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Guerra do Iraque, 15 anos depois: as frases-chave que justificaram o conflito

No aniversário da invasão liderada pelos EUA, relembre o que os líderes globais da época disseram para defender a guerra, de altos custos humanitários e financeiros e cujas consequências perduram até hoje.

Um dos conflitos mais marcantes do início do século 21, a Guerra do Iraque teve seu início há exatos 15 anos, com a invasão americana ao país árabe.

A guerra começou oficialmente em 20 de março de 2003. Uma coalizão liderada pelos Estados Unidos enviou 200 mil soldados ao Iraque, a despeito da falta de autorização da ONU para tal e em meio a protestos antiguerra ao redor do mundo.

A promessa era de uma intervenção rápida, como parte de uma campanha para derrubar Saddam Hussein, que comandava o país desde 1979, e recuperar armas de destruição em massa supostamente em posse do líder iraquiano – que se provaram inexistentes.

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Mas a guerra perdurou por anos, deixando de herança um país hoje fragmentado e politicamente instável, enfraquecido por conflitos sectários que favoreceram a ascensão de grupos extremistas, como o autodenominado Estado Islâmico, e contribuíram para a volatilidade regional.

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Você se lembra do que foi dito na época da invasão pelos então líderes globais? Como eles justificaram a invasão ao Iraque?

A BBC compilou as frases cruciais que foram ditas antes, durante e depois do início do conflito, e que explicam a escalada militar – bem como suas consequências.

Campanha

Um ano antes da invasão pela coalizão liderada pelos EUA, já havia manifestações em defesa de uma intervenção internacional no Iraque. Em janeiro de 2002, durante seu discurso de Estado da União, o então presidente americano, George W. Bush, afirmou que o Iraque era parte do "eixo do mal" de países globais. A definição também abarcava o Irã e a Coreia do Norte, mas o país de Saddam Hussein era o foco principal da fala:

"O Iraque continua a exibir sua hostilidade frente à América e a apoiar o terrorismo. O regime iraquiano planeja há mais de uma década desenvolver antrax, gás nervoso e armas nucleares."

Alguns meses depois, o então secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, disse o seguinte a um comitê da Câmara dos Representantes americana:

"Temos de decidir se os riscos de agir são maiores do que os riscos de não agir. Saddam Hussein deixou suas intenções claras. Ele usou armas de destruição em massa contra seu povo e seus vizinhos. Demonstrou intenção de tomar territórios dos vizinhos. (…) Ele tem, neste momento, estoques de armas químicas e biológicas e está buscando armas nucleares. Se ele demonstrar sua capacidade de alcançar nossa costa, o mundo mudará. Nosso povo estará sob grande risco."

Ainda em 2002, o então premiê britânico Tony Blair, principal aliado de Bush nos esforços de guerra, discursou ao Parlamento do Reino Unido, com fortes palavras sobre o líder iraquiano:

"O regime de Saddam é desprezível. Ele está desenvolvendo armas de destruição em massa. Ele é uma ameaça a seu próprio povo e, se permitirmos que ele desenvolva essas armas, é também uma ameaça a nós."

Oposição

Em contraste com o que acontecera na Guerra do Golfo, em 1991, a invasão de 2003 no Iraque enfrentou forte oposição tanto dentro dos EUA quanto internacionalmente. A França e a Itália, que haviam apoiado a ação militar nos anos 1990, se recusaram a participar da coalizão formada na década seguinte.

O então presidente francês, Jacques Chirac, fez duras críticas à invasão iraquiana, algo que tensionou as relações entre Paris e Washington – a ponto de as três lanchonetes da Câmara de Representantes dos EUA receberem a ordem de mudar seu cardápio: tirarem as French fries (batatas fritas, mas que literalmente significam "batatas francesas") para colocarem as freedom fries (literalmente, "batatas da liberdade").

"Para nós, a guerra é sempre a prova do fracasso e a pior das soluções, então tudo deve ser feito para evitá-la." – Jacques Chirac, presidente da França, em janeiro de 2003

"Se permitirmos que a lei internacional seja substituída pela lei da primazia, então o princípio da inviolabilidade da soberania dos Estados será questionado." – Vladimir Putin, presidente da Rússia, em março de 2003

Políticos americanos também expressaram preocupação, incluindo um que à época era senador estadual em Illinois, pouco conhecido do grande público:

"Não me oponho a todas as guerras (…). Me oponho a uma guerra estúpida. Uma guerra baseada não na razão, mas na paixão; não em princípios, mas em política." – Barack Obama, 2002

Em Londres, em fevereiro de 2003, um enorme protesto reuniu mais de 1 milhão de pessoas contra a guerra – a polícia informou que foi a maior manifestação já registrada no Reino Unido até então.

E a oposição veio também de uma das principais figuras do gabinete de Tony Blair: o líder da Câmara dos Comuns e ex-secretário de Relações Exteriores Robin Cook, que renunciou ao cargo por conta do embate e afirmou:

"Nem a comunidade internacional nem o público britânico foram persuadidos de que haja uma razão convincente e urgente para a ação militar no Iraque."

Outros líderes regionais também manifestaram preocupação:

"Denunciamos veementemente a morte de mulheres e crianças (no conflito). Estamos juntos com nosso povo, que rejeita e condena a invasão." – Rei Abdullah 2, da Jordânia, em abril de 2003.

‘Libertação’

A tirania de Saddam Hussein também foi apontada como uma razão para defender a invasão:

"Acredito que nós (EUA) vamos ser acolhidos, na verdade, como libertadores (do povo iraquiano)." – Dick Cheney, vice-presidente dos EUA, em março de 2003

Defendia-se, ainda, que a guerra seria de curta duração:

"Cinco dias ou cinco meses, mas certamente (a guerra) não vai durar mais do que isso." – Donald Rumsfeld, secretário de Defesa, em 2002, quando questionado sobre a duração da invasão

Armas de destruição em massa

Mas e quanto à causa primordial da guerra – a acusação de que o Iraque possuía um arsenal de armas de destruição em massa que "poderia ser usada contra sua população" ou contra seus inimigos?

"Sabemos onde elas (armas) estão. Elas estão na região ao redor de Tikrit (norte do Iraque) e em Bagdá e ao leste, oeste, sul e norte de certa forma." – Donald Rumsfeld, secretário de Defesa, em entrevista à emissora ABC em março de 2003

"Todo pronunciamento que eu faço hoje é sustentado por fontes, fontes sólidas. Não são só afirmações. Estamos dando a vocês fatos e conclusões baseados em inteligência sólida." – Colin Powell, secretário de Estado dos EUA, em fala à ONU

"Encontramos as armas de destruição em massa." – George W. Bush, em entrevista em 29 de maio de 2003

No entanto, um ex-agente da CIA encarregado de interrogar Saddam depois de ele ter sido capturado afirmou, em entrevista à BBC, ter concluído que o ex-líder iraquiano havia interrompido o programa de armas nucleares anos antes e não demonstrara nenhuma intenção de reiniciá-lo.

Por sua vez, uma reportagem do The New York Times apontou que, em diversas ocasiões entre 2004 e 2011, tropas americanas e iraquianas se depararam com armas químicas remanescentes do governo Saddam. A reportagem afirma, porém, que o armamento não era parte "do estoque maciço e ativo que os EUA pretendiam destruir com a guerra", mas sim "resquícios de programas abandonados muitos anos antes, construídos em colaboração próxima com o Ocidente".

Legado

No décimo aniversário da invasão, George W. Bush declarou:

"Estou confortável com o que fiz. Tenho a confiança de que as decisões foram tomadas de modo correto. É fácil esquecer como era a vida quando a decisão (de ir à guerra) foi tomada."

Mas a Guerra do Iraque e seu legado continuam sendo um tópico controverso nos EUA e no mundo.

Os custos financeiros e humanitários foram altos: segundo a organização Iraq Body Count, que contabiliza as vítimas do conflito desde 2003, houve mais de 288 mil mortes, entre civis e combatentes, em consequência da guerra. Alguns acadêmicos calculam que até 500 mil iraquianos podem ter morrido nos enfrentamentos, entre 2003 e 2013.

E segundo estimativas do Congresso americano, os EUA gastaram mais de US$ 300 bilhões com o conflito; um relatório do centro de pesquisas Council on Foreign Relations cita levantamentos de que os gastos podem ter ultrapassado o US$ 1 trilhão, considerando que as tropas americanas continuaram atuando em solo iraquiano mesmo depois do fim oficial do conflito.

A saída oficial das tropas americanas, em 2011 – muito depois do previsto inicialmente por Rumsfeld -, foi seguida por um escalonamento na violência sectária entre a população xiita (majoritária no país) e os sunitas, que apesar de minoritários, estiveram no poder durante o governo de Saddam Hussein.

Em 2014, com a ascensão do Estado Islâmico, os conflitos se intensificaram. Militantes extremistas tomaram o controle de grande parte do norte iraquiano, incluindo Mossul, a segunda maior cidade do país, que só foi retomada em 2017.

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