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Mulheres de países ricos amamentam menos suas crianças do que as de países pobres

A OMS (Organização Mundial da Saúde) tem dedicado, nos últimos anos, atenção especial a epidemias recentes que ainda não foram contidas, como a do vírus ebola, e de doenças que têm voltado a crescer depois de décadas de declínio, como o sarampo.

Ambos os problemas, assim como as maiores pautas da OMS, levam mais preocupação a países da África, da Ásia e da América Latina. Por motivos que ainda são investigados, no entanto, a amamentação foge à regra: uma série de estudos tem mostrado que a prática é forte no chamado Terceiro Mundo, mas patina na Europa e na América do Norte.
O panorama do aleitamento materno no planeta é o tema da quarta reportagem da série “O melhor alimento do mundo”, que traça a atual situação e os desafios para a expansão da amamentação.

Pesquisas têm mostrado que os contrastes não apenas existem, como são notáveis. Lançado em maio deste ano, um estudo feito pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) separou 123 países entre os de renda alta, média e baixa segundo a classificação do Banco Mundial.

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Nas nações pobres, o percentual de bebês que nunca receberam leite materno é de 2,4%. A taxa sobe para 4,4% entre os de renda média e chega a 21,2% para os mais ricos. Em outras palavras, enquanto quase todos os bebês nascidos em locias de renda baixa são amamentados em algum ponto da vida, uma em cada cinco crianças das nações ricas passam pela primeira infância apenas com alimentos artificiais.

O Unicef faz a ressalva de que muitos países europeus, principalmente, não têm medições padronizadas dos índices ou simplesmente não fazem o controle, o que dificulta as comparações. O órgão destaca, de toda forma, lugares em que o percentual de crianças que recebem leite materno é baixo, tais como Irlanda (55%), França (63%) e Estados Unidos (74%).

Quatro países de renda média ou baixa (Butão, Madagascar, Nepal e Sri Lanka) apresentaram taxas acima de 99%. O Brasil não consta neste estudo, mas o índice, segundo o dado mais recente do Ministério da Sáude – de 2008 – é de 95,8%.

Os estudos não trazem, em geral, justificativas conclusivas para esta discrepância. Para o médico Moisés Chencinski, do departamento de Aleitamento Materno da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), uma amostra do descaso do “primeiro mundo” com o aleitamento foi visto na última Assembleia Mundial da Saúde, em maio, quando os Estados Unidos foram acusados de fazer lobby para aprovar uma versão menos rigorosa de resolução contra a publicidade abusiva da indústria da fórmula.

“Em um país que não tem licença-maternidade oficial [alguns estados dos EUA têm leis específicas, mas não há regulação federal], como a mãe vai amamentar se não tem como ficar em casa com seu filho? A prioridade já começa a se perder aí”, afirma.

“O fato de que o ciclo reprodutivo inclui gravidez e amamentação tem sido muito negligenciado pela prática médica. Isso leva à presunção de que o leite materno pode ser substituído por produtos artificiais sem consequências”, escreveu o epidemiologista Cesar Victora, da UFPel (Universidade Federal de Pelotas), em um artigo para a revista científica “The Lancet”, em 2016, assinado com mais oito pesquisadores.

No texto, a equipe aponta outra diferença na “ordem mundial”: enquanto nos países pobres e de renda média as mães de classes sociais baixas amamentam mais – em parte porque a OMS concentra esforços nestas populações há 40 anos –, nas nações ricas a situação se inverte: as mães mais pobres são, via de regra, as mais vulneráveis.

Denúncia global em 1974 despertou atenção da OMS
O problema do desmame precoce pelo mundo entrou na pauta da OMS entre o fim da década de 1970 e o começo da de 1980. Um dos motores do debate foi uma publicação de 1974 de nome chocante: “The baby killer” [o matador de bebês, em inglês].

Misto de grande reportagem com artigo científico, o trabalho de 24 páginas do jornalista britânico Mike Muller descreveu práticas da indústria do leite artificial que vinham desencorajando a amamentação em países pobres.

As empresas, segundo a denúncia, distribuíam amostras de fórmula infantil às mães livremente, em maternidades e hospitais, e vendedoras visitavam casas vestidas de enfermeiras. O jornalista mostrou comunidades que estavam abandonando hábitos milenares de amamentação por influência das companhias.

“Essa denúncia teve impacto mundial e abriu os olhos dos órgãos decisórios, como o Unicef e a ONU”, conta a médica Marina Rea, integrante do conselho global da IBFan (Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar, em inglês).

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