Foco

Quem é Rafael Lusvarghi, o ex-Black Bloc brasileiro preso pelo governo da Ucrânia

Brasileiro estava escondido em mosteiro na periferia de Kiev e foi detido por um grupo ultranacionalista; agora, está preso pelo governo ucraniano

Capturado nessa sexta-feira em um convento em Kiev, o brasileiro Rafael Marques Lusvarghi é considerado um rebelde pelas forças ultra-nacionalistas da Ucrânia. Autointitulado ex-guerrilheiro das FARC, ele já foi também policial militar, ativista e membro da legião estrangeira, tendo inclusive sido preso em diversas ocasiões no Brasil e no exterior. Em 2014 e 2015 ele lutou no leste da Ucrânia, apoiando as forças separatistas apoiadas pela Rússia.

O Itamaraty informou que ele passa bem, apesar de ter recebido bofetões durante a captura, e recebe auxílio consular.

  1. Por que os casos de malária cresceram 50% no Brasil após 6 anos de queda
  2. Trump e a atriz pornô: a questão-chave do escândalo que precisa ser respondida

No momento da captura, Lusvarghi estava abrigado em um monastério nos arredores da capital Kiev, porque não podia deixar o país. Ele fora primeiramente condenado a 13 anos por terrorismo e tinha pendências judiciais. A captura foi transmitida ao vivo via Facebook pelos nacionalistas das organizações de direita autointituladas Batalhão Aznov e C14.

Recomendados

Após invadir o monastério e reter Lusvarghi, eles o levaram ao centro da cidade e o arrastaram pelas ruas até entregá-lo às forças de segurança ucranianas. O serviço de segurança do país elogiou a «postura ativa» e prometeu lidar com o caso «dentro do domínio da lei».

Conforme apurou o serviço ucraniano da BBC, Lusvarghi deverá ter audiência com um juiz na próxima segunda-feira (7), às 15h horas do horário local (à meia-noite de domingo no horário de Brasília), ao invés de 6 de junho, data inicialmente anunciada pelas autoridades.

No vídeo da captura é possível ver os nacionalistas exaltados, gritando com Lusvaghi, dando-lhe tapas no rosto e exigindo que ele se arrependesse por ter se envolvido no conflito. «Diga-me quais são os seus pecados e o que você não vai mais fazer» pergunta um representante das forças nacionalistas. «Lutar é errado», responde Lusvarghi. «O que você veio fazer aqui?» indaga o nacionalista. «Eu vim aqui para ajudar, mas de fato não ajudei. Deixei as coisas pior», parece reconhecer o brasileiro.

O ucraniano então exige que o brasileiro se retrate e peça desculpas, ao que Lusvarghi responde: «Me perdoem pelo meu mau comportamento contra o povo de vocês».

Apesar da violência demonstrada nas imagens, à BBC Brasil o Itamaraty informou que o ex-guerrilheiro passa bem. Ele «está em segurança», depois de ter sido muito hostilizado pelas forças de direita durante sua captura. As autoridades estão acompanhando os últimos desdobramentos da situação do brasileiro e «prestando toda a assistência cabível ao nacional», informaram diplomatas próximos do caso.

Membros do batalhão Aznov e do grupo ultra-nacionalista de direita C14 são considerados «brutos» na forma como exercem poder. «Muitos os tomam por agressivos e extremos», explica a chefe do escritório da BBC em Kiev, Nina Kuryata. Apesar de radicais, eles estão alinhados com o atual presidente Petro Poroshenko e com os países Europeus ocidentais e os Estados Unidos. No campo político oposto estão os separatistas a quem Rafael apoiou e que se alinham com o ex-presidente Viktor Yanukovych e a defendem influência russa no leste do país e na peninsula da Crimeia.

Figura controversa

Rafael Marques Lusvarghi é uma figura polêmica, que já se envolveu em situações de confronto e foi detido anteriormente no Brasil e Ucrânia. Na Copa de 2014 ele participou de protestos contra o evento esportivo, entrou em confronto com a polícia mais de uma e ficou preso por mais de 40 dias. Em uma manifestação na avenida Paulista a figura dele se destacava entre os manifestantes por vestir uma saia escocesa e camiseta branca. Naquela época, ele se declarava simpatizante do MDB e aparecia ao lado do hoje pré-candidato ao governo de SP, Paulo Skaf (MDB) em sua página do Facebook.

Um ex-policial militar que serviu em São Paulo, ele se autointitula ex-guerrilheiro das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as FARC, e da Legião Estrangeira (força armada francesa). Antes da mudança à Ucrânia afirmava ter interesse na causa separatista porque queria se sentir «útil». No Brasil ele atuava como professor de inglês e prometeu se engajar no conflito para combater o «fascismo».

Foi por volta de setembro de 2014 que Lusvarghi chegou ao leste da Ucrânia para atuar junto às forças separatistas russas, que lutam nas regiões de Donetsk e Luhansk, leste do país. Logo ele se tornou garoto propaganda do movimento, aparecendo em vídeos montando e disparando armamentos pesados. Além de falar português e inglês, Lusvarghi é fluente em russo, o que auxiliou na assimilação cultural e lhe rendeu fama entre os militantes.

«Usaram ele como garoto propaganda para dar uma imagem de legitimidade ao movimento», explica Roman Lebed, correspondente da BBC baseado em Kiev. «É semelhante ao que fazem os ativistas do Estado Islâmico, que colocam os estrangeiros para defender o prestígio da causa». Junto ao brasileiro, guerreiros belgas, holandeses e escandinavos também se envolveram no conflito.

Entrevistas de Lusvarghi ainda podem sem encontradas em sites europeus que divulgam o movimento separatista. Em um texto divulgado em janeiro de 2015 no blog sueco «Operação Novorossiya», ele declara ter um «grande amor» pela mãe Rússia e diz que, se não fosse pela «ajuda humanitária» russa, a população do leste da Ucrânia estaria «morrendo de fome e sem medicamentos».

O brasileiro abandonou o front no verão europeu de 2015 após ser ferido, retornando à América Latina em seguida. Para capturá-lo da primeira vez, as forças de segurança ucranianas montaram uma armadilha, atraindo ele novamente a Kiev com uma falsa oferta de emprego. Quando ele aterrissou em outubro de 2016 na capital, imediatamente foi detido pelas autoridades. «Eu não era uma figura veterana na região de Donbas», se defendeu Lusvarghi em entrevista à RFE, Radio Free Europe. «Eu era bucha de canhão», lamentou ele.

Lusvarghi foi condenado por criar uma organização terrorista e recrutar mercenários. Ele chegou a ficar 14 meses na cadeia, até ser inesperadamente liberado no fim do ano passado, segundo informações da RFE. Sua condenação foi derrubada por um segundo tribunal, que invalidou o primeiro processo por erros técnicos, mas a recomendação era de que ele deveria ter permanecido detido, aguardando por novo julgamento.

Apesar de ter lutado com os separatistas, ele disse ter mudado de opinião em entrevista concedida à RFE de dentro da prisão, em março de 2017. «Havia pessoas realmente más em Donbas. Não posso minimizar isso… elas estavam muito orgulhosos do que fizeram no aeroporto de Luhansk. Foi uma barbárie», disse no vídeo onde aparece com ar de menino, já sem a barba e o cabelo longo que marcavam a sua fisionomia nos tempos de ação.

Depois de solto, o brasileiro buscou abrigo num monastério perto de Kiev. Deixou o cabelo crescer novamente e começou a estudar o cristianismo ortodoxo. Rafael parecia estar bem, vivendo uma rotina discreta e simples. Certamente mais confortável que na cadeia. Diariamente ele lia a Bíblia e ajudava na cozinha com os afazeres da comunidade cristã, até a última quinta-feira.

A reclusão do brasileiro de 33 anos veio à tona na semana passada quando o site da RFE publicou uma matéria indicando o paradeiro dele. No dia seguinte, ativistas de direita foram ao local para fazer justiça com as próprias mãos e o detiveram. A BBC Brasil tentou sem sucesso contatar o família de Lusvarghi em São Paulo.

Conflito

De acordo com a Organização das Nações Unidas, o conflito que já se arrasta há mais de quatro anos causou a morte de pelo menos dez mil pessoas e deixou 200 mil feridos. Atualmente 3,4 milhões de ucranianos necessitam de ajuda humanitária, sendo que mais de 1,4 milhão tiveram de abandonar suas casas por causa da violência.

Uma das causas do confronto é a disputa de influência entre o ocidente e a Rússia, por meio de apoio a atores e movimentos locais. Embora manifestações e confrontos tenham ocorrido em diversas partes do território ao longo dos anos, o front separatistas se concentra na região de Donbass, no leste do país, que engloba Donetsk e Lugansk.

O movimento separatista que atua nessa região recebe apoio logístico russo, enquanto forças nacionalistas do governo contam com o suporte dos países membros da aliança militar ocidental OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Tentativas de paz e desmilitarização tem sido acompanhadas de perto pela OSCE (Organização para Segurança e Cooperação na Europa), que registra recorrentemente mortes de civis e soldados na região.

Em março de 2014, a Russia anexou a Crimeia após um referendo que o Ocidente chamou de farsa e alimentou a animosidade entre os grupos, escalando a tensão no front separatista. Em 2014 e 2015 acordos de paz foram assinados em Minsk, mas o cumprimento tem sido problemático.

No final de 2017 ocorreu uma grande troca de prisioneiros entre Kiev e Moscou. Rafael Lusvarghi esperava ter sido incluído na troca, mas acabou ficando de fora. Em janeiro passado o parlamento ucraniano aprovou lei que classifica as regiões rebeldes como ocupações temporárias da Rússia e classifica o país de Vladimir Putin como «estado agressor». A Rússia tenta mascarar seu envolvimento atribuindo intenção humanitária às incursões que faz no território ucraniano. «Às vésperas da posse de Vladimir Putin para mais um mandado como presidente russo, o conflito parece longe de ter um fim», resume Roman Lebed, correspondente da BBC em Kiev.

Tags

Últimas Notícias


Nós recomendamos