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Luz, selfies, eleição: a formatura dos “aprendizes” que prometem renovar política no Brasil

Desde janeiro, 133 bolsistas ‘cidadãos comuns’ patrocinados pelo RenovaBR, iniciativa apoiada por Luciano Huck e outros empresários, foram preparados com aulas e cursos para enfrentar as urnas em outubro.

Cadeiras enfileiradas, lágrimas de emoção, discursos de superação… Todos os elementos de uma formatura estavam lá. Mas aquela não era uma cerimônia comum, e nem em um lugar trivial: era o encerramento, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, do curso da primeira turma do RenovaBR, uma espécie de «escola» para 133 novatos na política.

Desde o início do ano, os alunos do RenovaBR – chamados no programa de «lideranças» – participam de aulas presenciais e online sobre temas como marketing político, segurança pública e transparência. Para chegar ali, passaram por um processo seletivo que começou com mais de 4 mil candidatos. Uma vez escolhida a primeira turma, passaram a receber bolsas mensais de R$ 5 mil a R$ 12 mil (o valor varia de acordo com o custo de vida na cidade de residência).

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Autodenominado um «instituto de formação de novas lideranças políticas» e uma «iniciativa da sociedade, para a sociedade», o RenovaBR foi idealizado pelo empresário Eduardo Mufarej e tem como entusiastas o apresentador de TV Luciano Huck e o também empresário Abílio Diniz.

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A ideia é «preparar gente comprometida e realizadora para entrar na política», como diz o manifesto online do RenovaBR, que buscou selecionar «pessoas com diferentes ideias, mas que têm em comum a crença de que política é lugar de honestidade, diálogo e dedicação».

O financiamento vem de pessoas físicas e organizações filantrópicas – os nomes dos doadores devem ser divulgados até julho e o montante arrecadado, até o fim do ano.

A etapa final do RenovaBR teve lugar em um hotel de Brasília. Ali, os bolsistas dividiram quartos e participaram de palestras em clima de conferência – câmeras ligadas, cafezinho nos cantos e banners com a hashtag #OBrasilTemJeito. Em atividades externas, também foram de ônibus fretados conhecer o Congresso Nacional e ouvir palestras com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso e os senadores Ana Amélia e Cristovam Buarque.

Maioria estreia nas urnas

Após alguns meses de teoria, a aproximação das eleições, em outubro, indica que está chegando a hora de colocar o preparo no curso em prática. Mas, antes do registro oficial das candidaturas – previsto para julho e agosto -, as «lideranças» são, ainda, pré-candidatos.

Para 67% dos bolsistas, 2018 será ano da primeira eleição. Outros já participaram de pleitos, mas nunca assumiram cargos eletivos – uma regra para estar no RenovaBR.

Por ter 21 anos, o estudante de Direito Julio Lins por pouco não conseguiu se candidatar. Essa é a idade mínima, segundo a Constituição, para que uma pessoa possa ser eleita ao cargo de deputado estadual – ao qual Lins irá disputar filiado ao Partido da Mobilização Nacional (PMN), pelo Amazonas. Ele é o bolsista mais novo do RenovaBR.

O universitário relata, com orgulho, ter organizado a primeira manifestação, «pela defesa da educação», aos 15 anos, e ter dado os primeiros passos políticos no movimento estudantil. Também diz ter liderado, em seu Estado, protestos pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff – que foi retirada do cargo em 2016.

Apesar do seu passado – e, a depender das urnas, de seu futuro -, Lins diz que ambiciona ser diplomata e escritor, mas que vê a política como um passo importante.

«A política me tirou muito, mas não vou mentir que ela é a minha paixão», diz o jovem. «Não quero isso (a política como carreira) para a vida toda, na verdade enxergo tudo isso como uma contribuição que quero deixar».

Mas Lins diz não ter como objetivo, necessariamente, ganhar a eleição.

«Quando a gente coloca a vitória como objetivo, acho que ficamos mais sujeitos a alguns erros da velha política. Quero pautar as eleições com os meus princípios» diz o pré-candidato, que se define como «libertário» e foi porta-voz do movimento Vem pra Rua entre 2015 e 2016.

Também pré-candidata de primeira viagem, a arquiteta Juliana Sales, 27 anos, teve os contatos iniciais com a política trabalhando em setores de urbanismo no Executivo e Legislativo em Minas Gerais, onde agora quer ocupar uma cadeira como deputada estadual pelo Partido Humanista da Solidariedade (PHS). Apesar da filiação, ela diz ter acordado com o partido se portar como um quadro independente, uma vez que a legislação não permite as chamadas candidaturas avulsas (sem filiação partidária).

«Eu via que dava para fazer diferente, com menos recursos e mais eficiência… No Executivo, principalmente, eu via que a distribuição de cargos com perfis políticos, e não técnicos, inviabilizavam um projeto importante», lembra Sales, que ainda não sabe se quer concorrer a outras eleições no futuro.

A arquiteta investe desde 2016 em vídeos nas redes sociais com motes como «De onde veio essa tal Política? E esse ser chamado Político?» e «Você sabe o que é Reforma Política?». Ela, como talvez a totalidade das «lideranças» do RenovaBR, contará com uma plataforma de crowdfunding para seu financiamento e com as mídias sociais para divulgação – as atividades do programa em Brasília eram rotineiramente registradas pelos futuros candidatos em selfies e transmissões ao vivo nas redes.

Nas aulas e nas conversas de corredor, parece consenso entre os bolsistas contar com pouco ou nenhum acesso aos fundos eleitoral e partidário dentro de suas siglas – isso ficará a cargo de cada partido.

«O desafio de um cidadão comum entrar na política é muito grande. Os caras têm toda uma estrutura, e a gente está entrando com a nossa vontade e valores para concorrer com esses caras», diz Sales, que conta por enquanto com uma equipe de voluntários.

‘Zerar a pedra’

Como Lins e Sales, 44% dos participantes do RenovaBR pretendem se candidatar ao cargo de deputado estadual; 49% visam ser deputados federais. Alguns pensam mais alto: três querem ser senador e um, governador.

Após abril, prazo para filiação partidária, também ficou mais claro o quadro de divisões ideológicas da turma – que se dividiu em 22 siglas, mas concentrou-se em quatro partidos: Rede (19%); Novo (12%); PPS (12%); e PSB (10%). Partidos que ocuparam o Planalto nas gestões mais recentes tiveram menor adesão: PSDB (7%), MDB (1%) e PT (0).

Há participantes de todos os Estados. Segundo a organização do programa, 76% são homens e 24% mulheres; 67% são brancos e 33% pretos, pardos e indígenas. Em nível de escolaridade, um tem o ensino fundamental completo; 15% concluíram o ensino médio; 68% o ensino superior; e outros 14% fizeram pós-graduação.

Formado em administração, o empresário Vinícius Poit, de 32 anos, quer usar sua experiência profissional para pensar em seus próximos passos na política – ele pretende concorrer a deputado federal pelo partido Novo.

«Montei um ‘business’ (‘negócio’, em tradução livre) de ‘turn around’, de reestruturação de empresas, de pegar uma empresa quebrada e arrumar. Brinco que agora a empresa quebrada é o Brasil», diz o paulista.

Ele diz que cresceu em uma família imbuída da «cultura da meritocracia» e, por ter chegado a um ponto em que diz já ter construído um «legado» como empresário, vê na política não uma carreira – mas uma missão.

«Meu sonho na política é de longo prazo, no sentido de servir ao povo», diz, defendendo o Estado mínimo e citando Margaret Thatcher, ex-primeira-ministra britânica, como «musa».

Ele, como também é orientação do Novo, é contrário à existência dos fundos eleitoral e partidário.

«‘Zera a pedra’, como a gente fala no mercado de trabalho. Vai acabar um monte de partido e a gente vai renovar. Vão nascer outros partidos, de quem acredita.»

Eleição e ego

Na rota da preparação para a incursão pela política, as «novas lideranças» foram alertadas de armadilhas da empreitada.

Em sua palestra, o ex-vereador por São Paulo e especialista em sustentabilidade empresarial Ricardo Young fez uma recomendação «de coração»: «Estabeleçam uma porta de saída da política».

«Dois mandatos é o máximo na mesma função. Com pouquíssimas exceções, fazer política como carreira é se mediocrizar».

«O processo eleitoral é um processo de reafirmação do ego. Comecem a perceber se vocês não estão se olhando mais no espelho do que deveriam, ou se estão fazendo mais selfies do que antes».

A advogada Carla Karpstein, por sua vez, especialista em direito eleitoral, cuidou dos preparos mais práticos e respondeu a perguntas sobre como abrir contas eleitorais e CNPJs de campanha, emitir recibos eleitorais, ou definir se distribuir cartões de visita ou abrir um site na pré-campanha configuram irregularidade.

Além de professores convidados, o RenovaBR conta com uma equipe fixa de quatro «professores assistentes». Eles estruturam o currículo do curso, criam exercícios preparatórios e posteriores aos módulos e dão aulas. Também avaliarão os trabalhos de conclusão de curso (TCC) a serem entregues pelos bolsistas.

Entre os deveres que tiveram de ser feitos pelas «lideranças» esteve um teste de «resiliência ética», desenvolvido por uma startup especializada na prevenção de fraudes e assédio em organizações. O método inclui questões opinativas – envolvendo situações simuladas de suborno e informações confidenciais, por exemplo -, análise de «microexpressões» dos participantes e a avaliação de um especialista.

Segundo o administrador público Rodrigo Cobra, um dos professores assistentes, membros da equipe do RenovaBR foram aos Estados Unidos durante o preparo do programa, visitando cursos de formação de candidatos da Universidade George Washington e na Universidade de Virgínia.

Os professores assistentes também se dividem com mentores das «lideranças» – acompanhando por telefone a rotina e o desenvolvimento dos bolsistas no curso.

«Acabamos fazendo um pouco o papel de psicólogos deles. Para a maioria, é a primeira eleição: é um desafio que gera medo de enfrentar a hegemonia política. Mas, ao longo do tempo, vemos que a técnica dá força para vencer esse desafio», diz Cobra.

Ex-ministro na sala de aula

O espírito da busca por «renovação» também esteve presente na presença, entre os «formandos», de um ex-ministro que pediu demissão e se viu em uma encruzilhada após um dos episódios marcantes do início do governo Michel Temer.

É o diplomata Marcelo Calero, que era ministro da Cultura, em 2016, quando deixou o cargo após relatar pressão do então ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, e de Temer para a liberação de uma obra em Salvador – embargada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Agora, ele é pré-candidato a deputado federal pelo Partido Popular Socialista (PPS) e diz tirar, do RenovaBR, o aprendizado sobre como planejar uma campanha eleitoral exitosa.

«Fui confrontado com o que há de pior na política brasileira, que é a corrupção. Diante daquela situação, eu tinha dois caminhos: ou ia tocar a minha vida, ou seria um agente de mudanças. Eu decidi ser um agente de mudanças e me aproximei de movimentos cívicos», diz Calero, vinculado a outros movimentos que pregam a renovação política como a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS), o Agora e o Livres (com origem no Partido Social Liberal, o PSL).

«A impressão que a gente tem é que esses figurões não se intimidam. Os mesmos esquemas continuam acontecendo. Veja o que aconteceu comigo no caso Geddel. Lembro que, na medida em que ele e o Temer avançavam na pressão, eu via os jornais falando sobre o caso Odebrecht e me perguntava: ‘Não é possível, eles estão lendo o mesmo jornal que eu tô lendo?’. Brasília é uma ilha da fantasia, isso aqui é uma corte», diz o diplomata, justificando sua incursão na política com uma referência a Santo Inácio, que segundo Calero dizia que «pior do que o arrogante é que aquele que não coloca seus dons a serviço da comunidade».

«O episódio que o Calero protagonizou é tipicamente o episódio de que não tem espaço para gente totalmente decente e honesta no Brasil», disse o ministro do STF Luís Roberto Barroso, que também falou aos bolsistas do RenovaBR em Brasília.

Barroso também defendeu a reforma política, segundo ele uma «agenda inacabada no Brasil». O ministro criticou o presidencialismo – uma «usina de problemas» – e foi aplaudido quando defendeu o sistema distrital misto.

«Hoje, os eleitores em 15 dias já não lembram mais em quem votaram nas eleições proporcionais. Se eu fizesse essa pergunta aqui, diria que 90% não lembram. E sendo absolutamente sincero, «yo tampoco» («eu também não», em tradução livre do espanhol). A cidadania não consegue acompanhar sua representação política.»

Neutralidade ideológica?

Eduardo Mufarej, que é presidente do Conselho de Administração da empresa Somos Educação e sócio da Tarpon Investimentos e um dos idealizadores da iniciativa, admite que o RenovaBR se posiciona em questões pontuais, em pautas que tenham ligação direta com o tema da renovação política. Mas nega haver alguma filiação ideológica do programa.

«A gente não quer ancorar ninguém em nenhum partido, é uma decisão da pessoa. É um programa focado nos CPFs», diz ele.

Por outro lado, alguns dos primeiros candidatos «formados» pelo Renova BR sinalizam que a iniciativa não escapa da percepção de que poderia estar ligada a interesses de determinados grupos.

O servidor público e pré-candidato a deputado federal pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) Derson Maia conta ser frequentemente interpelado sobre a influência do empresariado no programa por estudantes. Maia vem de uma trajetória no movimento estudantil e defende pautas das periferias e do movimento negro – até por isso, diz planejar arrecadar fundos em eventos que se relacionam culturalmente com estas origens, como sambas e feijoadas.

«Tento explicar que é importante ouvir, ocupar esse espaço, sentar com pessoas que são tão diferentes de mim», diz o pré-candidato, também presidente do movimento Frente Favela Brasil. «A gente fica com o radar para não reproduzir velhas práticas da política. Na verdade, todo mundo tem o seu posicionamento e sabemos que ele não vai mudar, mas em algumas questões mínimas, conseguimos compor. Por exemplo, transparência: quem aqui vai ser contra a transparência? Isso não tem direita nem esquerda».

Próximos passos

O clima entre os bolsistas era amigável, incluindo brincadeiras – até mesmo implicâncias ideológicas.

«Lula livre!», brincou uma «liderança» no intervalo de uma das palestras.

«Lula livre daqui a 12 anos», retrucou outro bolsista, fazendo referência ao tempo de prisão ao qual o ex-presidente foi condenado.

Como nos rituais das escolas em que os alunos escrevem mensagens nos uniformes nos últimos dias de aula, também circulou em Brasília uma bandeira do Brasil em que os «aprendizes de político» escreveram mensagens como «Coragem», «Um futuro melhor» e «Muita luz».

No encerramento do curso da Praça dos Três Poderes, durante o pôr do sol, muitas «lideranças» deixavam uma lágrima ou outra escorrer enquanto a equipe do RenovaBR fazia agradecimentos e discursos.

De acordo com Mufarej, foi a conclusão de uma iniciativa que ainda dá os primeiros passos. Os próximos devem incluir uma nova turma do curso de formação em 2019 e um preparo para aqueles que forem eleitos neste ano.

«Congressista em primeiro mandato normalmente fica meio perdido, até tem caso de depressão. Chegam com uma vontade de mudar o mundo e têm um choque de realidade», diz o empresário.

O RenovaBR também planeja dar assistência a quem não for eleito em 2018.

«Tem que ter uma gestão de expectativa, porque é muito difícil. Vamos imaginar uma pessoa que vai e volta falando ‘nunca mais quero isso’. O Brasil perdeu», diz.

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