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Trama assassina descrita pelo Twitter comove a Espanha – até ser desmascarada como “fake news”

Usuário da rede social desvenda homicídio em uma série de tuítes acompanhada por milhares de pessoas. Só que nada da conspiração era verdadeiro.

«Polícia! Eu acabei de resolver um crime pelo Twitter e você tem que lidar com isso imediatamente», escreveu em espanhol o usuário do Twitter «Mr Brightside» no dia 2 de junho. «Há alguns dias faleceu @Jor_g_t e o caso foi tratado como suicídio, mas foi um homicídio e eu posso provar. O assassino está na foto.»

A partir dessa mensagem, Mr Brightside começou a detalhar o que parecia ser um caso de homicídio, ao longo de mais de cem tuítes.

Com poucos seguidores, Mr Brightside não esperava uma grande reação. E diz que foi surpreendido pelo que aconteceu em seguida: mais de 2 milhões de pessoas interagiram com suas postagens até agora.

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A história tem como fio condutor o caso de Jorge A, homenageado pelos amigos com a postagem da foto acima, tirada pouco antes de ele cometer suicídio, em Barcelona. Ele aparece ao centro na foto.

Sem conhecer Jorge, Mr Brightside conta que ficou obcecado pelo suicídio de alguém que não parecia ter motivos para tirar a própria vida.

E, investigando em redes sociais, notícias e mensagens de WhatsApp, Mr Brightside diz ter concluído que Jorge foi vítima de uma conspiração de fundo amoroso que resultou em seu assassinato – e que isso poderia ser comprovado com base, sobretudo, na foto acima.

https://twitter.com/plot_tuit/status/1002904687891410944

A trama no Twitter acabou sendo acompanhada avidamente por internautas do mundo hispânico, de Madri a Bogotá.

Até a polícia espanhola se viu envolvida no caso e tuitou em resposta a Mr Brightside, no último dia 3: «As suas pesquisas confirmam o relato de nossos investigadores… (Os responsáveis) passarão um tempo em cana. Não se esqueçam, se vocês são vítimas de #sextorsão, a polícia vai ajudá-los. Não cedam à chantagem.»

A história era bastante extraordinária. Só que… não era verdadeira.

Fora de controle

A trama foi criada para uma competição organizada pelo Twitter Espanha, na qual usuários tinham de contar uma história em uma sequência de tuítes.

Mas os tuítes de Mr Brightside foram tão cativantes que saíram do controle de seu autor, ao ponto de se tornarem uma lição a respeito do poder das falsas notícias na era da manipulação na internet.

Muitos leitores se deram conta de que se tratava de uma trama falsa, seja por identificarem pistas de que a história era surreal demais ou por terem prestado atenção à hashtag que acompanhava as postagens: #FeriadelHilo (ou «feira de sequências de tuítes», o nome da competição do Twitter, em tradução livre).

Na verdade, nem mesmo a polícia se deixou enganar. Sua resposta também usou a hashtag #FeriadelHilo – e, sendo realista, os investigadores não teriam como «colocar um assassino em cana» com base apenas no Twitter.

Dois dias depois de a história ter viralizado, o designer gráfico madrilenho Modesto García veio a público dizer que era ele o autor da sequência de tuítes – e que havia inventado a trama inteira.

«Não pedi a eles que colaborassem com a história», diz García sobre o envolvimento da polícia. «Eles o fizeram porque quiseram e, graças a isso, a história ganhou muita credibilidade».

Ao longo dos dias, García ganhou admiradores. «Isso deveria virar série da Netflix», «seus tuítes são como (um livro da) Agatha Christie», disseram alguns.

Mas houve também quem se decepcionasse. «Eu acreditei em tudo», lamentou um usuário, que postou uma série de emojis chorosos.

Como o ‘crime’ foi solucionado?

García inventou toda a história de Jorge, um homem de 30 anos de Bilbao que se mudara recentemente para Barcelona.

A história inventada por ele se baseia na foto supostamente postada por Luis (de cinza na foto), em homenagem ao amigo Jorge por conta de seu suicídio.

A foto teria sido tirada diante de um espelho em uma casa noturna de Barcelona, horas antes da morte.

«Fuçando» nas redes sociais, Mr Brightside descobriu que o amigo de vermelho na foto se chama Felipe e identifica algo estranho na imagem: a tatuagem de Jorge (com a palavra «freedom», liberdade em inglês) não está ao contrário, o que parece impossível uma vez que os três amigos estão diante de um espelho.

Ele conclui, então, que a foto é uma montagem e que Jorge foi «photoshopado» nela.

Outras pistas curiosas: o relógio de Felipe diz que a hora era 5h55, mas os relatos da imprensa apontam que o corpo de Jorge foi encontrado às 5h30.

Mr Brightside prossegue, em dezenas de tuítes, a descrever sua investigação sobre as demais pessoas na foto – todas personagens com contas inventadas nas redes sociais.

Mr Brightside compartilha também conversas privadas de WhatsApp que tem com as pessoas da foto, que o levam a um suspeito: um britânico chamado Will que mora em Barcelona.

Estaria ele sexualmente envolvido com as pessoas da foto?

A conclusão de Mr Brightside é de que Luis, Felipe e Will eram parte de um triângulo amoroso. E Jorge acabou envolvido com eles, o que teria levado à sua «morte» na casa de Will. Havia, então, a necessidade de fingir que o grupo de amigos estivesse em algum outro lugar – a casa noturna de Barcelona.

Um dos pontos altos dos tuítes ocorre quando Mr Brightside confronta Will pela internet, acusa-o de homicídio e diz que sabe da manipulação da foto.

«Você está falando com a pessoa errada, não sei do que se trata», responde Will, que, acuado, acaba por responder: «O que você quer?», algo interpretado por Mr Brightside como uma confissão.

A troca de mensagens é exposta em «print screens».

https://twitter.com/plot_tuit/status/1002918284335964162

Caso desmascarado

Quando a história saiu do controle, Modesto García decidiu contar como a fabricou.

Nenhuma das pessoas da imagem é real. Ele criou seus rostos com uma mescla das faces de seus amigos e dele próprio. E muitos dos detalhes da trama, como a tatuagem e o relógio, foram acrescentados com Photoshop.

Ele então criou perfis de redes sociais e postou nelas, para dar um ar de veracidade – a mesma técnica usada por trolls que usam contas falsas nas redes sociais com propósitos políticos.

Só que ele cometeu um erro: criou todas as contas no mesmo dia. O deslize foi identificado por alguns internautas, que então usaram a informação para «desmascarar» a história.

García conta à BBC que ficou absolutamente chocado com a repercussão de seus posts.

«As pessoas me escreveram do Brasil, do Equador, do México, da República Dominicana, do Peru», conta.

Muitas dessas pessoas, diz ele, acharam que a trama era real, enviaram condolências pela morte de Jorge e xingaram o suposto assassino.

Modesto diz que não tinha a intenção de fazer um experimento de «fake news». Mas sua história veio à tona pouco depois de outro falso assassinato ter movimentado a internet europeia – a de um jornalista russo cuja «morte» foi forjada por autoridades ucranianas em uma disputa com a Rússia.

«Achei que no máximo umas 200 pessoas iam gostar», diz García sobre suas postagens. «A moral da história é: não acredite em tudo o que você lê na internet.»

Nesta sexta-feira, o Twitter Espanha vai anunciar o vencedor da competição. O vencedor ganhará 500 euros em dinheiro (R$ 2.200) e um smartphone.

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