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A misteriosa morte do homem por quem Putin chorou e cuja filha agora o enfrenta na eleição russa

Anatoy Sobchack foi o mentor do hoje candidato à reeleição na política; duas décadas depois, Ksenia Sobchak faz campanha denunciando a corrupção no entorno de Putin.

Conforme a Rússia se prepara para dar, em 18 de março, um quarto mandato a Vladimir Putin, o jornalista Gabriel Gatehouse, da BBC, recorda um momento revelador ocorrido no começo de sua carreira no Kremlin, quando era um presidente interino prestes a disputar sua primeira eleição.

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Os russos raramente veem seu presidente chorar, ainda que tenham ocorrido tragédias suficientes nos 18 anos em que ele está no poder. Mas isso ocorreu uma vez, em 24 de fevereiro de 2000, no funeral de Anatoly Sobchak.

Ele foi um dos homens que, junto com Gorbachev e Yeltsin, ajudou a dar fim à União Soviérica. Também foi o reformista que tirou um oficial de médio escalão da KGB chamado Vladimir Putin da obscuridade e deu a ele seu primeiro emprego na política.

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Ninguém sabe ao certo o que o levou a tomar essa decisão. Mas, hoje, setores do antigo serviço de inteligência soviético conquistaram tanto poder na Rússia a ponto de ser difícil dizer se democracia é um conceito que se aplica à atual situação do país.

 Anatoly Sobchak
Anatoly Sobchak foi prefeito de São Petersburgo entre 1991 e 1996

Há oito nomes disputando esta eleição, mas Putin sabe que é o «principal candidato», e não há dúvidas sobre o resultado.

Um de seus rivais diz tratar-se de uma «eleição falsa». «Como em um cassino», afirma essa candidata, «onde a casa sempre ganha, na democracia russa a vitória sempre está do lado de Putin».

Seu nome – adivinhe só – é Ksenia Sobchak, a filha de Anatoly, o velho amigo e mentor do presidente.

 Ksenia Sobchak com a bandeira russa por trás
Ksenia é a única candidata mulher dentre os oito homens na disputa

Ksenia, como é conhecida, tem 36 anos. É uma ex-apresentadora de reality show transformada em jornalista de oposição.

Apoiadores de Alexei Navalny, candidato opositor impedido de entrar na disputa, dizem que ela é um fantoche do Kremlin, uma amiga que ele convocou para dar à eleição um ar de credibilidade.

Certamente Ksenia não estaria concorrendo sem a permissão tácita das autoridades. É assim que funciona a democracia na Rússia.

 Publicidade da campanha de Ksenia Sobchack
Campanha de Ksenia traz o slogan ‘Por Sobchak. Pela verdade. Pela liberdade’

Mas os homens de terno cinza que comandam o Kremlin podem estar se arrependendo desta decisão. Ksenia está fazendo um tour por estúdios de TV e listando os nomes corruptos em torno de Putin e dizendo que a anexação da península da Crimeia, em 2014, foi ilegal.

Se ela de fato está disputando a eleição não para vencer, mas para ser ouvida, como costuma dizer, está certamente quebrando alguns tabus. Sendo assim, o que está acontecendo?

Vamos deixar a filha de lado por um momento e voltar ao pai. Ele era prefeito de São Petersburgo. Putin era seu vice. Os dois eram tão próximos que, quando Sobchak foi acusado de corrupção, Putin ajudou a tirá-lo do país em um avião fretado. Isso foi anos 1990.

 Boris Yeltsin
Yeltsin foi presidente da Rússia entre 1991 e 1999 e sucedido por Putin no cargo

Lembra-se daqueles dias? A Rússia estava um caos. Seu presidente, Boris Yeltsin, estava frequentemente bêbado e mal conseguia agir.

Os homens em ternos cinzas no Kremlin pensavam que tinham achado a solução – outro homem de cinza, uma tela em branco com a qual podiam criar o antídoto ideal a Yeltsin. Eles começaram a preparar Putin como seu sucessor.

Então, de repente, quando Putin estava concorrendo à Presidência pela primeira vez, seu velho amigo Anatoly Sobchack morreu, aos 62 anos, em um hotel em Kaliningrado.

A autópsia apontou uma parada cardíaca, mas não encontrou qualquer sinal de um infarto. A viúva de Sobchak suspeitou do procedimento e realizou outra autópsia por conta própria.

Recentemente, conheci Lyudmila Narusova e perguntei a ela se pensava que seu marido havia sido assassinado. Ela fez uma pausa longa o suficiente para dizer «sim» dez vezes e, depois, respondeu: «Não sei».

 Vladimir Putin e Lyudmila Narusova visitam o túmulo de Sobchak em 2007
Lyudmila Narusova não faz acusações contra Putin

Alguns já sugeriram que há um dedo de Putin na morte dele. Sobchack sabia de algo sobre o presidente? Narusova descartou essa hipótese de cara.

Vendo de novo as imagens do funeral, pude ver que Putin realmente estava abalado. Seus olhos estavam vermelhos. Ele parece estar engasgado quando abraçou Lyudmila Narusova.

Putin não é um ator. Nem costuma fazer demonstrações públicas de afeto. Então, é razoável pensar que ele estava sofrendo genuinamente. Ou será outra coisa? Culpa?

«Havia algumas pessoas que estavam fazendo manobras para Putin chegar ao poder», Narusova disse.

Ela está certa. Naquela época, Putin era um veículo de vários setores dentro Kremlin rumo ao poder. Em certa medida, ele ainda é.

Se Sobchack foi assassinado, foi por um dos setores que temiam o controle do mentor de Putin sobre ele? Talvez. E, se foi assim, o oficial da KGB soube que seu velho amigo morreu para fazer o Projeto Putin avançar? É apenas uma suspeita, mas começo a pensar que sim.

 O então presidente russo, Dmitry Medvedev, a viúva Lyudmila Narusova e sua filha Ksenia no décio aniversário da morte de Sobchak
Narusova (ao centro) diz temer por sua segurança e de sua filha (à dir.)

Perguntei a Narusova sobre a autópsia que ela fez e nunca revelou publicamente os resultados, mantidos trancados em um cofre em um local secreto fora da Rússia.

Quando questionei o motivo, ela se recusou a falar sobre o assunto. Eu a pressionei, dizendo: «Parece que você tem uma apólice de seguro».

«É possível ver dessa forma», ela responde.

«Você teme», perguntei, «por sua segurança ou de sua filha?»

Ela parou por um momento. «Sabe, viver nesse país dá medo. Especialmente para aqueles que têm visões contrárias. Então, sim, eu tenho medo. Eu tenho…»

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