Estilo de Vida

O ensino remoto e a saúde mental das crianças

As soluções apresentadas para dar continuidade às aulas escolares em casa mostram um ensino improvisado e colocam em risco a saúde mental e emocional dos alunos

Em muitas escolas particulares as crianças estão submetidas, por causa da quarentena, a uma rotina de uso de computador desaconselhada por pediatras, psicólogos e educadores. «Cinco horas em frente às telas combina isolamento social com exposição à tela, dois fatores que comprovadamente estão relacionados à depressão e outros distúrbios de aprendizagem», afirma a educadora Luciana E. Correa, especialista em educação tecnológica, que voltou há pouco de um doutorado sanduíche na Universidade de Pittsburgh (EUA).

De um lado, as escolas se viram obrigadas a se adaptar, às pressas, ao novo cenário imposto pela pandemia do novo coronavírus, e buscam no envio de atividades online justificar a manutenção das mensalidades. Do outro lado, estão os pais que precisam trabalhar de casa e veem nas aulas a distância uma forma de ocupar os filhos e fazer com que sigam estudando. Entre esses dois lados, estão os alunos – o elo mais frágil dessa cadeia – emudecidos frente ao caos, segundo Luciana.

«Pode ser que até agora algumas escolas estejam conseguindo satisfazer pais e entreter os alunos. Mas mesmo no melhor dos cenários, tão propagados pelos entusiastas dessa pandemia colateral de improvisação do ensino, não se pode medir qual será o preço social, emocional e mental que as crianças irão pagar», alerta a educadora. Pelo menos, diz ela, não ficou claro nos artigos que tem lido nos últimos dias se o problema está na luz pulsada dos dispositivos computacionais, no conteúdo ou no tipo de interação social das mídias.

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Apesar das causas não estarem suficientemente claras, Luciana explica que o que se sabe é que existe uma relação quantitativa entre superexposição à tecnologia digital e danos na saúde mental, física e emocional de crianças e adolescentes.

«Ou seja, estamos dando um tiro no escuro em nome de um processo de aprendizagem que pode ser retomado com segurança no ano que vem, sem prejuízo irreversível para nenhuma criança», destaca a educadora.

Alunos em ensino remoto:que preço pagarão por isso?

Ela ressalta que as crianças em desenvolvimento não tem recursos cognitivos, sociais e linguísticos para expressar sua dor. Elas aceitam porque não têm escolha, mas cabe aos adultos procurar a melhor forma de ajudá-las – ou, alguns alunos poderão pagar o preço dessa improvisação do ensino pelo resto de suas vidas. «Se a questão é a sobrevivência financeira das escolas não seria melhor chamar pais e instituições de ensino para uma conversa sobre responsabilidade social?», questiona.

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Para ela, essa questão vai muito além do cumprimento de um contrato de prestação de serviços ou preparação para um futuro digital. «Estamos falando da saúde, do futuro e da aprendizagem de nossos filhos», declara.  Ela faz questão de reconhecer o esforço das escolas em manter o processo educativo, e dos pais, em especial das mães, para manter suas rotinas de trabalho. «Mas a ciência não foi feita para agradar. Ela traz dados, realidades e fatos que muitas vezes são duros e impõe decisões difíceis», afirma.

Saber responder a desafios e situações inusitadas é importante, mas não ao ponto de se desconsiderar os estudos e as estatísticas existentes, que podem colocar em risco seres humanos em fase de crescimento. «Seria realmente tão terrível uma criança terminar o ensino médio aos 18 e não aos 17?», indaga Luciana.

«Não podemos simplesmente jogar esse fardo nas costas frágeis de nossas crianças. Precisamos refletir com calma e responsabilidade sobre essas questões, sem pressionar as instituições de ensino para que nos deem soluções prontas e absolutas. A certezas acabaram. Precisamos aceitar isso e gerenciar riscos de forma racional», finaliza.

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Artigo usado como apoio para o texto:
Efeitos do tempo de tela na saúde e bem-estar de crianças e adolescentes: uma revisão sistemática de revisões (em inglês)

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