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‘Hoje eu sou segura’: atriz trans conta como foi realizar cirurgia pelo SUS

«Aos 40 anos, caiu a ficha. Percebi que não tinha mais 20, nem 30, mas já estava nos 40. Deu aquele choque e eu pensei ‘preciso ser eu mesma'». Nos palcos desde os 17 anos, a atriz Maura Ferreira foi uma das pacientes de um serviço oferecido pelo SUS (Sistema Único de Saúde) pouco conhecido: a cirurgia de redesignação sexual.

O serviço é oferecido desde 2008 no Brasil. Maura operou em 2016, após 6 anos de tratamento psiquiátrico e hormonal pelo Hospital das Clínicas de São Paulo. «Na década de 1970, um médico do HC chegou a fazer a primeira cirurgia lá, mas foi preso. Como foi um caso que causou uma grande comoção, foi dessa forma que fiquei sabendo. Aí, quando fiz 40 anos, procurei o hospital e comecei com a terapia individual», relata.

Após um tempo de terapia psiquiátrica, ela começou o tratamento hormonal. Para fazer a transição, a atriz resolveu ir mudando seu estilo de se vestir aos poucos também, passando de roupas exclusivamente masculinas para roupas mais genéricas, adotando um estilo «hippie».

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Por isso, Maura conta que foi um choque no ambiente de trabalho. «No teatro, eu era um ator visceral. Era ‘pau para toda obra’ também, carregava caixas, fios elétricos. Mas quando perceberam que eu estava passando de um ator mais ‘clássico’ para um estilo mais ‘hippie’, as pessoas começaram a achar que eu poderia estar me tornando um marginal», diz.

«O tratamento foi maravilhoso. Eu recebia meus medicamentos em casa durante a terapia hormonal», conta Maura. Em termos clínicos, a recuperação da cirurgia foi boa. Mais do que isso, a redesignação trouxe um novo olhar para a vida dela. «Segurança. Durante muito tempo, fui a pessoa mais insegura do mundo, mas hoje eu sou segura, para tudo».

O psiquiatra Alexandre Saadeh explica que é normal o processo completo ser demorado, uma vez que os pacientes são atendidos primeiramente por um psiquiatra, para depois seguirem para a hormonoterapia. Só então podem começar as cirurgias.

«É obrigatório o acompanhamento psicológico por 2 anos. A equipe no tratamento é multiprofissional, com psicólogos, psiquiatras, assistente social, endocrinologista, cirurgião plástico e até mesmo fonoaudiólogo, em alguns casos», enumera Saadeh, que é coordenador do Antigos (Ambulatório de Transtorno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual), no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.

 

Idade e identidade

«Sempre me identifiquei com o sexo feminino, desde a primeira infância. Descobri o assunto «transgênero» aos 11 anos, em livro que a gente tinha em casa. Só que minha família era muito religiosa, então se eu aparentasse uma bissexualidade que fosse, o papai iria tomar providências drásticas. Era no palco que eu procurava ‘soltar os bichos'», relata a atriz.

Embora não se tenha uma estimativa oficial da quantidade de pessoas trans no Brasil, estudos da revista The Lancet de 2016 apontam que esse percentual gira em torno de 0,4% e 1,3%. Isso quer dizer que podem existir entre 752 mil e 2,4 milhões de brasileiros que se identificam com a história de Maura.

«É mais comum as pessoas procurarem na fase adulta, mas temos vários casos aqui no consultório de famílias que procuram tratamentos para crianças já na primeira infância», afirma Saadeh. Com isso, a pessoa diminui a quantidade de cirurgias que teria que realizar no futuro, uma vez que poderá fazer o bloqueio hormonal na puberdade.

Mesmo assim, não existe uma idade definida como limite para a cirurgia. O paciente mais velho do psiquiatra tinha 70 anos. «Esse foi um paciente que me marcou muito. Ele era de Minas Gerais, com idade avançada e uma história de muito sofrimento por conta da repressão», lembra.

 

Avanços

O SUS ainda realiza poucas cirurgias, quando comparado com outros países do mundo. Até meados de 2017, foram cerca de 400 operações foram realizadas pela rede pública. E a fila de espera também aumentou e pode chegar a seis anos. «É preciso aumentar o número de cirurgias feitas por ano», opina o coordenador do HC. «Em todo o país, existem apenas cinco centros médicos que operam, para atender toda essa população no Brasil».

A rede pública fornece todos os procedimentos necessários, desde as terapias e hormônios, até os moldes. Contudo, segundo o Ministério da Saúde, a responsabilidade de ampliar o número de cirurgias e acompanhamentos é dos gestores locais.

 

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