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Quem é Emmerson Mnangagwa, o político que acabou com a era Mugabe no Zimbábue

Ascensão do vice-presidente, destituído do cargo há duas semanas por ‘traição’, divide opiniões

Não é segredo para ninguém no Zimbábue que há muito tempo Emmerson Mnangagwa, destituído recentemente do cargo de vice-presidente sob a acusação de «traição», queria suceder Robert Mugabe no comando do país.

E Mugabe parece ter brincado com seus sentimentos – promoveu Mnangagwa a posições de destaque no partido Zanu-PF e no governo, levando a especulações de que ele seria seu «herdeiro natural», mas tratou de tirá-lo rapidamente de cena assim que mostrou mais claramente suas ambições.

Tudo indica que a demissão fez Mnangagwa (pronuncia-se «Munangagua») perder a paciência. E seus aliados dentro das forças de segurança intercederam em seu favor, uma operação que culminou na renúncia de Mugabe na terça-feira – e resultará na sua posse como presidente do país na próxima sexta-feira.

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Aos 93 anos, Mugabe era o chefe de Estado em exercício mais velho do mundo. Comandava o país africano desde a independência do Reino Unido, em 1980.

Mas quem espera que uma eventual gestão de Mnangagwa, conhecido como «o crocodilo», represente o fim das violações de direitos humanos no Zimbábue pode estar enganado. Segundo os críticos, o político de 71 anos também tem as mãos sujas de sangue.

O grupo que lutou na guerra civil da década de 1970 está no controle do país desde a independência. Temendo perder o poder caso a então primeira-dama, Grace Mugabe, assumisse o lugar do marido na Presidência, como parecia estar planejado, eles intervieram.

Após a demissão de Mnangagwa, o general Constantino Chiwenga, um de seus grandes aliados, criticou a «purga que visava claramente atingir membros do partido com histórico de libertação», em uma referência clara à destituição do vice. E advertiu:

«Quando se trata de proteger a nossa revolução, os militares não hesitarão em intervir.»

A ameaça foi então concretizada.

Conexão Congo

Mnangagwa nasceu na região central de Zvishavane, no Zimbábue, e pertence ao subgrupo Caranga, o maior do povo Xona, principal etnia do país.

Após 37 anos de dominação do subgrupo Zezuru, a que pertence Mugabe, os carangas sentem que agora é a sua vez de assumir o poder.

De acordo com relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2001, Mnangagwa era visto como «o arquiteto das atividades comerciais do Zanu-PF».

O título se deve em grande parte às operações do Exército do Zimbábue e empresários na República Democrática do Congo.

As tropas zimbabuanas intervieram no conflito do Congo ao lado do governo e, assim como as forças de outros países, foram acusadas ​​de usar o conflito para saquear recursos naturais valiosos, como diamante, ouro e outros minerais.

Mas, apesar do seu papel na arrecadação de verba, Mnangagwa, um advogado que cresceu na Zâmbia, não é muito benquisto pela base de seu próprio partido.

Um veterano da guerra de independência, que trabalhou com ele por muitos anos, resume:

«Ele é um homem muito cruel, muito cruel.»

Outro membro do Zanu-PF faz um questionamento interessante quando perguntado sobre suas expectativas em relação a Mnangagwa:

«Você acha que Mugabe é ruim, mas já parou para pensar que quem vai vir depois dele pode ser ainda pior?»

Má reputação

Blessing Chebundo, candidato da oposição que derrotou Mnangagwa na campanha parlamentar de 2000, em Kwekwe Central, também concorda que seu rival não é um homem de paz.

Em uma campanha violenta, Chebundo escapou da morte por um triz após ser sequestrado por jovens do Zanu-PF, que chegaram a jogar gasolina nele, mas não conseguiram acender o fósforo.

A temível reputação de Mnangagwa tem origem na guerra civil que estourou na década de 1980 entre seu partido, o Zanu, e o Zapu, de Joshua Nkomo.

Como ministro da Segurança Nacional, Mnangagwa ficou à frente da Organização Central de Inteligência (CIO, na sigla em inglês), o que caiu como uma luva para o Exército suprimir o Zapu.

Milhares de civis inocentes – principalmente da etnia Ndebeles, apontada como simpatizante do Zapu – foram mortos antes que os dois partidos se fundissem para formar o Zanu-PF.

Entre inúmeras outras atrocidades, os aldeões foram forçados a dançar sob a mira de uma arma nas sepulturas recém-escavadas de seus parentes e a cantar slogans pró-Mugabe.

Apesar da assinatura do acordo de unidade nacional, em 1987, as feridas ainda não foram cicatrizadas, e muitos membros do partido, para não dizer eleitores, da região de Matabeleland são relutantes em apoiar uma gestão de Mnangagwa.

Treinamento na China

Mnangagwa conta, no entanto, com o apoio de muitos dos veteranos de guerra que lideraram uma campanha violenta contra agricultores brancos e oposicionistas a partir de 2000.

Esse grupo lembra dele como um dos homens que, após treinamento militar na China e no Egito, comandaram a luta pela independência do país nos anos de 1970.

Ele também frequentou a Escola de Ideologia de Pequim, dirigida pelo Partido Comunista Chinês.

O perfil oficial de Mnangagwa diz que ele foi vítima de violência do Estado após ser preso pelo governo da minoria branca na antiga Rodésia, em 1965, quando a «gangue do crocodilo» que ele liderava ajudou a explodir um trem perto de Fort Victoria – hoje Masvingo.

«Ele foi torturado gravemente, o que resultou na perda da audição em um dos ouvidos», diz o texto. «Parte das técnicas de tortura envolvia ser pendurado pelos pés no teto, com a cabeça para baixo. A gravidade da tortura o deixou inconsciente por dias.»

Como Mnangagwa tinha menos de 21 anos na ocasião, não foi executado, mas condenado a dez anos de prisão.

«Ele tem cicatrizes desse período. Era jovem e corajoso», diz um amigo próximo de Mnangagwa, que pediu para não ser identificado.

«Talvez isso explique por que ele é insensível. Coisas horríveis aconteceram com ele quando era jovem», avalia.

Sorvete envenenado?

Sua primeira derrocada aconteceu em 2005, quando perdeu o cargo de secretário de administração do Zanu-PF, posição que lhe permitiu nomear aliados para posições estratégicas no partido.

Isso aconteceu após relatos de que Mnangagwa estava em campanha forte para assumir o cargo de vice-presidente.

Mas depois que Mugabe perdeu o primeiro turno das eleições presidenciais para Morgan Tsvangirai, seu antigo rival, em 2008, houve rumores de que Mnangagwa teria orquestrado a campanha de reação do Zanu-PF, coordenando as estratégias do partido com a inteligência e o Exército.

As forças de segurança militar e do Estado desencadearam uma campanha violenta contra partidários da oposição, deixando centenas de mortos e desabrigados.

Tsvangirai então retirou sua candidatura no segundo turno, e Mugabe foi reeleito.

Mnangagwa não comentou as acusações de que estaria envolvido no planejamento dos atos de violência. Mas uma fonte do departamento de segurança do partido confirmou mais tarde que ele era o elo político entre o Exército, a inteligência e o Zanu-PF.

«Ele consegue acordos de finanças do partido, organiza a campanha que liga a segurança e o governo. Ele tem a atenção de Mugabe em tudo», afirmou essa pessoa à época.

Mas isso mudou depois. A rivalidade com a então primeira-dama, Grace Mugabe, ganhou contornos insólitos em agosto deste ano, quando Mnangagwa passou mal durante um comício liderado pelo agora ex-líder e teve que ser levado de avião para a África do Sul.

Os partidários do então vice-presidente sugeriram que um grupo rival dentro do Zanu-PF o havia envenenado e insinuaram que a culpa era do sorvete produzido pela empresa de produtos lácteos da primeira-dama.

Parece que, ao competir com Mnangagwa, Grace Mugabe comprou uma briga maior do que imaginava.


Emmerson Mnangagwa em tópicos

– É conhecido como «o crocodilo» por sua astúcia política – sua ala no Zanu-PF é chamada de «Lacoste» (marca de roupas que tem como símbolo um jacaré).

– Recebeu treinamento militar na China e no Egito.

– Foi torturado pelas forças da Rodésia após ataques organizados por sua «gangue de crocodilos».

– Atuou diretamente na guerra de independência do Zimbábue na década de 1970.

– Tornou-se o principal espião do país durante o conflito civil dos anos 1980, em que milhares de civis foram mortos, mas negou qualquer papel nos massacres, culpando o Exército.

– É visto como o elo-chave entre o Exército, as agências de inteligência e o partido Zanu-PF.

– É acusado de planejar ataques a integrantes da oposição após as eleições de 2008.

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