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Ladrões de carga prejudicam e-commerce no Brasil

Em uma sala similar a um bunker no subúrbio de São Paulo, o coronel aposentado da polícia Antônio Marin e uma dúzia de funcionários rastreiam a localização de centenas de caminhões em monitores.

Durante seus 34 anos na Polícia Militar do Estado de São Paulo, Marin levou um tiro na coxa e passou dois anos protegendo o governador. Mas seu emprego mais recente em uma empresa privada de transportes pode ser seu maior desafio até agora: proteger roupas, cosméticos e outras mercadorias em meio uma onda de crimes que está reestruturando a indústria de e-commerce em desenvolvimento no Brasil.

No ano passado, 22 mil roubos de cargas foram relatados somente em dois Estados – São Paulo e Rio de Janeiro. Isto representa cerca de 60 roubos por dia, um número recorde que quase dobrou desde 2012. Autoridades culpam grupos de criminosos organizados por ataques a cargas. As perdas são estimadas em centenas de milhões de dólares por ano.

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“Você está sempre correndo risco”, disse Marin, chefe de segurança da Braspress, uma das maiores companhias de logística e transporte do país. “Começa no momento em que você coloca a carga no caminhão e viaja pelo Brasil.”

Todos os tipos de negócios são alvos, mas autoridades dizem que bandidos preferem bens de consumo que são fáceis de vender. Isto se mostra um desafio particular para o comércio eletrônico brasileiro, em rápido crescimento. Custos de segurança estão apertando margens de lucro e forçando varejistas e companhias de logística a ajustarem suas estratégias para obter sucesso na maior economia da América Latina.

A varejista de produtos eletrônicos Via Varejo, por exemplo, desenvolveu um sistema de monitoramento por satélite para manter controle de seus caminhões. A companhia também envia seguranças armados para acompanhar muitos envios, disse o chefe de logística, Marcelo Lopes, à Reuters.

“Nós não poupamos em segurança”, disse. “Nós investimos pesado para proteger bens e proteger pessoas.”

Uma importante player no e-commerce, a companhia também apostou pesado na operação “clique-e-retire”, que permite que clientes retirem seus pedidos feitos online em lojas físicas da Via Varejo. O programa é popular entre consumidores da classe trabalhadora que gostam da segurança, e isto significa menos caminhões de entrega passando por bairros perigosos, disse Lopes.

A varejista brasileira Magazine Luiza implementou um modelo parecido para impulsionar suas vendas on-line. Ainda assim, a empresa está evitando expansão no Estado do Rio, em parte por temores de roubo de cargas, disse a presidente Luiza Trajano no ano passado.

Infraestrutura ruim, impostos pesados e burocracias complicadas há tempos tornam o envio de carga no país caro. O aumento de roubo de cargas só acrescentou ao fardo.

A situação problemática será um teste para a Amazon.com. A maior varejista online do mundo está se preparando para uma grande expansão no Brasil, após seis anos de vendas principalmente de e-books e filmes digitais no país.

A Amazon se negou a discutir sua estratégia. Mas veteranos do varejo disseram que é melhor a companhia de Seattle se preparar.

O Brasil “é uma realidade muito diferente das empresas que prosperam lá fora”, disse o presidente-executivo da Magazine Luiza, Frederico Trajano, em evento público em abril.

Com menos homens e com menos força

Por volta das 2h da manhã de um dia de semana em março, uma ligação foi feita para o centro de segurança da Braspress. Bandidos haviam cercado um caminhão que levava roupas em uma movimentada via na zona norte do Rio de Janeiro. Um segurança da Braspress no local pediu socorro por rádio.

“Trava a frota”, gritou o guarda em uma ligação que a Braspress gravou e compartilhou com a Reuters. “Foi abordado por dois carros aqui. Uns caras altamente armados.”

A equipe de Marin cortou a ignição do caminhão remotamente e os bandidos fugiram. O motorista e dois seguranças não ficaram feridos.

Mas a batalha nunca termina, disse Marin, um corpulento homem de 55 anos que começou sua carreira patrulhando regiões tensas em São Paulo. Durante uma entrevista à Reuters no centro de comando da Braspress recentemente, ele recebeu informação de que outro caminhão da companhia estava sob ataque no Rio.

Roubos de cargas no Brasil estão caminhando para um novo recorde em 2018, segundo dados da polícia. Rodovias no sudeste do Brasil agora estão entre as oito mais perigosas no mundo para estes crimes, pior do que o Iraque, de acordo com um relatório divulgado neste mês pelo Comitê Conjunto de Cargas, uma organização de seguradoras.

Uma dúzia de executivos de logística e varejo consultados pela Reuters culparam o crime organizado pelo aumento. O problema está particularmente grave no Rio, onde uma intervenção militar para conter a criminalidade tem feito pouco para impedir os criminosos.

Grupos como o Comando Vermelho, do Rio, têm cultivado policiais corruptos, assim como informantes dentro de empresas privadas, para alertá-los sobre cargas. Isto acrescentou um nível de sofisticação aos roubos de cargas, que no passado eram feitos por criminosos de rua comuns, dizem especialistas de logística.

“Roubo de cargas é tão lucrativo quanto tráfico de drogas”, disse Marco Aurelio Prometti, chefe de logística do Prezunic, rede de mercados sediada no Rio, que pertence à chilena Cencosud. Ele disse que os ataques a caminhões da empresa aumentaram quatro vezes entre 2015 e 2016.

É difícil ter uma medida exata de perdas decorrentes de roubos. A NTC & Logística, um grupo nacional comercial de cargas, estimou 1,36 bilhão de reais em 2016, o mais recente dado disponível, mas o custo verdadeiro é provavelmente muito maior.

Membros da associação de transportadoras de carga do Estado de São Paulo relataram ter gasto em média de 10 a 14 por cento das receitas em segurança, ante de 4 a 6 por cento há poucos anos, disse Tayguara Helou, presidente do grupo. No Estado do Rio, isto é de 15 a 20 por cento. O Prezunic Supermercados, por exemplo, agora possui seguranças armados escoltando muitos envios, disse o chefe de logística Prometti, acrescentando custos em um negócio de margem baixa.

Prêmios de seguros também estão crescendo. Para envios no Rio, seguradoras estão cobrando uma “taxa de emergência” de até 1 por cento do valor da carga transportada, disse Eduardo Ferreira Rebuzzi, presidente da associação dos transportadores do Estado.

Para conter perdas, as varejistas Magazine Luiza e Via Varejo terceirizaram algumas entregas em grandes cidades para distribuidoras locais que conhecem as melhores maneiras de navegar em bairros perigosos, disseram executivos de ambas companhias.

A empresa de logística Tegma Gestão Logística SA vendeu seu negócio de entrega de e-commerce para a varejista online B2W em 2014, em parte por conta dos problemas de segurança da unidade, disse o presidente-executivo da Tegma, Gennaro Oddone, à Reuters.

Para ver um gráfico sobre o aumento de roubo de cargas no Brasil, clique aqui

Abandonando as rodovias

No bunker da Braspress onde Marin opera, pontos vermelhos em um monitor mostram os poucos lugares onde motoristas têm permissão para descansar em uma viagem de 595 quilômetros entre São Paulo e Belo Horizonte. “Mapas de calor” mostrando as probabilidades de uma tentativa de assalto ditam as rotas dos motoristas. Manchas vermelhas representam zonas de perigo; a tela está repleta delas.

Funcionários também analisam redes sociais atrás de notícias de problemas, alertando motoristas se violência for relatada perto de uma rodovia. Cansadas de ver seus caminhões roubados, algumas companhias estão indo para o ar.

A companhia aérea brasileira Azul SA viu seu negócio de carga aumentar muito nos anos recentes, especialmente para bens de consumo caros, mas leves, como celulares, disse Leandro Pires, chefe de vendas de carga da Azul. Ele disse que a demanda está aumentando até mesmo para rotas curtas, como a viagem de 354 quilômetros do Rio a São Paulo.

Ainda assim, até mesmo viagens aéreas não são a prova de falhas. No começo de março, bandidos disfarçados de funcionários da segurança entraram no Aeroporto de Viracopos, em Campinas, e fugiram com US$ 5 milhões em dinheiro, que seriam levados pela companhia aérea alemã Lufthansa, em um crime que faz lembrar o famoso golpe da Lufthansa em 1978 no aeroporto internacional John F. Kennedy, em Nova York. O crime em São Paulo ainda não foi resolvido.

“Os criminosos estão evoluindo conforme o tempo passa”, disse Marin, da Braspress. “Nós estamos aprendendo e nos adaptando ao longo do caminho”.

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