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Recebeu pedido de orações por crianças cristãs decapitadas em Qaraqosh? O que há de verdadeiro ou falso na mensagem

Mensagem que trata da situação naquela que já foi a maior cidade cristã do país do Oriente Médio circula pelas redes sociais e aplicativos de mensagem há alguns anos.

«Hoje, às 21h, chamamos a todos ao redor do mundo, não importa onde você esteja, nem o credo ou religião, a um momento de meditação ou de oração pela paz na Síria e no resto do mundo. Todo o planeta será unido em oração pela paz.»

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Assim começa uma versão de uma mensagem que circula nas redes sociais e aplicativos de mensagem como o WhatsApp há alguns anos e que continua a se propagar graças ao que vem em seguida.

«Se puder encaminhá-lo, junte-se a nós em oração urgente, porque o grupo radical islâmico acaba de tomar Quaragosh, a maior cidade cristã do Iraque. Onde há centenas de homens, mulheres e crianças cristãs que estão sendo decapitados. Por favor, tome um minuto e ore por eles. Passar a mensagem para todos os seus contatos, não cortar a cadeia. Nós fomos convidados a orar, por favor, passe para outros.»

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Esse apelo de forte cunho emocional toca a muitas pessoas. Em outras versões, é inclusive citado que o pedido de oração partiu do papa Francisco. Tudo isso aumenta as chances de que a mensagem seja repassada a conhecidos.

Mas seu teor é verdadeiro? A verdade é que a cidade foi invadida, sim, pelo grupo extremista autodenominado Estado Islâmico, mas anos atrás. Ela foi retomada há mais de um ano, e o papa não fez nenhum pedido a citando especificamente – no passado, pediu orações pelos cristãos perseguidos no Iraque como um todo. Também não há comprovação sobre decapitações de crianças na cidade.

A BBC Brasil explica a seguir.

Onde fica Quaragosh?

Também conhecida como Bakhdida, Baghdeda ou Al-Hamdaniya, esta cidade assíria chama-se Qaraqosh, na grafia original internacional. Ela fica no norte do Iraque, a 32 km ao sul da cidade de Mossul e a 405 km da capital Bagdá.

Até 2014, era a maior cidade cristã do Iraque, um país de maioria muçulmana, com uma população de cerca de 50 mil pessoas. A principal atividade local era a agricultura.

A cidade corre perigo de fato?

Qaraqosh já esteve no centro de uma situação crítica, quando o Estado Islâmico a invadiu e assumiu seu controle após combater e expulsar forças curdas.

Muitos cristãos iraquianos fugiram para o Curdistão

Mas isso ocorreu há quase quatro anos, em agosto de 2014, durante a expansão inicial do EI no norte do Iraque e da Síria, região na qual o grupo declarou ter instaurado um califado.

Em 2014, o Estado Islâmico alcançou o auge de sua expansão territorial, ocupando áreas no Iraque e na Síria habitadas por cerca de 10 milhões de pessoas.

Mas os esforços militares internacionais contra o grupo levaram a uma reducão significativa do território controlado pelo grupo desde então. Segundo a coalizão miltar liderada pelos Estados Unidos, 98% do território controlado pelo EI em seu auge já foi recapturado. O grupo jihadista controlaria apenas pequenas áreas, a maior parte ao longo do rio Eufrates, na província de Deir al-Zour, na Síria.

A cidade de Qaraqosh foi retomada em outubro de 2016, após dois anos sob o controle do EI.

Seus moradores cristãos estão sendo perseguidos?

Os jihadistas tinham como alvo minorias religiosas e étnicas, como é o caso dos cristãos iraquianos. Milhares deles fugiram de Qaraqosh para não serem mortos caso não quisessem se converter ao islamismo.

Os cristãos foram rumo ao Curdistão iraquiano, uma província semiautônoma no norte do país habitada por curdos, um povo sem pátria com uma população estimada em 30 milhões, atualmente espalhada pelo Oriente Médio e outros continentes.

Extremistas buscaram destruir qualquer sinal do cristianismo em Qaraqosh

Ao longo dos dois anos de ocupação da cidade, os membros do EI buscaram eliminar qualquer evidência do cristianismo, destruindo igrejas, torres, imagens e estátuas.

Mesmo após ter sido retomada, a cidade hoje tem apenas uma fração da população que a habitava antes.

Houve mesmo casos de crianças decapitadas pelo EI na cidade?

Não existe nenhum caso confirmado de decapitação, segundo Mohamed Yehia, editor do serviço árabe da BBC.

A referência à decapitação de crianças em Qaraqosh foi feita por Mark Arabo, um líder cristão sírio baseado na Califórnia, nos Estados Unidos, em uma entrevista à rede CNN, em agosto de 2014, mas nunca houve comprovação de que decapitações estivessem ocorrendo realmente na cidade.

Imagens de supostas crianças decapitadas também circularam em redes sociais e sites na internet, mas nenhuma teve a autenticidade comprovada.

O papa pediu orações para os cristãos de Qaraqosh?

A perseguição de cristãos no Iraque já foi tema de falas de Francisco, sem mencionar especificamente esta cidade.

Em 2014, antes mesmo da invasão de Qaraqosh, o papa disse que os cristãos perseguidos no Iraque e no Oriente Médio eram objeto de suas «constantes orações». Nesta época, habitantes de Mossul estavam deixando esta cidade diante do avanço do EI.

O papa já pediu orações por cristãos perseguidos no Iraque, mas não mencionou diretamente Qaraqosh

Em 2016, na benção de Natal, ele reiterou seu pedido aos milhares de fiéis presentes na praça de São Pedro, dizendo a eles que direcionassem seus «pensamentos, afeição, orações e até lagrimas» aos cristãos iraquianos.

«Há mais mártires cristãos hoje do que nos primeiros séculos (da Igreja)», disse o papa.

Em março do ano passado, Francisco voltou a pedir orações para que «o Iraque encontrasse paz, unidade e prosperidade na reconciliação e na harmonia entre seus diferentes componentes étnicos e religiosos».

Qual é a situação hoje em Qaraqosh? A população cristã retornou?

Houve uma ampla destruição de casas e igrejas pelo Estado Islâmico na cidade. Algumas igrejas já foram reconstruídas e parte da população cristã retornou a Qaraqosh após a retomada. Muitos retornaram apenas para tentar recuperar posses deixadas para trás na fuga.

A cidade está se recuperando gradualmente, mas ainda não voltou totalmente à vida normal de antes de 2014.

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