Brasil

‘Habeas corpus do pobre não sai no jornal’, diz Gilmar Mendes

De Lisboa, em Portugal, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes conversou com José Luiz Datena na Rádio Bandeirantes sobre a polêmica dos habeas corpus concedidos a nomes envolvidos em casos de corrupção.

“Houve uma época, antes de múltiplas reformas, que a instrução criminal do réu preso terminava em 81 dias. Esse prazo foi se alargando com o acúmulo de ações na Justiça”, explicou o ministro. “Hoje temos presos provisórios há dois, três, quatro anos. O Brasil tem 700 mil presos e metade são de provisórios.Há algo errado com esse modelo que precisa ser discutido.”

Gilmar pontuou que vários casos chegam ao STF para análise. “Tem [caso de] furto de goiana, de bambolê, de chinelo”, exemplifica. “Nós examinamos essas prisões provisórias como um todo e libertamos, mas, em geral, a notícia do habeas corpus do pobre não sai no jornal.”

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O ministro diz ainda que essas prisões provisórias têm sido usadas com o objetivo de que o acusado firme um acordo de delação premiada. “Em linguagem vulgar, isso significa que essas prisões têm sido utilizadas como método de tortura.”

Na conversa, ele lembrou o caso do mensalão. “Nós punimos alguns e absolvemos outros. Não teve um réu preso. Esse argumento de que todo mundo precisa estar preso é bobagem. É preciso que o processo ande e depois se defina isso [sobre a prisão].”

Gilmar defendeu a prisão provisória quando existe o risco de fuga. “A Constituição nos dá outros pressupostos, como a tornozeleira eletrônica, a prisão domiciliar ou recolhimento”, enumera.

Ele também criticou as conduções coercitivas. “Nesse modelo autoritário, afeta também a vida do cidadão que está batendo palmas para isso. Toda hora tem invasão de casa nas conduções coercitivas. Passa a ser normalizado e aceito.”

Vexame nacional

Gilmar Mendes criticou ainda o “heroísmo” que procuradores a frente da Lava Jato tendem a ostentar. “As operações [da Polícia Federal] têm que seguir o devido processo legal e parar com essa coisa de heroísmo. Façam bem o seu papel e parem de querer reescrever o direito penal.”

Para o ministro, o STF cometeu erros esses ano, como quando deu curso ao que chamou de “populismo judicial” que referendou, por exemplo, a delação de Joesley Batista no caso JBS. “Esse é um dos graves erros do Judiciário porque, logo em seguida, veio a confissão de que tudo era marmota feita pelos próprios. O pior de tudo é que a fraude não foi descoberta porque a Justiça atuou, mas porque os mesmos se gravaram. É um grande vexame nacional”, define.

Mudando a postura, Gilmar, porém, disse reconhecer o “importante trabalho de investigação” da Operação Lava Jato. “Mas nem por isso vou validar qualquer prática autoritária dessas pessoas.”

Lula

Gilmar Mendes comentou ainda sobre o risco do ex-presidente Lula (PT) ser preso caso condenado em segunda instância. “A questão nem é essa. Se for condenado em segunda instância, pela lei da ficha limpa, Lula fica inelegível. E essa lei, vale lembrar, foi amplamente apoiada pelo governo do PT.”

A Suprema Corte tem discutido a validade da prisão em segundo grau. “O juiz [de segunda instância] pode determinar a prisão, mas isso não quer dizer que seja em caráter imperativo. Na prática, já ocorreu isso, inclusive em casos da Lava Jato. No STF, já mantivemos [a prisão] em alguns casos, em outros não. Isso será algo que entrará em discussão [no Supremo] ano que vem”, adianta.

Perseguição

Por fim, o ministro refutou que esteja sendo “perseguido” por suas decisões, principalmente as que envolvem a concessão de habeas corpus. “Estou certo das decisões, até porque elas têm sido confirmadas pelos outros ministros da turma. Estou de bem com a vida, sou reconhecimento academicamente; estou tranquilo. Sinto que estou do lado vencedor, de quem defendeu o Estado de Direito”, conclui.

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