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Quando deixar de vacinar é ilegal no Brasil

É possível perder a guarda dos filhos por não vacinar? Escolas e creches podem se recusar a matricular crianças sem carteira de vacinação em dia? É verdade que pais e responsáveis podem ser multados?

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), «é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias». Isso quer dizer que não vacinar os menores de idade conforme as vacinas do Plano Nacional de Imunização (PNI) «é um ato ilegal em qualquer caso», explica a presidente da Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da OAB-RJ, Silvana Moreira. A vacinação de menor de idade é obrigatória no Brasil desde a década de 1970, quando foi formulado o PNI.

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Os pais ou responsáveis que descumprem o esquema obrigatório de vacinação podem ser processados por negligência, maus tratos e sofrer diversas penalidades previstas no ECA. Não vacinar pode virar um crime grave caso a criança adoeça por não estar adequadamente imunizada.

Na contramão do direito à saúde das crianças e adolescentes, a cobertura vacinal nesse grupo não alcança a meta desde 2015: de acordo com dados do Datasus, das 10 vacinas obrigatórias até o primeiro ano de vida, 9 estão com cobertura abaixo do recomendado pela Organização Mundial da Saúde.

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Quanto às demais vacinas que devem ser tomadas até os 29 anos, menos de 66% das crianças foram vacinadas na campanha de vacinação contra a gripe em 2018. Em 2017, a cobertura vacinal contra o sarampo, doença que havia sido erradicada no Brasil em 2016 e voltou a ocorrer este ano com surtos no Norte do país, a dose de reforço não passou dos 71%; a vacina contra a poliomielite, outra doença sob ameaça de ter voltado para o Brasil em 2018, a cobertura nacional foi de 77% no ano passado e pelo menos 312 cidades estão com a cobertura vacinal contra pólio abaixo de 50% este ano.

«É preciso ressaltar para a população que o Programa Nacional de Imunização é considerado um marco na defesa de direitos à saúde e ao desenvolvimento humano saudável, sendo um programa de saúde respeitado e elogiado por organismos internacionais», afirma o presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB-PR, Anderson Rodrigues Ferreira.

A BBC News Brasil ouviu autoridades sobre Direito da Criança e do Adolescente e responde às principais dúvidas sobre o assunto.

Quais vacinas são obrigatórias para crianças e adolescentes no Brasil?

O calendário de vacinação infantil brasileiro estabelecido pelo PNI é um dos mais extensos do mundo. As vacinas aqui já devem começar a ser aplicadas ao nascer, ainda na maternidade, quando o recém-nascido receberá as vacinas BCG e Hepatite B.

Entre os 2 e 12 meses, é responsabilidade dos pais levar o bebê às unidades básicas de saúde para receber a vacina penta, a pneumocócica 10 valente, a vacina oral rotavírus humano (VORH), a vacina inativada de poliomielite (VIP), a Vacina Oral Poliomielite (VOP), a vacina Meningocócica C, a vacina contra febre amarela e a tríplice viral (sarampo, rubéola, caxumba).

Aos 15 meses, são obrigatórias mais três vacinas: a tetraviral (Sarampo, rubéola, caxumba, varicela), a vacina contra hepatite A e DTP (tríplice bacteriana).

Aos 4 anos, os pais deverão levar os filhos para vacinar contra varicela, além de uma dose de reforço da vacina DTP e uma dose de reforço da VOP.

Entre os 10 e 19 anos, são obrigatórias as vacinas dupla adulto (com reforço a cada 10 anos); uma dose de reforço da Meningocócica C; e duas doses da vacina contra o HPV (para meninas, as doses devem ser aplicadas entre os 9 e 14 anos; para meninos, devem ser aplicadas entre os 11 e 14 anos).

Quando os pais podem ser responsabilizados pela não vacinação dos filhos?

«Os pais são os culpados quando colocam seus filhos em situação de vulnerabilidade e sujeitos à negligência. Não vacinar é expor os filhos à essas duas situações», afirma Ferreira. Assim, é considerado responsabilidade dos pais quando estes se recusam a vacinar os filhos – essa recusa pode ter diversos motivos, como crenças pessoais, crenças religiosas, motivos pessoais etc. – ou quando não cumprem o calendário de vacinação por simples esquecimento.

«Os pais que não vacinam, independente do motivo, devem entender que nenhum direito individual pode sobrepor ao direito coletivo. A vacinação é um direito coletivo porque também atinge a sociedade como um todo no sistema de imunização», explica Ferreira. «Desrespeito às vacinas previstas no PNI é, por si só, um ato grave contra a saúde pública», completa.

Qual a penalidade para os pais ou responsáveis que deixam de vacinar os filhos?

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, a penalidade para a não vacinação obrigatória dos filhos é a cobrança de multa de três a 20 salários mínimos. Se esses pais deixarem mais uma vez de vacinar os filhos, deverá ser aplicada outra multa no valor do dobro da primeira, o que pode chegar, em valores, a R$19 mil.

Descumprir o calendário de vacinação infantil pode resultar na perda da guarda dos filhos?

Segundo Moreira, sim. «Descumprir o calendário de vacinação infantil pode ser entendido como falta de cuidado e a negligência dos responsáveis sobre os menores. Isso pode acarretar na perda do poder familiar».

Ferreira completa afirmando que antes, contudo, as autoridades devem tentar conscientizar os pais e responsáveis sobre a importância da vacinação. «A perda da guarda nesse caso da vacinação é uma decisão mais extrema. Inicialmente, temos que trabalhar e incluir esta família, e não simplesmente retirar a criança do seio familiar», explica o presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB-PR. Assim, antes da perda da guarda, os pais ou responsáveis receberão uma advertência e serão encaminhados a cursos ou programas de orientação.

O que acontece com os pais ou responsáveis se a criança morrer por causa de uma das doenças cobertas pela vacinação obrigatória?

«A Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da OAB-RJ entende que esses pais ou responsáveis devem ser penalizados, nos termos do Código Penal, por homicídio culposo», explica Moreira. O homicídio culposo é um tipo de crime em que uma pessoa mata outra, mas sem a intenção de matar.

A não vacinação de crianças pode ser considerada legal em algum caso?

Sim. A vacinação do calendário do PNI não é obrigatória nos casos em que atestado médico confirme que a criança ou adolescente não pode receber determinada vacina por motivos de saúde, como ser alérgico a algum componente da vacina em questão.

Escolas e creches podem cobrar a carteira de vacinação das crianças?

«Essas instituições podem e devem cobrar a carteira, pois devem zelar pela saúde de seus estudantes», afirma Moreira.

Escolas e creches podem negar matrícula caso a carteira de vacinação não esteja em dia?

Segundo Ferreira, não, mas podem agir a favor dessa criança levando o caso às autoridades. «Nesse caso, esses lugares devem informar a situação dessa criança à Rede de Proteção Integral à Criança e ao Adolescente», explica. Denunciado, o caso seguirá no Conselho Tutelar e, a depender da situação em que a criança deixou de ser vacinada, os pais ou responsáveis poderão, como explicado acima, sofrer advertência, serem multados em dinheiro ou, em último caso, perderem a guarda da criança.

Além dos pais, o Estado também pode ser responsabilizado pela não vacinação de uma criança?

Moreira explica que sim. «A proteção à saúde da criança está prevista no artigo 227 da Constituição Federal, em que é dever da família, assim como da sociedade e do Estado, assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde e à demais direitos básicos», afirma.

Nesse caso, o Estado pode ser considerado culpado se não garantir o acesso da população às vacinas obrigatórias, não garantir o abastecimento das unidades básicas de saúde ou deixar de notificar as doenças que ocorrem no território e que poderiam ser prevenidas com as vacinas.

Por que os pais deixam de vacinar?

Além do esquecimento dos pais sobre a importância de imunizar os filhos ainda na infância contra doenças já esquecidas, como difteria, rubéola, sarampo, paralisia infantil, tuberculose e demais infecções graves comuns no século XX, há os movimentos antivacinação, formado por pessoas que questionam a eficácia e segurança das vacinas.

Mas, segundo pesquisa feita pelo Imperial College London, na Inglaterra, e National University de Cingapura, esses movimentos são pequenos no Brasil: dos entrevistados brasileiros, apenas 4 a 6% são contrários à vacinação, enquanto que 70% afirmaram confiar na segurança das vacinas.

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