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Cientistas brasileiras derrubam mito de que tartarugas marinhas são ‘fiéis’

Estudos genéticos realizados por duas pesquisadoras brasileiras mostram que animais podem ‘trair’ seus locais de nascimentos, seus parceiros e até suas espécies.

As tartarugas marinhas não são animais tão fiéis como se pensava. Elas podem «trair» seus locais de nascimentos e desova (não voltando sempre ao mesmo, como é a crença geral), seus parceiros e até suas espécies.

Pelo menos é o que mostram dois estudos genéticos de populações desses répteis de vários locais do mundo, inclusive o Brasil, realizadas por duas pesquisadoras brasileiras, das universidades federais do Espírito Santo (UFES) e do Rio Grande (FURG), no Rio Grande do Sul.

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A geneticista Sarah Vargas, da UFES, começou seus estudos com tartarugas marinhas em 2005, quando iniciou seu doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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«Trabalhei com as cinco espécies que ocorrem no Brasil, mas com enfoque principal nas tartarugas-de-couro (Dermochelys coriácea) e a de-pente (Eretmochelys imbricata), ambas ameaçadas de extinção», conta. «Estudei amostras do Brasil e do Indo-Pacífico, mas usei sequências genéticas publicadas de todo o mundo.»

Sua pesquisa mais importante começou em 2008, quando ela ficou seis meses no laboratório da conservacionista Nancy FitzSimmons, na Universidade de Canberra, na Austrália, organizando e processando 492 amostras de DNA de tartarugas-de-pentes.

«Elas haviam sido coletadas anteriormente, por outros pesquisadores que trabalhavam com Nancy, em 13 locais de desova nos oceanos Pacífico e Índico, localizados na Arábia Saudita, Arquipélago de Chagos, Austrália, Ilhas Salomão, Ilhas Seychelles, Irã e Malásia», diz Sarah.

Em 2015, como bolsista de pós-doutorado do programa Ciência sem Fronteiras, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ela voltou à Austrália para a análise dos dados no laboratório do professor Simon Ho, da Universidade de Sydney.

«Com esses trabalhos, buscamos caracterizar geneticamente essas populações que nunca haviam sido estudadas com este enfoque», explica Sarah.

«Isso é importante para entender as rotas migratórias das tartarugas, que podem nascer em uma praia de desova em um oceano, mas migrar milhares de quilômetros e se alimentar em outro local.»

Entre as descobertas está a de que os animais originárias do Oceano Índico podem estar vindo para áreas de alimentação no Brasil, como Fernando de Noronha e Atol das Rocas. «Vimos também que o grau de filopatria das fêmeas de tartarugas-de-pente é variável», revela.

Essa palavra, do grego antigo, significa «amor ao lar» e define o comportamento, apresentado por algumas espécies de animais, de sempre voltarem a locais específicos para se alimentarem ou procriarem.

Isso era quase uma certeza no que refere às tartarugas marinhas. Os resultados das pesquisas de Sarah derrubaram, no entanto, esse dogma. Eles mostraram que há uma mistura genética entre linhagens maternas com origens distintas e que a separação de populações é mais complexa do que se pensava.

Isso significa que nem sempre e nem todas elas voltam à praia onde nasceram para desovar. Ou não surgiriam novos locais de nidificação.

«Elas podem não ser 100% fiéis aos locais de seu nascimento», diz Sarah.

«Na verdade é a única explicação para colonizarem outros lugares, ou seriam todas associadas a uma única praia de desova, e sabemos que não é o que ocorre.»

Múltipla paternidade

Mais recentemente, num trabalho pioneiro no Brasil, Sarah estudou a múltipla paternidade de tartarugas marinhas no país. Como os machos são raramente encontrados, pois não saem dos oceanos, como fazem as fêmeas na época de desova, a maior parte das pesquisas usa amostras delas para análises sobre a biologia da espécie.

«Por isso, uma forma de se obter informações sobre os machos é usando a informação genética das fêmeas e seus respectivos filhotes para inferir dados como tamanho da população masculina», explica Sarah.

Os dados ainda não foram publicados. «Mas o trabalho sugere que a população reprodutiva de tartarugas-cabeçudas (Caretta caretta) na praia de Povoação, distrito do município de Linhares, no Espírito Santo, parece ser composta de, mais ou menos, dois machos para cada fêmea», diz Sarah.

«A taxa de múltipla paternidade, por sua vez, foi de aproximadamente 50%, com contribuição de até três machos para cada ninho.» Em outras palavras, metade das ninhadas tem mais de um pai. Ou seja, metade das fêmeas tem filhotes de até três pais diferente.

A oceanóloga Maira Carneiro Proietti, do Instituto de Oceanografia da FURG, começou a estudar tartarugas marinhas um ano antes que Sarah, em 2004, ainda no terceiro ano de graduação do curso de Oceanologia.

«Eu e uma amiga, a hoje doutora Júlia Reisser, criamos um projeto para estudar as que viviam na Reserva Biológica Marinha do Arvoredo, em Santa Catarina», lembra. «Nos encantamos por esses animais e desde então sou fascinada por eles e continuo a pesquisá-los.»

De lá para cá, Maira estudou diversas espécies de diferentes locais.

«No meu doutorado, pesquisei tartarugas-de-pente ao longo de várias áreas da costa brasileira, incluindo locais remotos como o Arquipélago de São Pedro e São Paulo e o Parque Nacional Marinho de Abrolhos», conta.

«No meu laboratório também estamos estudando tartarugas-cabeçudas e tartarugas-oliva (Lepidochelys olivacea) do litoral do Rio Grande do Sul. O objetivo é entender a biologia e a ecologia delas.»

Uma das principais linhas de pesquisa de Maira envolve a caracterização genéticas das populações imaturas de diversas espécies, com o objetivo de entender a diversidade e conectividade entre elas e também em relação às que vivem em outros locais do mundo, para ajudar na preservação desses animais.

Tartarugas híbridas

Além de verificar e entender a diversidade genética das populações e dos locais de origem, desova e alimentação, o trabalho trouxe um resultado surpreendente.

«Identificamos tartarugas jovens, ainda filhotes, em áreas de alimentação ao longo do litoral brasileira, resultado de cruzamentos entre diferentes espécies que se reproduzem na costa», explica Maira.

«Até agora, observamos animais resultantes da hibridização entre tartaruga-de-pente e cabeçuda, de pente e oliva, verde e cabeçuda e cabeçuda e oliva.»

Segundo a pesquisadora, antes dessas revelações, as tartarugas híbridas só tinham sido reportadas em áreas de desova. Ela diz que as híbridas jovens parecem ter padrões de distribuição característicos, diferente dos adultos.

«Por exemplo, as resultantes do cruzamento de cabeçuda com tartarugas-de-pente foram encontradas em maior número na Praia do Cassino, extremo sul do Brasil, que é um local de alimentação conhecido para a primeira, mas onde a segunda não ocorre comumente», diz Maira.

No geral, levando em conta todas as espécies, e não apenas as híbridas, o trabalho da cientista da FURG mostra que as origens das tartarugas marinhas encontradas na costa do país são muito mais diversas do que se imaginava, com altas contribuições também de áreas do oeste africano e do Caribe, além da Ilha de Trindade, no Brasil.

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