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Com acordos paralelos, empresários concentram até 16 boxes no Mercadão

Um dos principais pontos turísticos e gastronômicos da capital paulista, o Mercadão de São Paulo virou um local dominado por um grupo cada vez mais restrito de grandes comerciantes. Por meio de negociações paralelas de compra e venda de boxes públicos, permissionários tradicionais expandiram seus negócios ao longo dos anos driblando a legislação em vigor, que exige licitação para preencher as vagas.

Agora, o oligopólio das bancas é um desafio para o plano da gestão João Doria (PSDB) de concessão do espaço à iniciativa privada. Enquanto o processo se desenrola, empresários temem perder suas lojas com a privatização.

O caso mais emblemático é o da Banca do Ramon, que atua no Mercadão desde 1933, ano em que o histórico prédio da central de abastecimento de alimentos da cidade foi inaugurado no centro de São Paulo. Atual dono da banca, o empresário Aldemir Abdala adquiriu empórios de antigos permissionários nos últimos anos e hoje possui seis empresas que operam 16 boxes no mercado, segundo levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo no Diário Oficial e na Junta Comercial.

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É impossível ir ao Mercadão e não se deparar com uma das bancas do Ramon, que vendem uma enorme gama de produtos, como pescados, bebidas, massas e especiarias.

A expansão, contudo, fugiu do rito legal. Em 2001, um decreto assinado pela ex-prefeita Marta Suplicy (então no PT) definiu as regras dos mercados e sacolões da cidade, determinando que os Termos de Permissão de Uso (TPUs) – documento que autoriza o comerciante a ocupar um espaço público – são intransferíveis e só podem ser obtidos mediante licitação.

Segundo o decreto, o permissionário que desiste do box tem de avisar a Prefeitura antes de sair para que uma licitação seja feita para preencher a vaga. Na prática, porém, isso nunca ocorreu.

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Em 2012, por exemplo, a família Tercino desistiu da hortifrutícola que tinha desde 1985 no box 25 da Rua L. Em vez de devolver o ponto à Prefeitura, a empresa Frutícola Tercino foi comprada por Abdala, que conseguiu ainda a unificação com o box 23, de outro permissionário.

Em um despacho publicado no Diário Oficial naquele ano, a Coordenadoria de Segurança Alimentar e Nutricional (Cosan), que controla os mercados, autorizou a transferência do TPU, a entrada de Abdala como sócio e a alteração do ramo de atividade para lanchonete.

A reportagem tentou falar com Abdala por dois dias nesta semana, mas ele não retornou. Um gerente da Banca do Ramon que se identificou como Andonios disse que a negociação de boxes é feita há décadas: «Há 50 anos isso já existia. Então, o mercado inteiro é irregular».

O decreto de 2001 também proíbe a outorga de mais de um TPU para uma mesma empresa, no mesmo ramo de atividade e no mesmo mercado. A proibição se estende para o sócio ou cônjuge de qualquer sócio que já tenha uma permissão para ocupar um boxe.

O texto diz ainda que as transferências do TPU só podem ser feitas em caso de morte, invalidez ou aposentadoria do permissionário e para o seu cônjuge ou herdeiro. A regra também limita a unificação de até dois boxes e desde que eles tenham sido obtidos mediante licitação.

Outro caso

No caso do Hocca Bar, tradicional banca da década de 1950 que vende os famosos pastel de bacalhau e sanduíche de mortadela, isso não ocorreu. Em 2004, quando a Prefeitura reformou o mercado, a empresa da família de Horácio Ferreira Gabriel venceu a licitação e conquistou um dos oito boxes do mezanino recém-inaugurado. Foi a última concorrência feita para preencher vaga no local.

Em 2011, o Hocca Bar comprou um box que pertencia à permissionária Nancy Geraldi e unificou com outros que já possuía. Hoje, soma nove.

«A Prefeitura não aceita vender, então a gente faz isso por baixo dos panos», disse Nancy, que trabalha há 58 anos no Mercadão e hoje tem um box de massas na Rua I. A reportagem procurou o Hocca Bar, mas a empresa também não retornou.

O advogado José Américo Lombardi, vice-presidente da Comissão de Licitações e Contratos da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), defende que os casos levantados pela reportagem sejam auditados pelo Tribunal de Contas do Município (TCM). «Quando falamos de permissão de uso outorgada pelo poder público, não existe comércio particular. Essas permissões não são comercializáveis.»

Para André Castro Carvalho, advogado especialista em relacionamento público-privado, os TPUs obtidos mediante negociação particular são passíveis de anulação. «As restrições que o decreto impõe são para evitar o oligopólio e o abuso de poder econômico. Se a Prefeitura vai conceder o mercado, precisa dar um prazo para as empresas se regularizarem ou suspender as permissões adicionais.» As informações são do jornal «O Estado de S. Paulo».

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