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A trajetória do PSB, partido “socialista” que quer lançar Joaquim Barbosa à Presidência

Criado há 70 anos por intelectuais de esquerda críticos do stalinismo e reativado com redemocratização em 1985 para ocupar espaço entre esquerda e centro, partido conta com filiado ilustre que desponta em pesquisas.

Quatro anos atrás, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) perdeu em um acidente de avião seu principal nome e aposta para chegar pela primeira vez à Presidência da República, Eduardo Campos. O projeto interrompido agora pode ser retomado com uma figura que pouca gente imaginava estar na disputa: Joaquim Barbosa, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal.

Mesmo sem lançar oficialmente sua candidatura, Barbosa – que se filiou ao PSB em 6 de abril – aparece com 10% das intenções de voto em pesquisa Datafolha publicada neste mês. O número surpreendeu analistas e surpreendeu membros de seu partido, que não acreditavam que ele figuraria entre os primeiros colocados a seis meses da eleição. No levantamento, Barbosa está atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de Jair Bolsonaro (PSL) e de Marina Silva (Rede).

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Apesar do nome fazer referência ao socialismo, ideologia que, na sua origem, defendia a socialização dos meios de produção e segue inspirando partidos de esquerda, há quem duvide que o PSB ainda seja, de fato, um grupo à esquerda do espectro político.

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Nos últimos três anos, a sigla por várias vezes se aliou ao polo oposto: o PSB foi a favor do impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT) e, depois, fez parte da base de Michel Temer (PMDB), votando projetos de interesse para o governo, tidos como benéficos a setores do empresariado, mas vistos como retrógados por entidades que representam trabalhadores. Esse comportamento foi criticado por membros e militantes mais antigos, sob o argumento de que o partido estava se afastando de suas origens.

Quais origens? De onde veio o PSB?

Existem dois PSBs na história.

O primeiro partido surgiu em 1932, no Rio de Janeiro. Era formado por delegados, interventores federais, integralistas e tenentistas – movimento político-militar que provocou uma série de rebeliões diante da situação política do país na década de 1920.

Esse PSB ficou conhecido por pregar um «socialismo róseo», pois acreditava num convívio harmônico e conciliatório entre empregados e patrões. Seu programa trazia demandas trabalhistas que só viriam a ser consolidadas depois, como a jornada máxima de trabalho de oito horas e a implementação da Justiça trabalhista gratuita.

Esse partido não durou muito. Foi extinto em 1937, com a promulgação do Estado Novo pelo ditador Getúlio Vargas (1982-1954).

Além do nome, o PSB que surgiu uma década depois, pouco tinha a ver com o primeiro. Ele nasceu da Esquerda Democrática, uma ala autônoma da União Democrática Nacional (UDN), partido fundado em 1945 no bojo da abertura política promovida no fim da ditadura de Getúlio Vargas.

A Esquerda Democrática tinha em suas fileiras intelectuais como Gilberto Freyre, João Mangabeira, Sérgio Milliet, Antonio Candido e Paulo Emílio Sales Gomes, todos simpatizantes do socialismo.

«O programa da Esquerda Democrática insistia na necessidade de mudanças na estrutura agrária e na melhoria ‘das condições de vida das classes médias e pobres’, na proteção aos pequenos comerciantes e agricultores e na supressão de impostos aos gêneros de primeira necessidade'», escreve Maria Victoria Benevides, socióloga e professora da USP, em texto publicado pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea da Fundação Getúlio Vargas.

«As propostas de política salarial eram nitidamente progressistas em relação à política oficial, pois pregavam não apenas o salário mínimo para o trabalhador, mas o ‘salário mínimo justo, capaz de assegurar ao trabalhador a sua manutenção e de sua família e a educação de seus filhos'», diz Benevides.

Em sua segunda convenção, em agosto de 1947, a frente decide se separar da UDN e se transformar num partido, o PSB.

«Nos anos 1950, o partido era formado principalmente por ex-trotskistas críticos ao modelo soviético de Stálin, o que era um tabu em parte da esquerda brasileira da época», explica o historiador Herbert Anjos, autor do livro Socialismo e Liberdade – Uma História do PSB.

Segundo ele, nesse período, a sigla não conseguiu se transformar em um «partido de massa», pois sua atuação ficava restrita a uma classe média mais progressista e intelectual. Junto à classe trabalhadora, o PSB acabou ofuscado pelo PCB (comunista) e o PTB, que herdou o trabalhismo de Vargas.

«A nossa grande diferença para o restante da esquerda da época é que nosso partido sempre acreditou no socialismo democrático, um socialismo que vem por meio da democracia e não pela tomada do poder», diz Carlos Siqueira, presidente do PSB.

Já nos anos 1960, os socialistas se aproximaram do então presidente João Goulart (PTB) e de suas propostas de reformas de base, como a agrária. Em outubro de 1965, um ano após o golpe militar que implantou uma nova ditadura, o PSB acabou extinto pelo Ato Institucional 2, que dissolveu todos os partidos, com exceção da governista Arena e do MDB, de oposição moderada.

O que restou do PSB se dividiu entre o MDB e a luta armada, segundo o historiador Herbert Anjos.

Vinte anos depois e com o fim do regime militar, em 1985, o PSB ressurgiu pelas mãos de políticos de esquerda, como Roberto Amaral e Jamil Haddad, e de intelectuais, como o filólogo Antônio Houaiss e o escritor Rubem Braga.

Na época, Houaiss, que depois virou presidente da sigla, definiu o que seria o PSB dali para frente: «Um partido de massas, que afastava o elitismo e a imagem ligada a intelectuais, mas que também retomaria ideais da experiência anterior com uma ideologia mais nítida». A ideia era ocupar um espaço entre a esquerda e o centro – algo entre o PT, tido mais à esquerda, e o PMDB da época, ao centro.

O fator Arraes

Até hoje, o PSB é fortemente identificado com a família de Miguel Arraes (1985-2005), avô de Eduardo Campos. Porém, Arraes entrou no partido apenas em 1990, quando já havia sido governador de Pernambuco, cassado e exilado pela ditadura militar como um «esquerdista».

O pernambucano deu um empurrão na trajetória do PSB, pois sua influência no Nordeste ajudou a eleger prefeitos, deputados e governadores. Seu peso foi tamanho que o PSB ficou com fama de partido que só se dava bem na região e não conseguia deslanchar no resto do país.

«O partido tinha essa imagem de ‘nordestinizado’, porque o Arraes fez muitas coisas boas no sertão de Pernambuco, como levar água, poço artesiano, energia elétrica», diz o deputado federal Júlio Delgado, líder do PSB na Câmara.

O partido fez oposição ao governo de Fernando Henrique Cardoso e participou de duas chapas de Lula à Presidência, emplacando José Paulo Bisol como candidato a vice – em 1994, o deputado gaúcho deixou a campanha após denúncias de uso de emendas parlamentares para benefício de seu reduto político.

Arraes apoiou Lula nas duas ocasiões.

Em 2002, quando o petista finalmente venceu, o PSB chegou em terceiro lugar com Anthony Garotinho, tendo 18% dos votos (15 milhões de eleitores).

Nos anos seguintes, o PSB orbitou as gestões petistas, ocupando vários ministérios. Eduardo Campos, por exemplo, foi ministro da Ciência e Tecnologia por mais de dois anos.

O fator Eduardo Campos

Miguel Arraes costumava dizer que não gostaria que seus filhos entrassem na política. Seu neto, no entanto, acabou sendo visto como seu sucessor político.

Eleito governador de Pernambuco em 2007, Campos conseguiu se destacar ao levar uma série de obras para o Estado, como o Porto de Suape. Ele era próximo de Lula, o que lhe garantiu financiamento para seus projetos. Em 2013, ao final de seu segundo mandato, Campos tinha 53% de aprovação dos pernambucanos, o maior índice entre os governadores do país.

Por outro lado, foi citado pela Polícia Federal como suspeito de ter recebido propina da Odebrecht. Seu sucessor e herdeiro político em Pernambuco, o atual governador Paulo Câmara, também do PSB, é investigado no STF no âmbito da Operação Lava Jato. Ele nega irregularidades. Geraldo Júlio, outra cria de Campos e prefeito do Recife, também foi citado em delações.

A influência de Eduardo Campos em Pernambuco criou o que o cientista político Adriano Oliveira, professor da Universidade Federal de Pernambuco, chamou de «eduardismo» em entrevista recente à BBC Brasil: Campos tinha eleitores em todas as faixas sociais no Estado, era carismático e tinha capacidade de aglutinar pessoas de várias vertentes, tanto que elegeu seu sucessor mesmo depois do acidente que o matou.

Desde 2000, o PSB parecia estar a caminho de se tornar um dos partidos mais importantes do país, pois sua força eleitoral vinha crescendo continuamente. Em 2000, o partido elegeu 133 prefeitos, a maior parte em Pernambuco. Nas eleições seguintes, o número subiu para 174. Em 2008, novo aumento, para 310. Finalmente, em 2012, 440 prefeitos eleitos.

As eleições de 2012 marcam o auge eleitoral do partido. Naquele ano, o PSB foi a sigla que mais cresceu, em todos os quesitos – tanto em número de prefeituras, como de votos e de eleitores a serem governados. Além de Pernambuco, o partido passou a ter grande peso no Piauí, Ceará, Paraíba, Minas Gerais, São Paulo. Também conseguiu conquistar prefeituras de cidades grandes, como Fortaleza, Recife e Belo Horizonte, e se tornou o quarto maior partido do país em número de população governada, atrás apenas de PT, PMDB e PSDB.

Em 2016, entretanto, a trajetória de ascensão do PSB foi interrompida pela morte de Campos. Pela primeira vez em 16 anos, o partido perdeu influência e elegeu 26 prefeitos a menos que na eleição anterior.

Pragmatismo x ideologia

Uma das críticas que se faz ao PSB atual é o fato de ele ter deixado parte de sua ideologia na gaveta diante de um projeto maior de poder. Isso criou uma aparente dicotomia: enquanto o grupo tem nomes bastante identificados com a esquerda, como a senadora baiana Lídice da Mata, também há políticos como o atual governador de São Paulo, Márcio França, aliado do PSDB há anos.

«Eduardo Campos viu que precisava chegar a outros setores da sociedade para conseguir fazer do PSB um partido nacional. Por isso, abriu o partido para pessoas que não eram muito próximas de nossas bandeiras», diz o deputado federal Júlio Delgado.

Presidente da sigla, Carlos Siqueira concorda com essa visão, e diz que o PSB teve de «fazer um saneamento para tirar essas pessoas».

Em 2014, após a morte de Campos, o partido optou pela ex-senadora Marina Silva, vice na chapa, para a corrida presidencial, mas ela não chegou ao segundo turno.

Após o impeachment de Dilma, a sigla fez parte da base de apoio de Temer. Mas quando a reforma trabalhista chegou à Câmara, houve um racha. Parte da bancada do PSB, inclusive sua líder, a deputada Tereza Cristina, era a favor das mudanças. Outro setor era contra, dizendo que a reforma prejudicava os trabalhadores e, apoiá-la, seria negar as raízes do PSB. Resultado: 14 parlamentares votaram favor da medida e 16, contra.

«Depois da morte de Eduardo Campos, o partido dá uma guinada à direita», diz o historiador Herbert Anjos. «Mas o desgaste de Temer e a pressão das bases internas faz ele dar um pequeno giro à esquerda novamente. O pragmatismo eleitoral acaba deixando a ideologia de lado, como aconteceu com muitos partidos no Brasil.»

Nesse braço de ferro, os defensores da fidelidade à raiz ideológica do partido levaram a melhor e vários parlamentares deixaram a legenda diante de uma ameaça de expulsão – Tereza Cristina entre eles. Hoje, o partido faz parte da oposição.

«Somos um partido socialista, o PSB não deve negar suas raízes», disse à BBC Brasil o ex-deputado Beto Albuquerque, pré-candidato ao Senado pelo Rio Grande do Sul. «Quando surge um conflito entre o capital e trabalho, nossa tendência é sempre olhar para o trabalho. Há partidos de sobra para olhar o capital.»

«O problema do Brasil não é Bolsa Família, mas o ‘bolsa empresário’. Os governos do PT criaram esse sistema de financiamentos com juros subsidiados, que ajudaram meia dúzia de empresários próximos a eles.»

Agora, Joaquim Barbosa

Neste ano, a legenda não tinha candidato para presidente. Até que apareceu Joaquim Barbosa, que se filiou no último dia estipulado pela Justiça Eleitoral.

Barbosa surge como possível candidato carregando uma imagem de luta contra a corrupção, perfil criado durante o julgamento do mensalão, que condenou petistas históricos à prisão pela primeira vez. Agora, desponta no cenário eleitoral no momento em que políticos e partidos tradicionais são alvo de denúncias, processos e prisões.

A seis meses da eleição, a pontuação do ex-ministro nas pesquisas é melhor que a de Eduardo Campos às vésperas do pleito de 2014. Em agosto daquele ano, o pernambucano era o terceiro colocado, com 9%.

Barbosa ainda não confirmou sua candidatura, mas vem conversando com líderes partidários para fechar um programa de governo. Na economia, tem se mostrado a favor de privatizações em setores menos estratégicos – energia e petróleo estariam fora. Oficialmente, o projeto partidário do PSB prega a «gradual e progressiva socialização dos meios de produção».

No campo social, Barbosa é mais próximo da esquerda – no STF votou a favor das cotas raciais em universidades, do aborto em caso de anencefalia e de pesquisas com células-tronco.

O deputado Júlio Delgado relata uma conversa que teve com o ex-ministro sobre sua postura diante da ideologia do PSB: «Ele disse o seguinte: sou um pouquinho mais de centro que vocês, vocês são 7 e eu sou 6».

Para Mauro Paulino, diretor do Datafolha, a origem pobre de Barbosa e sua imagem anticorrupção, criada com o julgamento do mensalão, podem ajudá-lo a vencer. «Uma vez fizemos uma pesquisa qualitativa, que mostrava que o eleitor brasileiro buscava um candidato que fosse uma mistura da origem de Lula e com a cultura de Fernando Henrique», diz.

Porém, Paulino acredita que, para ser vitorioso, Barbosa terá de fazer alianças para aumentar seu tempo de exposição na TV – o PSB tem direito a apenas 1 minuto e 23 segundos por dia.

O deputado Delgado afirma que, após a última pesquisa Datafolha, o PSB foi procurado por siglas à esquerda e à direita. «Está todo mundo querendo se pendurar em Joaquim Barbosa», diz.

*colaborou Amanda Rossi

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