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Quem são os 165 grupos paramilitares que atuam nos Estados Unidos

Braço armado do chamado Movimento Patriota, eles se dizem dispostos a usar armas para defender o que acreditam ser ameaças à liberdade de expressão e ao direito de portar armas.

Eles se vestem com roupas de combate e carregam armas de uso militar. Dizem ser extremamente patrióticos e seus grupos têm nomes como Oath Keepers (Mantenedores do Juramento, em tradução livre), Three percenters (Os três porcento) e Posse Comitatus (Força do Condado, em tradução livre, e também o nome de uma lei americana que permite que um agente da lei recrute um civil para ajudá-lo a manter a ordem).

Os grupos também fazem patrulhas em seus estados e treinam operações relâmpago simuladas com munição real.

Mas eles não fazem parte das Forças Armadas ou das forças de segurança dos Estados Unidos, como pode parecer. Estes homens pertencem ao chamado "movimento patriota".

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São centenas de grupos paramilitares cuja missão, dizem, é evitar uma guerra contra o governo e "proteger as liberdades civis".

"O movimento das milícias, como é conhecido, são grupos extremistas antigoverno que começaram a ganhar força nos anos 1990", explica Mark Pitcavage, pesquisador do Centro de Extremismo da Liga Antidifamação dos Estados Unidos.

"Sua ideologia está baseada em teorias da conspiração globais sobre ameaças à paz e à estabilidade, e eles acreditam que o governo federal está colaborando com estas conspirações."

Segundo Pitcavage, estes militantes "dizem que o governo está tentando tirar suas armas, privar-lhes de seus direitos e libertades e que eles precisam lutar contra isso."

‘Ódio organizado’

De acordo com os dados da ONG Southern Poverty Law Center (SPLC), que monitora o que chama de grupos de ódio e extremistas nos Estados Unidos, atualmente há 623 grupos no movimento patriota.

Deles, 165 são milícias que formam o "braço armado" do movimento.

Os grupos variam em tamanho. Alguns têm dezenas de seguidores. Outros, como os Three Percenters (Os três porcento), contam com cerca de 10 mil membros.

"Eles estão espalhados por todo o país. Querem ser soldados, se organizam em rankings dentro dos grupos, chamados de batalhões ou regimentos. Na verdade, são grupos extremistas e estão muito bem armados."

Os objetivos específicos variam de um grupo a outro, porque o que os une é uma característica fundamental: sua desconfiança do governo e das estruturas do Estado, que vêem como seu principal inimigo.

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Seu objetivo é defender o que eles enxergam como ameaças fundamentais à liberdade de expressão e ao direito de portar armas.

"E eles estão preparados para usar suas armas para restaurar o que dizem ser ‘o plano perfeito dos Pais Fundadores dos Estados Unidos’", explica o especialista à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

Raízes racistas e antissemistas

Alguns destes grupos fazem parte do movimento dos "sobrevivencialistas", que estão se preparando para um futuro distópico no mundo. Outros são partidários da extrema direita.

"Se revisarmos a história americana vemos que essas milícias armadas existiram nesse país desde seu início", diz Carolyn Gallaher, professora da Universidade Americana em Washington e autora do livro On the Fault Line: Race, Class and the American Patriot Movement (Na falha geológica: raça, classe e o movimento patriota americano, em tradução livre).

"E parte da sua existência tem a ver com a forma como os primeiros imigrantes chegaram aqui, quando não havia forças de polícia nem militares estabelecidas. Eles tinham que criar suas próprias milícias para se protegerem", disse à BBC Mundo.

As milícias modernas também têm raízes em organizações racistas e antissemitas que floresceram entre os anos 1970 e 1980, como o chamado Christian identity (Identidade cristã, em tradução livre) e o Posse comitatus, que propagaram teorias conspiratórias de que o governo federal era uma ameaça ao povo americano.

‘Terceira força’

Agora eles costumam ser vistos em eventos polêmicos como a manifestação de grupos de extrema direita em Charlotesville no último mês de agosto.

Eram dezenas de homens com uniforme de combate e coletes à prova de balas, carregando rifles de assalto e comunicando-se entre si com rádios e fones de ouvido.

Muitos se perguntaram quem eram esses indivíduos. A quem questionasse, eles se autointitulavam como "uma terceira força", uma linha auxiliar da força policial, e que estavam ali para "defender a liberdade de expressão".

"É assim que eles estão se posicionando ‘com Deus e com o diabo’", diz Mark Pitcavage, da Liga Antidifamação.

"Eles aparecem nestes eventos e se posicionam como uma terceira força e dizem coisas como ‘queremos proteger a liberdade de expressão de todos, queremos manter a paz, queremos apoiar a polícia’, alguns deles até condenam os supremacistas brancos."

Apesar de sua ideologia aproximá-los da extrema direita, no entanto, o especialista diz que eles não devem ser confundidos com os supremacistas brancos.

"Eles não são supremacistas. É um movimento extremista antigoverno. Inclusive há algumas pessoas não brancas no movimento, apesar de a maioria ser de brancos."

Mais grupos com Obama, menos com Trump

Segundo o SPLC, "o número de grupos do movimento patriota disparou de 149 em 2008 para 1.360 em 2012, em grande parte como reação à eleição de Barack Obama".

"Como sua ideologia está intensamente centrada no governo federal como seu principal inimigo, o movimento patriota aumentou drasticamente quando a nação estava sendo conduzida por um homem negro", diz a organização.

Mas, no último ano, houve uma mudança notável no movimento: eles têm afinidade com Donald Trump e simpatia por seu governo.

"O movimento patriota vê Trump como um governo com o qual pode trabalhar", disse Carolyn Gallaher.

"Alguns grupos indicaram que estão dispostos a fazê-lo. Mas há outras milícias, principalmente no ocidente do país, que mantêm uma longa disputa com o governo federal pelo controle de terras. E não acredito que essa indignação mude com Trump."

Por sua vez, Pitcavage acredita que as milícias vão continuar com suas atividades, mesmo durante a administração atual. Mas ele diz que ainda é cedo para saber.

"Alguns continuarão sendo antigoverno. Alguns meses atrás um membro de uma das milícias foi preso na cidade de Oklahoma por planejar explodir um banco", afirma.

"Em outubro foi descoberto um complô de uma milícia no Kansas para explodir um prédio que abrigava imigrantes somalis."

Segundo o Southern Poverty Law Center (SPLC), mesmo que o movimento patriota e seus grupos armados sejam reduzidos, "a extrema direita e os grupos de ódio que operam no país continuam com um aumento sem precedentes".

Depois de meio século relegada às margens da sociedade, os EUA parecem viver algo sem precedentes, e possivelmente duradouro: a entrada da direita radical no discurso político convencional.

O número de grupos de ódio que operam no país continua aumentando – foram 917 em 2016.

A mudança mais dramática no último ano, segundo o SPLC, foi "o aumento de 197% dos grupos de ódio a muçulmanos, que foram de 34 em 2015 para 101 em 2016".

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