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Com catálogo não comercial e serviços diversificados, videolocadoras resistem em Porto Alegre

O açaí é a lembrança de uma cafeteria que o comerciante Paulo Roberto Paranhos de Souza, 55 anos, montou em paralelo a sua locadora de vídeos, há dois anos, para enfrentar a crise econômica. A cafeteria, porém, “não deu muito certo”, e Paulo resolveu ficar apenas com o negócio original. Do estabelecimento fechado, restou o açaí, a R$ 5, que ainda vende à beça em meio aos DVDs.

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A Cia. do Vídeo é uma entre as 375 locadoras com alvará ativo na Prefeitura de Porto Alegre. Entretanto, o número atual deve ser menor porque muitas deixaram o ramo ou não atualizaram sua situação cadastral, segundo a Secretaria Municipal do Desenvolvimento Econômico. Já o proprietário da E o Vídeo Levou – nome inspirado no clássico “E O Vento Levou…”, de 1939, Alvaro Bertani, 52, chuta que o total de estabelecimentos não passe de cem na cidade.
O mercado das videolocadoras não é mais o mesmo. Paulo lembra com saudade dos tempos de ouro: há cerca de dez anos, chegava a locar 400 DVDs por dia. Hoje, não passam de 30, diária de R$ 5 a R$ 8. Há 21 anos no mesmo ponto – na esquina da avenida Loureiro da Silva com a rua Lima e Silva –, Paulo passou a conciliar a venda de açaí com a locação para fechar as contas e “ter um lucrinho”.
Começou também a vender parte do acervo – composto por cerca de 10 mil DVDs e blu-rays – pela internet. “Me baseio pelo Mercado Livre [site de vendas on-line], e vendo mais ou menos pela metade”, diz. Os preços na internet alcançam R$ 50. Os mais baratos, geralmente filmes blockbuster, custam R$ 5. O comerciante suspeita que demorou para entrar nos negócios on-line. “Eu perdi tempo e não vendi no começo.” Cinco anos atrás, pagava-se mais.
O perfil dos clientes remanescentes varia: vai de idosos a estudantes. Estes procuram adaptações de obras literárias, segundo Paulo. “Dá para perceber que eles já tiveram uma educação cinematográfica em casa”, diz.
Alguns frequentadores batem ponto quase todos os dias. “Eles procuram coisas diferenciadas”, observa. É o caso do aposentado José Vicente Salvamoura, 63, fã de cinema europeu. Detentor de uma “locadora privada” em sua residência, o cinéfilo queria saber se Paulo tinha o filme “As Brumas de Avalon”. O comerciante achou o DVD após um minuto de busca no acervo.
Enquanto isso, Salvamoura demonstrava saudade. “Eu faço parte da época em que o pessoal tomava banho para ir ao cinema. A gente via Ingmar Bergman [cineasta sueco, autor de “Morangos Silvestres”] e Michelangelo Antonioni [cineasta italiano, diretor de “Blow Up”].
Streaming americano
Seria a Netflix a causa da quebra das lojas que alugam vídeos? “Netflix é moda”, diz Paulo. Tanto o dono da locadora quanto o cliente acusam o domínio da multinacional americana que opera via streaming. “Os jovens só estão vendo enlatados, que não mostram a cultura da América Latina”, analisa Paulo. Salvamoura completa, exaltado: “Eu acho que é uma forma de imperialismo cultural”.
Além dos DVDs, Paulo vende jogos de PlayStation 3 e discos de blu-ray, os patinhos feios do acervo. “O blu-ray não deu certo, não pegou”, analisa. Diante das mazelas, o comerciante acredita que poderá encerrar suas atividades em breve. “Estou teimando [em continuar], mas uma hora vou ter que ceder”, diz.
Em meio à conversa, duas jovens chegaram ao local. Estavam à procura não de filmes, mas de uma tigela de açaí para se refrescarem naquela tarde quente.
Falta de produto
“O problema não é o cliente, e sim a falta de produto”, afirma Alvaro, dono da E o Vídeo Levou há 28 anos, localizada no bairro Jardim Botânico e uma das maiores do setor
Alvaro diz que os clientes ainda procuram títulos raros, mas não conseguem encontrá-los porque as distribuidoras restringem cada vez mais seus lançamentos. “Tenho cliente que quer produto novo e não vem. Várias distribuidoras fecharam ou lançam poucos filmes por mês”, sustenta.
A locadora de Alvaro possui em torno de 30 mil títulos. No auge, chegou a alugar, por mês, 18 mil. “Com o [surgimento do] DVD, teve um boom”, relembra. Hoje, o número de locações mensais não passa de 4,5 mil. Os preços das diárias variam entre R$ 7 e R$ 7,50.
Mesmo se o cliente fizer uma proposta muito boa, Alvaro não vende filmes de acervo, já que não há reposição para os discos. “Quase tudo é raro. Quando se perde algo, não se encontra mais”, diz.
Para driblar a crise e sobreviver em um mercado que diminui, Alvaro aposta na locação de games e boxes de séries, na venda de livros sobre cinema e de quadros que reproduzem cartazes de filmes icônicos como “Taxi Driver” e “Apocalypse Now”. Os negócios on-line são outro gerador de renda. “Vendo filmes para todo o Brasil”, diz.
A locadora já teve uma filial, no bairro Petrópolis, e chegou a contar com 15 funcionários. Hoje são sete, incluindo o dono. Alvaro resiste. Enquanto a claquete não sinalizar a gravação da última cena, sua locadora permanecerá viva. Para alívio dos cinéfilos.

O prazer de ver um filme
Quando surgiram as videolocadoras, a opinião geral era de que elas iriam acabar com as salas de cinema. Agora, com as opções de TV por assinatura e serviços de streaming, só as locadoras com algum diferencial sobreviveram no mercado – e o cinemão tradicional também precisou se reinventar, oferecendo filmes em 3D, Imax e até salas olfativas!
Assim como tudo na vida, o “ver” cinema é feito de ciclos. E aguardo, com boas expectativas, as novidades que o futuro nos reserva. Quem sabe não vem por aí uma imensa locadora virtual, com todos os filmes do mundo disponíveis? Só o que não vai mudar é o prazer cinéfilo de assistir a uma boa e grande história.

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