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Por que o hábito dos empresários suecos de não ostentar seu sucesso pode prejudicar os negócios

A Suécia é um dos países mais inovadores do mundo, mas sua cultura de trabalho pode estar impedindo suas empresas de tecnologia a chegarem ainda mais longe.

A Suécia é um dos países mais inovadores do mundo, mas sua cultura de negócios desencoraja que alguém se gabe desse sucesso. No fim, essa humildade é algo que ajuda ou atrapalha quando o assunto são startups, como são chamadas as novas empresas de tecnologia?

De companhias de renome como Spotify e Skype a líderes do mercado de games como King e Mojang e de negócios de pagamentos digitais como iZettle e Klarna, a Suécia é hoje um centro global de tecnologias revolucionárias.

Apesar de ter apenas 10 milhões de habitantes, que ocupam um território conhecido por sua natureza selvagem, a nação nórdica criou em anos recentes mais negócios bilionários per capita do qualquer outro lugar fora do Vale do Silício, nos Estados Unidos. No mês passado, o país ficou em primeiro na Europa no ranking de inovação global da agência Bloomberg.

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A história por trás do sucesso de suas empresas de tecnologia normalmente giram em torno de alguns fatores.

O país tem uma boa infraestrutura digital, uma população com um alto nível educacional, uma força de trabalho versada em tecnologia e um tamanho de população ideal para testar inovações.

E, para os donos das ideias que acabam não saindo do papel, há um sólido sistema de bem-estar social para ajudá-los a se reerguer.

Mas, desde a morte do fundador da megaempresa de mobiliário Ikea, Ingvar Kamprad, cujos obituários destacavam sua humildade e frugalidade, essas características enraizadas na cultura do país voltaram a chamar atenção.

Observadores globais e locais desse ambiente de negócios questionam como elas moldaram e continuam a moldar a economia pulsante da Suécia, inclusive sua série de empresas de tecnologia.

"Tente vangloriar-se o mínimo possível e buscar um consenso para que todo mundo esteja em sintonia" continua a ser uma das práticas mais comuns nos locais de trabalho suecos, diz Lola Akinmade Akerstrom, uma ex-programadora e autora de Lagom: The Swedish Secret of Living Well ("Lagom: O Segredo Sueco Para Se Viver Bem", em tradução livre, de 2017).

Enquanto o discurso usado em outros centros de inovação do mundo é mais de como presidentes de empresa celebridades "fazem um trabalho arrasador" em seus cargos, em negócios suecos o importante é "unir a todos e garantir que suas vozes sejam ouvidas igualmente para que se possa chegar à melhor solução possível juntos", diz Akerstrom.

Ninguém é melhor que ninguém

Ao menos parte dessa cultura baseada no consenso tem origem no que os suecos chamam de Jantelagen (Lei de Jante, em tradução livre), nome que vem da cidade de Jante, retratada em um romance de 1933 do autor dinamarquês-norueguês Aksel Sandemose.

Ela descreve uma tradição centenária que desencoraja a ostentação da riqueza ou do sucesso e a subversão a hierarquias. Em outras palavras, ninguém deve se considerar melhor do que outra pessoa.

"No local de trabalho, a Jantelagen cria um ambiente mais colaborativo, em vez de um mais competitivo, porque busca remover os pontos de atrito gerados pela concorrência e o sentimento de que você é superior aos outros", explica Akerstrom.

Em uma região montanhosa a cerca de 640 km ao norte da capital Estocolmo, esse conceito vem sendo discutido em encontros a base de xícaras de café forte no escritório compartilhado House Be, que também funciona como um clube para funcionários do setor de tecnologia e fãs de atividade ao ar livre da cidade de Are.

Apesar de ter só 5 mil habitantes, Are tem a maior proporção de jovens empreendedores do país, segundo a Confederação de Empresas Suecas, com muitas pessoas sendo atraídas para lá pela chance de aproveitar as montanhas e fazer trilhas enquanto criam seus próprios negócios.

O início dessa comunidade de empreendedores se deu com a ex-gerente de expansão internacional do Spotify Ulrika Viklund. Ela argumenta que o aspecto mais positivo da Jantelagen na cena de startupsé que isso incentiva as pessoas "a se ajudarem mais".

"Geralmente não temos um chefão sentado no canto tomando todas as decisões", explica ela. "No Spotify, não seria possível ter sucesso sem essa cultura de trabalho em que todas as habilidades da companhia são utilizadas, porque todos podem ser inovadores e dizer o que acreditam ser a coisa certa a se fazer."

Rumo ao quinto negócio

O empreendedor Johan Formgren, antes baseado em Berlim, na Alemanha, diz que a tendência sueca de criar estruturas horizontais e de modéstia também ajuda a formar redes sólidas.

"Em Estocolmo, eu era parte de uma rede chamada SUP46, que dá acesso às maiores e mais bem-sucedidas empresas de tecnologia suecas. O fundador do Skype passava por lá uma vez por mês. Era uma pessoa acessível e que queria conversar com jovens empreendedores de tecnologia como nós."

Atualmente montando sua quinta empresa – que gira em torno de uma ferramenta digital de recursos humanos – nas montanhas nevadas de Are, Formgren já levantou "cerca de meio milhão de dólares" em investimentos para sua mais recente empreitada.

Ainda assim, é importante notar que ele só divulga esse detalhe após 30 minutos de conversa. E é este aspecto da Jantelagen – evitar vangloriar-se – que muitos dizem prejudicar a cena de tecnologia sueca. "Isso torna mais difícil termos modelos para seguir", diz Wiklund.

"As pessoas que fazem sucesso não se atrevem a dirigir um carro de luxo, não se atrevem a mostrar quando fazem algo bom. Talvez isso tenha tornado mais difícil inspirar empreendedores."

O papel do marketing pessoal

Startups suecas atraíram US$ 1,6 bilhão (R$ 5,2 bilhões) em 2017, segundo o banco de dados europeu Dealroom.com, em comparação com US$ 3,6 bilhões (R$11,6 bilhões) na Alemanha e US$ 9,7 bilhões (R$ 28,4 bilhões) no Reino Unido.

Ainda que isso seja impressionante dado o tamanho da Suécia, a Jantelagen estaria impedindo empresas de chegar ainda mais longe?

"Pesquisas indicam que você recebe investimentos de acordo com o quanto você confia e se vangloria de sua ideia", diz Sofia Wingren, presidente da Hyper Island, uma escola de negócios em Estocolmo dedicada a preparar profissionais para o mercado de tecnologia.

Ela argumenta que os suecos tendem a "trabalhar em silêncio" para "aperfeiçoar" produtos antes de buscar fundos ou lançá-los no mercado.

A atual leva de estudantes da Hyper Island é menos tímida e tem uma mentalidade mais global do que gerações anteriores, mas uma parte importante dos ensinamentos da escola ainda busca tratar dessa questão.

"Temos muitas sessões em que mostramos aos alunos como se apresentar e a ser mais confiantes", diz Wingren.

Desafios no caminho

Fatores externos também têm um papel para que a Suécia mantenha sua reputação como um dos principais centros de inovação do mundo.

Uma grave crise imobiliária, impostos sobre opções de ações e leis de imigração duras estão no centro de um debate nacional sobre a capacidade do país de atrair os talentos necessários para ajudar as empresas desta pequena nação nórdica a concretizar suas ideias.

Enquanto isso, há o desafio de manter a ênfase na confiança e no consenso que caracterizam as práticas de negócios suecas diante da crescente competição global de outros centros de inovação e a rápida digitalização.

"O mundo está se movendo tão rápido que podemos não ter o tempo necessário para saber a opinião de todos", diz Akerstrom.

"A Suécia precisa achar um ponto de equilíbrio. Pegar as melhores partes da cultura de consenso e organização e se abrir para a criatividade e a flexibilidade e aos diversos pontos de vista e formas de trabalhar."

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