredita que o crescimento no número de assassinos em série na América do Norte no fim do século 20 pode ser relacionado aos danos gerados pela Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e aos filhos de homens que voltavam dos campos de batalha na Europa e na Ásia.

É uma ideia que o historiador coloca em seu novo livro Sons of Cain: A History of Serial Killers (Filhos de Caim: Uma História de Assassinos em Série, sem publicação no Brasil).

Em busca dos motivos por trás do aumento dos crimes, Vronsky analisou os assassinos e suas infâncias.

«Eles surgem do meio de nós – são produtos da nossa sociedade», diz ele.

«Não são alienígenas que vêm de outro planeta. Já foram crianças que cresceram para virar esses criminosos em série.»

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Ele percebeu que muitos dos assassinos era crianças durante a Segunda Guerra Mundial e o pós-guerra – um período em que o impacto psicológico do conflito global não estava sendo discutido.

Foi uma guerra «bem mais horrível e devastadora do que fomos capazes de admitir», diz Vronsky.

Muitos dos assassinos daquele período nunca falaram oficialmente sobre seus pais, diz ele, mas os que o fizeram frequentemente contavam que eles voltaram da guerra traumatizados.

O historiador também afirma que também houve um aumento – não tão forte, mas perceptível – em mortes em série entre 1935 e 1950, algumas décadas depois da Primeira Guerra Mundial.

Vronsky também afirma que a cultura pop do pós-guerra foi um fato de influência, especialmente as chamadas pulp fiction, revistas baratas de histórias de entretenimento rápido que muitas vezes continham imagens altamente sexualizadas e violentas. O mesmo acontecia com a revistas de true crime, que mostravam histórias reais de crime.

«No centro disso estão o trauma, as famílias destruídas, e então um roteiro de uma fantasia violenta que depois vira realidade para esses homens», afirma o historiador.

O criminologista Arntfield diz que é uma teoria plausível e que nas décadas pós-guerra aconteceu uma «grande desestabilização da sociedade».

«O crescimento dos subúrbios e a mudança demográfica do país fez que com que período fosse de transição, mobilidade, com muitas famílias destruídas, que é de onde essas pessoas vêm», diz ele.

‘Mal bíblico’

Assim como Vronsky, Arntfield diz acreditar que tendências similares no início deste século – a crise financeira de 2008, guerras e terrorismo – podem provocar um fenômeno similar nas próximas décadas.

«Estamos vivendo com as feridas de um tempo igualmente tumultuado e polarizado – assim como que levou à ‘era dos serial killers'», diz Arntfield.

É claro que é impossível generalizar: a maioria dos veteranos voltando da guerra se tornaram ótimos pais, e filhos de homens traumatizados por batalhas viraram adultos emocionalmente saudáveis, assim como muitas crianças de famílias com problemas graves.

No entanto, no caso dos assassinos, o trauma relacionado à guerra pode ter desencadeado uma tendência latente, mas que, em uma situação diferente, talvez não tivesse se manifestado de forma tão violenta.

«Não temos certeza de como ou por que esse gatilho é disparado», diz Arntfield.

Um relatório da unidade comportamental do FBI afirma que «não há nenhuma causa ou fato único identificável que leve ao desenvolvimento de um assassino em série. Há um grande número de fatores que contribuem para o seu desenvolvimento. O fator mais significante é a decisão pessoal do assassino de escolher cometer os crimes.»

O FBI estima que menos de 1% dos homicídios em um ano normal nos EUA sejam cometidos por assassinos em série.

«O que leva essas pessoas a agir, a de fato cometer homicídios, é uma mistura de coisas, nunca uma só», diz Vronsky.

«É difícil isolar um fator. Não dá para desconsiderar nada, nem mesmo a velha ideia de ‘mal’ da Bíblia, o que quer que isso queira dizer.»

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