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31 de março marca 50 anos do golpe que instaurou a ditadura

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O golpe militar, que colocou o país em um vácuo constitucional por 21 anos, completa hoje cinco décadas. Ao tomar o poder, o chamado “Comando Supremo da Revolução”, responsável pela queda do presidente eleito democraticamente João Goulart (PTB), abriu caminho para o funcionamento de uma máquina burocrática de expurgos, perseguições, torturas, assassinatos e suspensão de direitos.

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A esquizofrenia, típica dos movimentos golpistas, elencou inimigos em todos os setores da sociedade, não deixando fora da lista nem mesmo companheiros de caserna. Documentos da Escola Superior de Guerra revelam que 146 militares foram afastados em abril de 1964.

 

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Ao ocupar o Palácio do Planalto, levado pelas armas, e não pelos votos, o general Humberto Castello Branco, sob a justificativa de proteger o país de uma ameaça comunista, determinou a cassação de parlamentares e a suspensão de direitos políticos por dez anos. Jango foi para o exílio, após levar para o centro do debate, em plena Guerra Fria, reformas que tiravam o sono da elite brasileira: agrária, trabalhista e urbana.

Sem o lastro dado aos governos democráticos para gerir o país, os militares adotaram os Atos Institucionais, instrumento do poder discricionário, para manter o país sob vigília. O AI-5, em 1968, foi o mais violento e acabou com qualquer esperança de redemocratização. Em poucas linhas, ele deu ao presidente o poder de fechar o Congresso, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Foi suspensa uma das principais garantias da República, a do habeas corpus. O direito de detenção sem justificativa foi imposto nos casos de crime político, contra a segurança nacional e a ordem econômica.

Em um dos últimos atos de seu governo João Goulart promete realizar as reformas agrária, urbana e eleitoral, além de apertar o cerco contra o fluxo de capital estrangeiro | Arquivo/Folhapress

Passados 50 anos do dia que resultou na derrocada de todas as instituições democráticas em funcionamento no país, é preciso avaliar a reação da sociedade brasileira. Anestesiada pelo chamado “milagre econômico”, cujo resultado mais expressivo foi o crescimento de 14% do PIB, em 1973, grande parte da população fechou os olhos ao terrorismo de Estado, que teve sua representação máxima em órgãos como o DOI-CODI e a Oban (Operação Bandeirantes), em São Paulo.

O saldo desses braços da repressão podem ser vistos pelos números apresentados pela iniciativa do “Brasil Nunca Mais”. Entre os anos de 1964 e 1985, são 6 mil denúncias de casos de tortura e 356 de mortos e desaparecidos.

Hoje, busca-se, por meio de Comissões da Verdade em todo o país, cobrar a responsabilidade dos que participaram diretamente desses crimes ou os autorizaram (leia ao lado).

Tropas do Exército ocupam o centro de São Paulo na tarde de 1º de abril | Arquivo/Folhapress

Nos últimos 20 anos, o país elegeu um professor cassado pelo regime, um operário que liderou movimentos grevistas ainda durante a ditadura e uma mulher que foi vítima da máquina de tortura do Estado. A jovem democracia brasileira passou, também, pelo teste da queda de um presidente, Fernando Collor de Mello, que deixou o governo pela força da lei e da vontade popular, não das armas. Este ano, o país elegerá, pela sétima vez após o fim do regime militar, um novo presidente. Não importa quem seja o eleito, o que os brasileiros esperam do vencedor é que ele mantenha o país no rumo da democracia e do respeito às leis. (Davi Franzon)

 

Comissão quer mostrar história real

Em 31 meses de trabalhos, a Comissão Nacional da Verdade abriu espaço para que, de maneira inédita, torturadores e torturados contassem histórias ainda desconhecidas da ditadura militar entre 1964 e 1985.

As primeiras conclusões revelam que 50 mil pessoas, classificadas como subversivas, foram presas. Pela primeira vez, um testemunho formal admitiu que a tortura nos porões da ditadura foi uma prática recorrente. O coronel reformado Paulo Malhães confessou ter torturado e ocultado corpos. Ele atuava na chamada Casa da Morte, que funcionava em Petrópolis (RJ). O militar chegou a admitir ter desaparecido com o corpo do ex-deputado Rubens Paiva — mas depois retirou o depoimento.

População ocupa a praça da República, no centro, no dia 1º de abril | Arquivo/Folhapress

Amanhã, o general reformado do Exército José Antônio Nogueira Belham, que comandou o DOI (Destacamento de Operações de Informações) do Rio de Janeiro, onde, segundo a comissão, Paiva foi morto, deverá ser ouvido na Câmara.

A comissão busca dar respostas às famílias dos desaparecidos políticos e as causas de mortes que, mesmo com o passar de décadas, seguem desconhecidas. É o caso, por exemplo, da morte do ex-presidente João Goulart, cujo o corpo foi exumado. A versão oficial é de ataque cardíaco. A conclusão deve finalmente revelar se Jango foi vítima de envenenamento, como alvo da operação Condor, que uniu ditaduras do Cone Sul para assassinar opositores na década de 1970.

A busca por entender a história motivou pelo menos 100 outras comissões, em universidades, Assembleias Legislativas, sindicatos e Estados.

A comissão nacional buscará apontar ainda quais eram as empresas responsáveis pelo financiamento do regime militar. A lista inclui ao menos 125 empresas, como Light, Cruzeiro do Sul, Refinaria de Petróleo União, que, segundo relatório preliminar, que tinham cotas de até 70% dos recursos consumidos pelas Forças Armadas. “Precisa construir a questão de como deve ser cobrada a reparação das empresas aos trabalhadores. Estamos lutando por tudo isto”, afirmou a coordenadora do Grupo de Trabalho sobre o golpe de 1964, Rosa Cardoso.

A comissão apresentará em 16 de dezembro a conclusão dos trabalhos, mostrando as violações dos direitos humanos entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988.

O ponto mais sensível da conclusão — que ainda recebe o carimbo de confidencial — é a proposta de revisar a Lei de Anistia e punir agentes do Estado acusados de torturas, mortes e desaparecimentos. Em 2010, o STF decidiu, por 7 votos a 2, manter livre de punições autores de crimes relacionados ao regime militar. A nova composição da Corte, com Roberto Barroso e Teori Zavascki, alimenta o desejo de muitos de revisitar a questão.  (Metro Brasília)

 

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Depoimento: 1964: golpes, tragédias e resistência

Naquele dia, o último de março de 1964, tudo era estranho. Havia um ar pesado. Queríamos uma revolução social e econômica, capaz de trazer justiça, e a distribuição das riquezas da nação. No entanto, os golpistas roubaram nosso sonho. Ao menos naquele momento.
Naquele dia, voltei para casa após o trabalho em Belo Horizonte. Busquei notícias com outros militantes e jovens. Não os encontrei. Fiquei com a família. No rádio, ouvimos que tropas se deslocavam para o Rio para dar o golpe e destituir Jango.
Prisões e sequestros ocorriam antes de se oficializar o golpe, que foi falsamente denominado “revolução” para enganar a opinião pública, pois quem queria a “revolução social e econômica” eram os trabalhadores, sindicatos, estudantes. Éramos nós, o povo.
A partir de então, minha família sofreu as consequências: meu pai foi sequestrado e ficou desaparecido por 6 meses. Eu e minha irmã fomos levadas para o quartel do Exército, no Barro Preto, onde respondemos a um Inquérito Policial Militar. Milhares de pessoas foram inquiridas. As elites conservadoras e de extrema-direita editaram a ditadura para servir ao capital internacional e massacrar as classes trabalhadoras. Fomos para a clandestinidade. Tive meus filhos sem poder usar minha identidade. Trabalhei na imprensa clandestina. Divulgamos material sobre a guerrilha do Araguaia que aconteceu, sob a direção do PCdoB, no Pará.
Em 1972, fomos sequestrados pelo DOI-CODI, torturados, ameaçados de morte e testemunhamos o assassinato de Carlos Nicolau Danielli, dirigente comunista e nosso amigo. Sequestraram minha irmã Crimeia, grávida, e meus filhos de 5 e 4 anos, Janaina e Edson Luis. Tudo sob o comando do major Carlos Alberto Brilhante Ustra.
Este é o resumo da minha história. Três palavras me guiaram para enfrentar a vida: lembrar e resistir sempre.

Maria Amélia de Almeida Teles – Ex-militante do PCdoB, torturada na ditadura

Tanques do Exército são levados para São Paulo em 1964 | Arquivo/Folhapress

Ponto de vista: Golpe à brasileira

Nos 50 anos do Golpe Militar torna-se necessário um resgate à história para entendermos o presente. Em 1964, o Brasil era um país politicamente repartido. O clima de radicalização era agravado por velhos adversários da democracia. A direita tinha uma relação de incompatibilidade com as urnas e buscava um antigo recurso: arrastar as Forças Armadas para o centro da luta política. A esquerda comunista não ficava atrás. Sempre estivera nas vizinhanças dos quartéis para uma eventual aventura golpista. Assim, numa conjuntura radicalizada, esperava-se do presidente equilíbrio. Ledo engano.

João Goulart articulava sua permanência na presidência e necessitava emendar a Constituição. Sinalizava que tinha apoio nos quartéis para, se necessário, impor pela força a reeleição (que era proibida). Organizou um “dispositivo militar” que “cortaria a cabeça” da direita. Insistia que não podia governar com um Congresso conservador, apesar de o seu partido, o PTB, ter a maior bancada. Veio 1964.
O autoritarismo aqui faz parte de uma tradição antidemocrática que nasceu com o Positivismo, no final do Império. O desprezo pela democracia rondou o nosso país durante cem anos de República. O regime militar brasileiro não foi uma ditadura de 21 anos. Não é possível chamar de ditadura o período 1964-1968 (até o AI-5), com toda a movimentação político-cultural que havia no país. Muito menos os anos 1979-1985, com a aprovação da Lei de Anistia e as eleições diretas para os governos estaduais em 1982.

Nos últimos anos se consolidou a versão de que os militantes da luta armada combateram a ditadura em defesa da liberdade. E que os militares teriam voltado para os quartéis graças às suas heroicas ações. Em um país sem memória, é muito fácil rescrever a história. A luta armada não passou de ações isoladas de assaltos a bancos, sequestros, ataques a instalações militares e só. Apoio popular? Nenhum.

Argumenta-se que não havia outro meio de resistir à ditadura a não ser pela força. Mais um grave equívoco: muitos desses grupos existiam antes de 1964 e outros foram criados pouco depois, quando ainda havia espaço democrático. O terrorismo desses pequenos grupos deu munição para o terrorismo de Estado, e acabou sendo usado como pretexto para justificar a barbárie repressiva.

A luta pela democracia foi travada politicamente pelos movimentos populares, pela defesa da anistia, no movimento estudantil e nos sindicatos. Teve em setores da Igreja Católica importantes aliados, assim como entre os intelectuais, que protestavam contra a censura. E o MDB, nada fez? E seus militantes e parlamentares que foram perseguidos? E os cassados?

Os militantes de luta armada construíram um discurso eficaz. Quem os questiona é tachado de adepto da ditadura. Assim, ficam protegidos de qualquer crítica e evitam o que tanto temem: o debate. Mais: transformam a discussão política em questão pessoal, como se a discordância fosse uma espécie de desqualificação dos sofrimentos da prisão.

Não há relação entre uma coisa e outra: criticar a luta armada não legitima o terrorismo de Estado. Temos que refutar as versões falaciosas. Não podemos ser reféns, historicamente falando, daqueles que transformaram o antagonista em inimigo; o espaço da política, em espaço de guerra.

Marco Antônio Villa é historiador. Autor de dez livros, entre eles  ‘Ditadura à Brasileira’ e ‘Jango: Um Perfil’

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