Há uma sequência de números e alguns nomes atrás da foto que Dana Baranes, 32 anos, leva em seu passaporte. Ela acaba de descobrir as informações com o auxílio de um amigo que encosta a imagem, colada na página principal do documento, contra a luz de uma lâmpada. A descoberta pode parecer pequena, mas é a primeira pista real que a jovem de Israel tem sobre onde podem estar seus pais biológicos após um mês de peregrinação pelo Brasil.
Durante sua estadia, entre abril e maio, descobriu que todos os documentos que tinha são falsos. Certidão de nascimento e passaporte com os quais chegou a Israel na década de 1980 com poucos meses de vida foram falsificados por uma rede de adoções ilegais. A brasileira Arlete Hilu é apontada como líder do esquema. Estima-se que 3 mil bebês tenham sido vendidos para famílias de Israel no período. O número é incerto, baseado em depoimentos dos traficantes. Arlete foi presa duas vezes entre 1980 e 1990, mas passou pouco mais de dois anos na cadeia.
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Agora alcançando a faixa dos 30 anos de idade, muitas dessas crianças que se tornaram cidadãs de Israel voltam ao Brasil para tentar descobrir quem eram seus pais biológicos e qual sua história real.
“Aqui no Brasil ninguém conseguiu entender meus documentos. Tudo o que eu levei aos cartórios era falso. Foi como se eu não existisse”, conta Dana. Ela explica que desde criança sabia que era adotada, mas que mesmo sua família não fazia ideia da ilegalidade no processo de adoção. “Meus pais não podiam ter filhos e havia um advogado que intermediava a adoção de bebês brasileiros em Israel.” Israelenses eram maioria dos interessados em bebês brasileiros na década de 1980 por conta da dificuldade em adotar naquele país. O processo na época levava até quatro anos.
De acordo com Dana, seus pais pagaram US$ 25 mil (cerca de R$ 92,5 mil) por ela aos intermediadores.
Dana afirma que percebeu que poderia ter sido vítima da quadrilha que traficava bebês há um ano e meio, após ver um programa de TV em seu país com um depoimento de uma garota sobre o tema. A mulher havia sido levada do Brasil para Israel por Arlete Hilu, a mesma mulher que levou Dana. Mas o interesse por sua origem surgiu mesmo após o nascimento de seus três filhos de 9, 6 e 2 anos. “Acho que toda mãe quer saber se seu filho está bem.”
No Brasil, Dana visitou Florianópolis (SC) que aparece como sua cidade de nascimento, Rio de Janeiro (RJ), onde sua certidão foi registrada, e São Paulo (SP). Sua primeira visita ao país que nasceu terminou na semana passada, com poucas pistas sobre a história de sua família. Mas Dana conta que ainda tem esperanças e sabe que este é apenas o começo de sua busca. “Talvez alguém reconheça minha foto e venha me ver. Acredito nisso.” Sobre os dados na foto do passaporte, ela ainda tenta decifrar o que significam.
Dana divulga a história nas redes sociais e imprimiu folhetos que foram distribuídos em ruas brasileiras com fotos suas quando criança e a pergunta: você reconhece o bebê na foto? O e-mail de Dana para informações é: danamalki6@gmail.com.
Veja o vídeo de Dana:
Dana Baranes
O que gostaria de dizer para sua mãe biológica?
Vou perguntar se há problemas médicos na família. Quero saber o que aconteceu, quando e onde eu nasci, quem é meu pai, se tenho irmãos. E eu quero que ela saiba que não estou brava com ela, mesmo que ela tenha me vendido.
Qual o seu sentimento sobre Arlete Hilu, a mulher apontada como a responsável pelo tráfico de bebês?
Ela cometeu muitos erros com as pessoas. Mas ao mesmo tempo eu sei o que meu pai sente a respeito disso. Ele sempre me diz: “se você encontrar ela (Arlete), diga obrigada porque ela deu o presente da minha vida”. Mas acho que as coisas que ela fez foram erradas. Ela nos deve a verdade.
Tem esperança de encontrar sua mãe?
Eu não tenho informações. A única coisa que acredito é no poder das pessoas se conversarem. Talvez alguém me reconheça e venha me ver.
Arlete Hilu, a chefe do esquema
A reportagem não conseguiu localizar Arlete Hilu, apontada como a líder do esquema de tráfico de bebês. Em rara entrevista dada por ela em março de 2016 ao programa “Repórter Investigação”, da TV Record, a mulher assume que vendia bebês para famílias de Israel. Na época, ela vivia no litoral de Santa Catarina. “Fui traficante de crianças e elas estão maravilhosamente bem. Você acha que isso é horroroso?”.
Na entrevista, ela diz ainda que o esquema para retirar os bebês do país envolvia também juízes e agentes da Polícia Federal. O processo que investiga o caso se arrasta há 20 anos em segredo de Justiça.