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Gestão Doria dificulta acesso a dados e viola Lei de Acesso à Informação

Tom Vieira Freitas /Fotoarena/Folhapress

Gravação oficial de reunião da Comissão Municipal de Acesso à Informação (Cmai) obtida pelo Estado mostra que a gestão João Doria (PSDB) viola a Lei de Acesso à Informação (LAI). Em áudio de uma 1h10, o chefe de gabinete Lucas Tavares, número 2 da Secretaria Especial de Comunicação, age para dificultar o acesso de jornalistas a dados solicitados. Ele afirma que, dentro do que for «formal e legal», vai «botar pra dificultar» e que, se a resposta demorar a chegar, o jornalista vai «desistir da matéria». Para especialistas, a prática pode constituir improbidade administrativa e prevaricação. A Prefeitura nega irregularidades.

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Em vigor no País desde 2012, a lei foi criada para garantir o acesso da população a informações de órgãos públicos. O pedido pode ser feito por qualquer cidadão, independentemente do motivo, e tem de ser respondido sempre que a informação existir. Considerando o princípio de impessoalidade na administração pública, a solicitação deve ser analisada pelo órgão sem levar em consideração o autor.

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A preocupação da Prefeitura é com informações que atingem pontos sensíveis para a gestão, como o número de operações tapa-buraco e de fiscais nas prefeituras regionais e os dados da Saúde, por exemplo. «Como buraco é sempre matéria por motivos óbvios – a cidade parece um queijo suíço, de fato -, e a gente está com problema de orçamento, porque precisaria recapear tudo, então tem matéria nisso. Agora, dentro do que é formal e legal, o que eu puder dificultar a vida da Roberta (Roberta Giacomoni, jornalista da TV Globo), eu vou botar pra dificultar, sendo muito franco», diz Tavares ao analisar pedido da profissional, que foi indeferido. Na reunião, ocorrida em 16 de agosto, na Controladoria-Geral do Município, estavam outros sete representantes da Prefeitura, entre técnicos, secretários adjuntos e a então controladora-geral, Laura Mendes.

Pela lei, o órgão que recebe a solicitação deve fornecer a informação imediatamente, se ela estiver disponível, ou em um prazo de até 20 dias, prorrogável por mais 10, se houver justificativa. Se mesmo assim não houver resposta, a Controladoria-Geral do Município emite um ofício ao órgão, solicitando a resposta. Se o retorno for considerado insuficiente ou incompleto pelo autor, a demanda é julgada pela Cmai, que se reúne mensalmente.

Na prática, o número de pedidos sem resposta subiu de 90 (4%) para 160 (6%) entre janeiro e maio deste ano (maior série histórica possível segundo dados divulgados pela Prefeitura), ante o mesmo período de 2016. Já o número de solicitações que tiveram prazo prorrogado aumentou de 295 (13%), em 2016, para 521 (19%). A Prefeitura aponta que os indeferimentos (informação não fornecida com justificativa) vêm caindo desde 2013 e sugeriu ao Estado uma análise «qualitativa».

Ao fazê-la, a reportagem encontrou pedidos sem retorno por mais de 60 dias e respostas genéricas, que mandam o solicitante buscar os dados no Diário Oficial da Cidade sem informar data ou página. A lei prevê como punições por seu descumprimento advertência, multa e rescisão do vínculo com o poder público, entre outros.

Na gravação, Tavares demonstra saber quem são os autores dos pedidos analisados na reunião. «Ela (Roberta Giacomoni, jornalista da TV Globo) é hoje, junto com o Toledo (quem mais pede informações pela lei), acho que ela já passou o Toledo. Eu tenho um ‘ranquezinho’ mental aqui dos caras, dos jornalistas que pedem. Ela, o William Cardoso (repórter do Agora São Paulo) e o Luiz Fernando Toledo, do jornal O Estadão de S. Paulo, são os caras que mais pedem. O Toledo pede da Cultura à Smads (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social), cara. A Roberta também, porque eles pedem esse trem e fazem uma produção.»

Conduta

Para a desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça paulista, a conduta pode envolver dois tipos de ilícitos: «no âmbito administrativo, em que a autoridade superior do funcionário deve apurar, e no criminal ou civil, de improbidade administrativa e eventual prevaricação, se comprovada vontade deliberada de não informar em razão pessoal», diz. «É premissa básica do Direito Administrativo a impessoalidade da administração pública.» O crime de prevaricação pode levar à detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa.

«(A prática) está prejudicando o acesso à informação – seja por quem for, e ser jornalista não faz diferença. Pela lei, é conduta ilícita a recusa desmotivada de fornecer informações, retardar deliberadamente ou fornecê-la intencionalmente de forma incorreta ou imprecisa», diz a professora da pós-graduação em Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP) Vera Monteiro.

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O áudio obtido pelo jornal O Estado de S. Paulo mostra que, para dificultar o acesso a dados públicos, a Prefeitura diz não ser possível reunir informações de vários órgãos regionais em uma única resposta. Em março, a própria gestão havia encaminhado ao Estado informações semelhantes, de modo centralizado. Chefe de gabinete da Comunicação, Lucas Tavares também sugere que um repórter busque pessoalmente dados que deveriam estar na internet.

Na reunião, é analisado pedido da produtora Roberta Giacomoni, da TV Globo, que havia solicitado à Secretaria Municipal das Prefeituras Regionais (SMPR) dados sobre tapa-buraco de cada regional. Isso chegou à comissão porque a pasta indicou que ela deveria pedir o dado a cada regional, pelo fato delas terem independência administrativa. «Roberta Giacomoni, que é uma das produtoras mais chatas que existem no planeta Terra. Ela que peça para cada uma das 32 regionais», diz Tavares.

Um servidor conta a Tavares que Roberta já pediu o dado a cada regional, mas que as respostas foram enviadas sem padrão. O servidor lembra que, até 2016, a Secretaria das Prefeituras Regionais concentrava informações em uma só resposta. Tavares faz a ressalva de que «o melhor dos mundos» seria ela ter a informação e os dados online, mas sugere indeferimento.

A indicação de fazer o pedido a cada regional também tem sido feita a repórteres do jornal O Estado de S. Paulo, com ao menos quatro casos no segundo semestre deste ano.

Outro recurso analisado é de William Cardoso, do jornal Agora São Paulo. O repórter pede que um arquivo seja compartilhado pela internet, e não pessoalmente, como sugere a Prefeitura. Os técnicos dizem que o compartilhamento online é o correto, mas Tavares intervém.

«Ele (o órgão municipal) está cumprindo a lei oferecendo (os arquivos) no local?» Um técnico diz que sim. «Então deixa dar. Agora vou ser um pouco político. Vou ser mauzinho, não bonzinho. Ele que vá lá pegar.» Um servidor diz ser «informação de direito público» e, por isso, a medida não era indicada para o caso. Uma participante afirma: «Tem de reforçar que está à disposição lá e tem limitações técnicas. Quando for possível, vai ser disponibilizado online». E Tavares completa: «Aí demora dois meses para disponibilizar. Ele desiste da matéria».

Decisões são técnicas, afirma Prefeitura

A Prefeitura negou, por nota, irregularidades no cumprimento da Lei de Acesso à Informação. A gestão afirma que o jornalista e chefe de gabinete Lucas Tavares adota como critério «a defesa da transparência» e aponta atas de outras reuniões da Comissão Municipal de Acesso à Informação (Cmai).

«As reuniões da Cmai sempre tiveram clima informal – se o Estadão, por ventura, tivesse acesso a outros áudios, notaria tal fato. Por serem informais, alguns comentários resvalavam em ironias ou em desabafos. As falas não implicam que Lucas Tavares tenha contrariado a lei. A votação foi técnica.»

A reportagem solicitou os outros áudios, mas a Prefeitura disse que eles foram destruídos, pois são usados só para produção de atas. O governo destacou ainda a fala de Tavares na reunião em que aponta que os dados públicos «deveriam estar num site».

As atas mostram só parte das reuniões – comentários informais e votações individuais são descartadas, de modo que não é possível saber como o jornalista se posicionou em cada caso. «Tavares somente votou pelo indeferimento de pedidos que ou contrariavam a legislação ou já haviam sido atendidos em instâncias inferiores», disse a Prefeitura, ressaltando que os membros da comissão não sabem de quem são os pedidos. «Obviamente, às vezes, pela natureza do pedido, é possível deduzir se tratar de solicitação de jornalistas – mas isso, como se pode ver ao analisar os votos de Tavares, não foi fator levado em conta no julgamento.»

Sobre o caso do Agora São Paulo, a gestão destacou que «não houve critérios diferenciados». «Frise-se, mais uma vez, que as decisões foram unânimes.» A Prefeitura destacou que o chefe de gabinete «conhece pessoalmente o jornalista citado» e «chega a rir, o que denota tom humorístico», mas que a definição foi «técnica». Já em relação ao pedido da TV Globo, disse que «os membros da Cmai decidiram manter as informações descentralizadas, uma vez que a Secretaria das Prefeituras Regionais alegava não poder apresentá-las de maneira centralizada.»

A Secretaria Especial de Comunicação ressaltou que o total de pedidos indeferidos vem caindo desde 2013. «O primeiro semestre de 2017 é o que possui o menor porcentual de indeferimentos dos últimos quatro anos.» O governo não respondeu sobre a piora nos índices de pedidos prorrogados nem dos que sequer foram respondidos, os chamados «recursos de ofício». Ressaltou ainda que o ideal é fazer análise qualitativa dos pedidos, e não quantitativa.

Procurada, a Rede Globo informou que o comentário de Tavares é visto pela emissora como um «elogio». «Mostra a persistência que todo jornalista deve ter na busca por informações ao público.» O Agora São Paulo disse desconhecer o «conteúdo do suposto áudio» e informou que não iria comentar. A ex-controladora Laura Mendes não respondeu à reportagem.

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