Estilo de Vida

Vulvodínia, o doloroso e incompreendido problema de saúde que só afeta mulheres

Mal foi documentado pela primeira vez na literatura médica em 1880, descrito como ‘hipersensibilidade da vulva’, mas até hoje faltam estudos na área para desenvolver tratamentos mais eficazes.

Quando a dor começou, Tara Langdale-Schmidt não deu muita bola. Era uma dor que ia e voltava quando ela usava o banheiro, ou quando ela e seu marido faziam sexo.

Ela tinha passado por uma série de procedimentos cirúrgicos ao longo dos anos em sua batalha contra a endometriose – uma doença na qual o tecido que reveste o útero, conhecido como endométrio, cresce em outros locais além do útero, como ovários, bexiga ou intestino, por exemplo, gerando sintomas como dor pélvica intensa. Então ela achou que a dor era devida ao seu histórico médico e esperou que ela passaria logo. Em vez disso, a dor piorou, tornando-se insuportável nas semanas seguintes.

«Depois de um tempo, eu sentia como se alguém estivesse, ao mesmo tempo, me cortando ao meio e me queimando com um cigarro dentro de minha vagina», diz Langdale-Schmidt. «Eu tentava transar com meu marido e tudo o que consegui era tentar não chorar para não estragar o momento. Era uma agonia.»

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Ela foi a uma série de médicos. Alguns ficaram desorientados. A maioria mandou-a para casa. «Um médico literalmente me disse para beber vinho, tomar um Advil e relaxar. Outro médico antes mesmo de examinar a área me disse que poderia cortar a parte que doía e me prescrever antidepressivos. E se fosse uma doença sexualmente transmissível, ou câncer? Obviamente, jamais voltei a esses médicos.»

Furiosa, frustrada e em agonia, Langdale-Schmidt, que tinha 28 anos na época, decidiu pesquisar a condição ela mesma. Após mergulhar em discussões online sobre saúde da mulher e fóruns médicos, ela descobriu discussões sobre vulvodínia, um distúrbio pouco compreendido e descrito como dor crônica ou desconforto na área da abertura da vagina.

A Escola Americano de Obstetrícia e Ginecologia define a vulvodínia como dor na vulva que dura três meses ou mais e não é causada por uma infecção, problema de pele ou outra questão médica; a condição pode surgir de repente ou lentamente, com o tempo. Há dois tipos distintos.

A vulvodínia geral pode ser encontrada em diferentes áreas da vulva em diferentes momentos. A dor pode ser constante ou pode ir e vir. A vulvodínia localizada é descrita como dor em uma área específica da vulva. Muitas vezes associado com uma sensação de ardor, esse problema é geralmente provocado pelo toque ou pressão, como na penetração, uso de absorvente interno ou por ficar muito tempo sentada.

A dor, queimação ou irritação pode deixar uma mulher tão desconfortável que fazer sexo ou mesmo ficar sentada por um período longo de tempo se torna impensável.

«Pode ser incrivelmente debilitante», diz Angie Stoehr, diretora do Centro Stoehr para Dor Pélvica e Íntima. «Algumas mulheres com essa condição não podem sequer usar calcinha ou calças porque a dor é muito intensa. É uma enorme questão de qualidade de vida e pode ser difícil de tratá-la.»

A vulvodínia foi documentada pela primeira vez na literatura médica em 1880, descrita como ‘hipersensibilidade da vulva’ e uma ‘fonte frutífera de dispareunia’ (dor durante o sexo), de acordo com Lisa Goldstein, diretora-executiva da Associação Nacional da Vulvodínia. Hoje, pesquisas indicam que 16% das mulheres nos EUA sofrem de vulvodínia em algum ponto de suas vidas. Não há uma pesquisa semelhante feita no Brasil.

Mas, devido a uma série de fatores – incluindo a dificuldade de estudar um assunto tão sensível, variações de definições e de critérios de diagnóstico e uma histórica falta de pesquisa sobre condições de saúde que afetam primariamente mulheres -, a doença não foi pesquisada o bastante. Em 2011, mais de 80 pesquisadores se uniram para uma conferência sobre o estado da pesquisa sobre vulvodínia no Instituto de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano nos EUA.

«Participantes da conferência concordaram que a evidência base para a pesquisa sobre vulvodínia é escassa e que há insuficiente pesquisa científica para formar um consenso sobre os melhores métodos para diagnóstico e tratamento», concluíram. Seu relatório acrescentou que os participantes concordaram que ir adiante demandava que os cientistas fossem especialistas em neurologia, pesquisa sobre dor e outras áreas, mas que «muitos poucos investigadores em todas as áreas, especialmente em áreas além da ginecologia, tinham conhecimento suficiente e interesse na vulvodínia».

Como resultado, a condição continua um mistério. Frequentemente não há uma causa identificável e não há uma cura que sirva para todas.

Muitas vezes «é preciso um time de especialistas para diagnosticar vulvodínia e outras doenças pélvicas», diz Rachel Gelman, terapeuta de solo pélvico do Centro de Saúde Pélvica e Reabilitação nos EUA. «Há tantos sistemas que se encontram e conectam na pélvis, todos poderiam ser o principal motor da dor.»

Algumas pesquisas ligaram a vulvodínia a doenças autoimunes, problemas com os nervos, reações nervosas, candidíases crônicas e até etnia, diz Stoehr. O risco de sofrer vulvodínia também aumenta devido a condições psicológicas como depressão e ansiedade, assim como acontecimentos na infância como estresse crônico e abuso sexual.

Uma teoria recente é a de que os sintomas da vulvodínia podem ter origem não na área afetada do corpo, mas no cérebro – como é o caso de outras doenças de dor crônica. Pesquisas indicaram que as pessoas que sofrem com isso têm mais área cinza nas partes do cérebro que processam dor e estresse. Em outras palavras, o problema pode não estar na área pélvica. Pode ser como o cérebro está processando sinais de lá.

Como consequência, algumas mulheres estão tentando achar suas próprias soluções. Sabendo que dilatadores vaginais são usados para restaurar a capacidade vaginal, ajudando a alargá-la e restaurar a elasticidade do tecido, Langdale-Schmidt decidiu ser criativa. A partir de sua experiência anterior usando ímãs de Neodímio para reduzir dores nas costas e no pescoço após um acidente de carro, ela decidir colocar os dois juntos, esvaziando um dilatador, enchendo-o de ímãs e usando nela mesma de 20 a 30 minutos, duas vezes ao dia. O uso do aparelho reduziu sua dor durante o sexo imediatamente em cerca de 60%, diz ela. Ao usar antes da penetração, ela disse que a dor diminuiu em 90%.

Quando ela deu um protótipo para outras mulheres com dores pélvicas, disse ter recebido mensagens como ‘eu nunca achei que seria capaz de fazer sexo de novo’ e ‘você salvou meu casamento’.

Há pouca pesquisa na medicina ocidental que comprove a eficiência da terapia magnética, que é baseada na ideia de que organismos vivos existem em um campo magnético e que a cura acontece quando a energia eletromagnética é colocada em equilíbrio de volta.

Ímãs, que teoricamente aumentam a circulação de sangue e relaxam nervos hiperativos, têm um papel central na medicina chinesa há mais de 2 mil anos. Mas vários estudos não encontraram evidências de que ímãs aliviem dor ou sirvam para tratar problemas médicas.

Enquanto algumas pessoas podem ver benefícios na terapia magnética, outras se beneficiam tanto quanto ao usar um placebo, o que significa que o alívio pode ter origens psicológicas, não fisiológicas.

«Não há muitas provas boas na literatura científica sobre ímãs e dor», diz Stoehr. Ainda assim, ela às vezes sugere o dilatador para pacientes com vulvodínia ou vaginismo, mal parecido que afeta a habilidade de uma mulher de ser penetrada.

«É algo comum também que geralmente não vai machucar uma paciente», diz ela. «Porque as desordens de dor pélvica são muito difíceis de tratar, eu encorajo minhas pacientes a tentar tipos diferentes de tratamento até que achamos algo que funcione.»

A vulvodínia não apenas é dolorida fisicamente como também pode ser um peso emocional e mental para mulheres e suas relações íntimas. Muitas pacientes não falam sobre o assunto por vergonha e pelo estigma.

Langdale-Schmidt diz ter sorte que seu marido a apoiou muito durante o período: «ele foi muito compreensivo e nunca me pressionou a fazer algo que me causasse dor». Mas ela conversou com outras mulheres que não tiveram a mesma experiência.

«Eu conheci tantas mulheres que estavam no fundo do poço, que me disseram coisas como ‘meu marido se divorciou de mim por causa disso’ e ‘eu não quero mais viver’. Ou ‘médicos não podem me ajudar. Eu sinto ardor 24 horas por dia. Me sinto tão derrotada'», diz Langdale-Schmidt.

É um grande transtorno na vida das pessoas e pode ser socialmente isolador, diz Stoehr, que teve pacientes que passaram por divórcios por causa de seu problema de saúde. Outros perderam muito tempo de trabalho ou não conseguiam trabalhar por causa da dor.

«Algumas mulheres chegaram aqui perguntando ‘há algo errado comigo ou eu sou louca?», diz Stoehr.

Há maneiras de lidar com a dor e tratar os sintomas, diz Stoehr. Mas pode levar tempo para encontrar a terapia apropriada para cada pessoa. «Isso não é como um resfriado», disse ela. Pelo contrário, requere gerenciamento dos sintomas pelo resto da vida do paciente.

«Eu poderia falar sobre minha vagina o dia inteiro se isso ajudar outras mulheres», diz Langdale-Schmidt. «Eu gosto de dizer que sou famosa pela minha vagina.»

  1. Leia a versão original desta matéria (em inglês) no site da BBC Future
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