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Após 365 dias à frente da Prefeitura de São Paulo, permanência de Doria ainda é dúvida

Desgastado por viagens constantes e ainda longe de cumprir suas metas de zeladoria, tucano honrou as promessas de aumentar a velocidade nas marginais, congelar a tarifa e zerar a fila por exames. Mas a dúvida permanece: será que ele vai até o fim do seu mandato?

Marcelo Chello/CJPress/Folhapress

Estreante em eleições, o empresário João Doria (PSDB) foi eleito prefeito de São Paulo com promessa de que traria as boas práticas da iniciativa privada para a prefeitura e que trabalharia de modo diferente dos políticos tradicionais, categoria a que diz não pertencer.

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Para o professor de ciência politica do Mackenzie Rogério Baptistini, não foi bem isso que aconteceu. Em sua visão, o prefeito repetiu erros da velha política que tanto critica e ainda não se mostrou capaz “de costurar soluções compartilhadas”. “Neste primeiro ano, a cidade não conheceu a figura do gestor eficiente e viu os problemas herdados se agravarem.

Professor do mestrado em administração da Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado), Jésus de Lisboa Gomes é mais cauteloso. “O primeiro ano de governo não era para grandes novidades. A capacidade de Doria como gestor será posta à prova neste ano, quando irá governar com o seu Orçamento elaborado, e não o do seu antecessor”, avalia Gomes.

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A busca por soluções para os múltiplos problemas da cidade, no entanto, não é a única coisa no horizonte de Doria neste 2018. As eleições já estão afetando o prefeito, que mostrou seu “apetite” por outras cadeiras com poucos meses no poder. Em 2017, seu nome chegou a ser ventilado para a Presidência da República, mas a indicação esfriou com as manobras internas do seu padrinho político, Geraldo Alckmin, o eventual nome tucano ao Planalto.

Doria, no entanto, segue cotado para a disputa ao governo do Estado. Para isso, teria de deixar a prefeitura até abril. Em entrevistas recentes, o prefeito afirmou que cumprirá o mandato até 2020, mas é importante observar que o PSDB, há 24 anos no Palácio dos Bandeirantes, ainda não tem um candidato para disputar a sucessão de Alckmin.

Para Baptistini, o foco em outros cargos é prejudicial. “Padecemos de viver em uma cidade que serve de trampolim.”

 

Zeladoria
Logo nas primeiras horas de 2017, Doria se vestiu de gari, varreu a rua e reafirmou que priorizaria a zeladoria. Criou o Cidade Linda, fez mutirões, usou outros uniformes de trabalhador braçal, pilotou carrinho de mão, operou cortador de grama, pintou muros, mas não atacou os problemas de fato. As ações se mostraram pontuais. Sobraram buracos, mato alto, semáforos apagados. O Metro Jornal mostrou que no primeiro semestre a prefeitura atendeu apenas 4 em cada 10 pedidos feitos no 156, a maior parte por ações de zeladoria. A administração culpou a gestão passada, dizendo que havia demanda reprimida. Os problemas afetaram a avaliação do governo, cuja reprovação saltou de 13% para 39%, de acordo com o Datafolha. Doria disse que a insatisfação era, em parte, com a zeladoria e prometeu intensificar as ações. Atualmente, estão em vigor os programas Tapa-Buracos e Asfalto Novo para recapear as ruas, usando recursos de multas de trânsito. No caso da manutenção dos semáforos, a licitação foi questionada pelo TCM e por consórcios perdedores. Mas os que venceram a licitação já estão atuando.

Política
Gestor, e não político, Doria montou o secretariado trazendo empresários e nomes do governo Geraldo Alckmin (PSDB). Fez as prometidas visitas aos vereadores, mas não impediu o surgimento de um grupo “rebelde”, que se manteve na base de apoio, porém nem sempre votou com o governo – o que não chegou a provocar nenhuma derrota. O primeiro escalão teve baixas: Soninha (Assistência e Desenvolvimento Social), Patrícia Bezerra (Direitos Humanos), Eliseu Gabriel (Trabalho e Empreendedorismo) e Gilberto Natalini (Verde e do Meio Ambiente). Também trocou a controladora-geral, que combate a corrupção no governo, por alguém de sua confiança. Com o segundo escalão foi enfático e demitiu quem se envolveu em polêmicas, como o prefeito regional que reclamou da falta de verbas e o assessor flagrado dizendo que dificultaria o trabalho dos jornalistas.

 

Mobilidade urbana
Como prometido, Doria elevou os limites de velocidade nas marginais. Com a mudança, também subiu o número de acidentes, dado contestado pela prefeitura, que alega não haver relação com o aumento das máximas. Foram 284 acidentes com vítimas e 20 mortes até agosto em 2017 e 335 acidentes e 19 mortes no mesmo período em 2016, segundo a CET. A Polícia Militar aponta 1.449 acidentes até novembro contra 1.218 em todo 2016. Doria sustentou a promessa de não reajustar a tarifa nos ônibus no primeiro ano, mas subiu, em parceria com o Estado, o custo da integração com trens e metrô. Para 2018, anunciou o fim do congelamento, e a tarifa básica vai de R$ 3,80 para R$ 4 a partir deste domingo. Os termos da licitação que vai renovar o serviço dos ônibus saíram só no fim do ano. É a partir daí que serão criadas as novas regras, como a modernização da frota, a mais velha desde 2003, como mostrou reportagem do Metro Jornal.

Viagens
Doria estreou em eleições com o apoio de Alckmin e, logo de cara, conseguiu feito inédito: vencer em primeiro turno a disputa pela prefeitura. O sucesso instantâneo, o ar de novidade e o discurso de gestor catapultaram o seu nome a uma eventual corrida pela Presidência da República. Ao mesmo tempo, Doria intensificou as viagens oficiais. Ao todo, deixou a prefeitura 47 vezes: foi da Coreia do Sul aos Estados Unidos, de Belém a Porto Alegre. A caravana foi interpretada como campanha antecipada e Doria entrou em choque com Alckmin, o provável candidato tucano à Presidência. O aumento dos problemas na capital e as críticas de que estava se ausentando muito, porém, fizeram cair a sua popularidade, enfraquecendo a sua indicação. Já fora da disputa, Doria agora faz coro para que Alckmin seja presidente e tem seu nome cotado para outra eleição: a do governo do Estado.

Saúde
Principal promessa de Doria na área da saúde, o Corujão reduziu a fila de espera por exames na rede pública com mutirão que incluiu 37 hospitais e clínicas privados. Em abril, a prefeitura anunciou que tinha zerado a fila deixada no fim de 2016, realizando 342 mil exames – mas uma nova fila com 87 mil pacientes à espera de procedimentos havia se formado, que seriam atendidos em 30 dias. A contratação “imediata” de 800 médicos, outra prioridade destacada em campanha, não foi a cabo, porém. Mesmo se alcançado, o número seria insuficiente: em agosto, o Metro Jornal revelou que a rede pública tem deficit de 2,3 mil médicos. Em maio, a prefeitura anunciou um novo mutirão, desta vez para zerar a fila de 68 mil pessoas que esperavam por cirurgia, mas esse prossegue: até dezembro, 21 mil procedimentos haviam sido realizados, segundo a Secretaria da Saúde. Mês passado, o Metro Jornal mostrou que 3.750 crianças precisavam ser operadas – a prefeitura informou que os procedimentos ortopédicos, maioria entre os pacientes, seriam incluídos em nova fase do mutirão. O Redenção, programa de tratamento de usuários de drogas que foi implantado na Cracolândia, conseguiu a internação voluntária de 3 mil pessoas.

Desestatização
O plano de concessões e privatizações de serviços públicos à iniciativa privada foi logo para a Câmara, mas não passou fácil. A oposição, e até a base aliada, bloquearam boa parte das votações, que se estenderam para além do prazo desejado pelo prefeito – fora os questionamentos do Tribunal de Contas do Município. No Legislativo, enquanto a oposição criticava que as propostas eram um “cheque em branco” ao prefeito, os aliados defendiam que os recursos gerados seriam aplicados em áreas sociais. Por fim, Doria viu ser aprovado um pacote mais enxuto que o original, mas que o libera para fazer negócios com os parques, terminais de ônibus e o Bilhete Único, entre outros. Os vereadores também aprovaram a concessão do estádio do Pacaembu e a venda do Anhembi. A privatização de Interlagos depende de segunda votação. A expectativa é assinar os contratos no começo de 2018.

Educação
Doria dizia que iria zerar a fila de vagas por creches no primeiro ano, mas, pouco depois de assumir, anunciou que criaria 65,5 mil vagas – o prazo foi dilatado para março de 2018. No plano de metas, o número incluído foi 85 mil. Na semana passada, a prefeitura divulgou que a fila estava em 44 mil crianças e que 26 mil vagas haviam sido criadas em 2017. A rede de ensino foi envolvida em uma polêmica pelo prefeito, que prometeu incluir a farinata, alimento ultraprocessado feito a partir de produtos perto da data de vencimento, na merenda escolar. A proposta pegou a pasta de surpresa e, após uma semana, Doria recuou. No âmbito do ensino fundamental, lançou seu currículo para 2018 antes da União, já incluindo aulas de programação para os estudantes da rede e há promessa de que as escolas sejam equipadas com computadores para que a disciplina seja ensinada.

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