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Ataque fiscal de Trump contra China põe em risco mais de R$ 8 bi em exportações brasileiras

Brasil é segundo maior exportador da matéria-prima ao mercado americano; carvão pode ser arma de barganha na negociação.

O presidente americano Donald Trump anunciou nesta quinta-feira que os Estados Unidos aplicarão novas taxas de 25% nas compras americanas de aço produzido em outros países. O alvo principal da medida é a China, país que é o maior produtor mundial de aço e alumínio – este último também deve ser sobretaxado em 10%, segundo o governo dos EUA.

Apesar do foco principal no país oriental, a indústria brasileira será duramente afetada pela medida, caso ela não seja revertida.

O Brasil é o segundo maior exportador de aço para os EUA, depois do Canadá, e o primeiro em vendas de aço semiacabado – matéria-prima para produtos laminados – ao mercado americano. Em 2017, a indústria brasileira faturou US$ 2,6 bilhões, ou R$ 8,3 bilhões, em vendas totais de 4,7 milhões de toneladas de aço para os americanos, segundo dados oficiais do setor.

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"Essa taxa definitivamente inviabiliza as vendas do Brasil. Por conta do excesso de capacidade instalada no mundo, o mercado hoje já é extremamente competitivo. A sobretaxa tira qualquer grau de competitividade da indústria brasileira", avalia Marco Polo de Mello Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil, que representa a indústria, em entrevista à BBC Brasil.

O Brasil ainda aguarda a assinatura oficial da medida, prevista para a semana que vem.

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Na avaliação do governo americano, a medida seria a melhor resposta à enorme produção chinesa de aço, que – apesar de estar no 11º lugar entre os maiores exportadores ao mercado americano – fez a disponibilidade do metal disparar, forçando outros produtores, como os EUA, a reduzirem seus preços a níveis considerados insustentáveis. O impacto chinês levaria indústrias que dependem do aço, como a automobilística, a procurarem metais importados, por preços menores.

"Vocês não têm ideia de quão mal nosso país foi tratado por outros países", disse Trump a jornalistas na manhã desta sexta-feira, em Washington.

"Eles destruíram a indústria siderúrgica, a indústria do alumínio e outras indústrias. Eles destruíram e levaram as indústrias para outros lugares – a indústria automobilística foi para o México porque nós não sabíamos o que estávamos fazendo, mas estamos trazendo tudo de volta", completou o presidente.

Impactos

Nos últimos meses, a Embaixada do Brasil em Washington e membros da indústria brasileira do aço trabalharam intensamente para dissuadir o governo americano de aumentar as taxas sobre o aço – ou deixar o Brasil de fora da medida.

Nesta semana, uma força-tarefa brasileira formada por empresários, políticos e lobistas, junto ao ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Jorge de Lima, e à embaixada brasileira nos EUA, participou de uma série de reuniões em Washington para defender as exportações brasileiras.

Nesta quinta, após se reunir com o secretário de Comércio dos EUA, Wilbur Ross, o ministro do Comércio disse a jornalistas que não havia recebido nenhum indicativo do governo americano sobre a revisão nas taxas.

"O que ele (Ross) sinalizou é que após essa publicação, caso haja sanção que envolva o nosso país, haverá prazo para recursos e que serão considerados pedidos de reanálise para a exclusão de países eventualmente afetados por uma medida", disse Lima nesta quinta-feira, sem dar detalhes sobre o possível recurso e seus prazos.

Após a decisão, o presidente do Instituto Aço Brasil, que representa indústrias do setor, disse à BBC Brasil que a decisão, se confirmada, será "extremamente negativa".

"No nosso entendimento, o Brasil não é parte do problema, mas da solução. Em torno de 80% das nossas exportações são de aço semiacabado, que são relaminados pela industria siderúrgica americana. Os EUA têm superavit na balança comercial com o Brasil. E os EUA são o maior comprador de carvão metalúrgico do Brasil", avaliou.

À reportagem, o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços disse que "o governo do Brasil recebe a notícia com enorme preocupação" e afirmou que "não descarta eventuais ações complementares, no âmbito multilateral e bilateral, para preservar seus interesses no caso concreto" – sem dar detalhes sobre quais seriam essas ações. "O governo brasileiro espera trabalhar construtivamente com os Estados Unidos para evitar eventual aplicação, o que traria prejuízos significativos aos produtores e consumidores de ambos os países", afirmou a pasta, em nota.

O carvão deve ser o principal elemento de barganha do Brasil nessa negociação. O carvão americano é um dos principais motores da indústria siderúrgica brasileira – caso a produção caia, as importações do produto vindo dos Estados Unidos também cairão.

"Não vou falar em retaliação, mas em lógica. Se eu diminuo minha produção de aço no Brasil porque estou sendo contingenciado, isso evidentemente vai afetar a compra do carvão. E os EUA têm uma renda muito significativa com a venda do carvão para o Brasil", disse Marco Polo à reportagem, ressaltando que ainda torce pela exclusão do Brasil do anúncio de Trump.

Procurado, o Itamaraty disse que a decisão do governo americano ainda não foi oficializada. Segundo a BBC Brasil apurou, a diplomacia brasileira ainda trabalha para reverter a decisão.

Decisão

Para Andre Soares, pesquisador associado do centro de estudos Atlantic Council, em Washington, a medida cria "desconforto nas relações bilaterais entre Estados Unidos e China", mas não chega a causar "danos elevados" à economia chinesa – que poderia pagar na mesma moeda, trazendo mais dor de cabeça a Donald Trump.

"Trump atende às demandas de seu eleitorado, que busca maior proteção comercial e sente os efeitos da competição chinesa em variados setores da economia, ao mesmo tempo que não impõe uma perda grande aos chineses, que mais à frente poderiam vir a retaliar os americanos", avalia

Ainda segundo Soares, as importações de aço da China já enfrentam restrições comerciais em território americano, o que limita os efeitos práticos das novas sanções.

Em abril do ano passado, o presidente americano deu início à discussão, quando afirmou que a indústria do aço dos EUA teria sido "sitiada" durante décadas por concorrentes estrangeiros "que ganharam a vida tirando proveito" de leis de comércio desfavoráveis aos americanos.

Segundo o presidente, a concorrência teria gerado demissões em massa e inundado os EUA com "aço barato".

Para reverter o cenário, Trump acionou a chamada seção 232, um dispositivo criado nos anos 1960 por John F. Kennedy para permitir ao presidente investigar se importações de alguns setores podem ameaçar a segurança nacional – seja pelo risco de desabastecimento ou pelo impacto econômico de uma concorrência desleal.

Em 54 anos, segundo dados oficiais, a seção 232 foi utilizada 26 vezes – e apenas cinco delas resultaram em alguma resolução presidencial (a última foi em 2001, com George W. Bush, e não teve efeitos práticos).

Os produtores brasileiros se defendem, afirmando que a produção anual de aço no Brasil é equivalente a 14 dias de produção na China.

"O grande problema da indústria siderúrgica americana, ou europeia, ou brasileira, é o excesso de capacidade instalada, que hoje está concentrada na China. O Brasil é um aliado dos EUA nesse sentido. Tanto a indústria siderúrgica brasileira quanto a americana são impactadas por preços e pela produção vinda principalmente da Ásia", diz Marco Polo.

Para se diferenciar dos chineses, os brasileiros argumentam que a indústria brasileira compra produtos americanos produzidos a partir do aço exportado pelo Brasil, como carros, maquinário pesado e locomotivas, fazendo o dinheiro circular.

A decisão gerou forte reação entre outros vendedores de aço para os EUA, como Canadá e União Europeia.

"Lamentamos profundamente esse passo, que parece representar uma intervenção flagrante para proteger a indústria doméstica dos Estados Unidos, sem qualquer justificativa de segurança nacional", disse o chefe da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. "Nós não vamos esperar sentados enquanto nossa indústria for atingida por medidas injustas que colocam em risco milhares de empregos europeus".

Em nota, o Canadá afirmou que a medida é "inaceitável".

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