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Ciência ‘refina’ evidências de ganhos da amamentação, mas ainda há questionamentos

Em fevereiro de 2014, um estudo da Universidade de Ohio, nos Estados Unidos, foi contestado por acadêmicos de vários países. Os pesquisadores analisaram 11 indicadores de saúde infantil e concluíram que não se verificou, para 10 deles, uma influência significativa da amamentação quando se compararam irmãos – em que um recebeu predominantemente leite materno e outro, alimentos artificiais.

Esta pesquisa foi uma das últimas de repercussão global a questionar, pelo menos em parte, benefícios do aleitamento materno. O nível de concordância no meio científico sobre o assunto é o tema desta reportagem, a última da série “o melhor alimento do mundo”.

A pesquisa de Ohio, que analisou pacientes de 4 a 14 anos nascidos desde 1978, concluiu que as crianças amamentadas tiveram, em geral, resultados melhores que as “de mamadeira” em indicadores como IMC (Índice de Massa Corporal), obesidade, indicadores de comportamento (como a hiperatividade) e de inteligência. A vantagem desapareceu, no entanto, quando se compararam diretamente os pares de irmãos alimentados por métodos diferentes.

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“Nossos resultados sugerem que grande parte dos efeitos benéficos de longo prazo, normalmente atribuídos à amamentação em si, podem ser devidos a características demográficas, como raça e status socioeconômico”, escreveu Cynthia Colen, uma das autoras do estudo.

A pesquisa foi rebatida quase imediatamente por entidades como o NHS, o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido. Em uma análise do estudo norte-americano, o órgão ponderou que “fatores genéticos e ambientais” podem pesar mais do que a amamentação em resultados de longo prazo em nível individual, o que não serve como prova de ineficácia da prática.

O NHS argumentou, ainda, que alguns indicadores – imunidade e prevenção a alergias e a diabetes, por exemplo –, objetos frequentes de pesquisas nos últimos anos, não foram medidos, bem como possíveis benefícios às mães, como queda no risco de câncer de mama e de ovário.

“É claro que para alguns dos benefícios do aleitamento a gente ainda necessita de mais evidências para afirmar com certeza”, reconhece Bernardo Horta, professor de epidemiologia da UFPel (Universidade Federal de Pelotas). “Mas em geral nós já temos um conjunto sólido de evidências mostrando os benefícios tanto a curto quanto a longo prazo”, afirma.

Os estudos dos epidemiologistas da UFPel têm sido chancelados e servido de referência para a OMS (Organização Mundial da Saúde). Segundo Horta, a academia passou a se debruçar sobre os efeitos do aleitamento no fim da década de 1970, momento em que se percebeu um declínio global da amamentação.

O consenso científico foi, na visão dele, sendo construído aos poucos, mas em todas as áreas – especialmente as que envolvem grandes indústrias, como a de alimentos para crianças – há contestações esporádicas. “É como o cigarro. No fim dos anos 1960 já se sabia que podia causar câncer de pulmão. Mas até que isso virasse uma verdade inquestionável, demorou”, exemplifica.

Para a SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), comparar o leite materno com fórmulas infantis é descabido. “São anos-luz de diferença. As indústrias tentam buscar ingredientes no leite materno, mas é como pegar um Fusca e colocar quatro pneus de Mercedes. O Fusca não vira uma Mercedes”, afirma o médico Moisés Chencinski, do departamento de aleitamento materno da SBP.

“A fórmula tem cerca de 50 ingredientes, e o leite materno, mais de 250. O leite da mãe muda do começo para o fim da mamada, muda do começo para o fim do dia e no decorrer da vida da criança, para dar exatamente o que ela precisa. Não tem como comparar”, conclui.

Benefícios a curto prazo estão mais consolidados
Um dos indícios mais antigos e comprovados em prol da amamentação é a proteção contra infecções gastrointestinais nos primeiros meses de vida. Segundo a OMS, estudos têm apontado isso há mais de quatro décadas.

Pediatras ouvidos pelo Metro Jornal afirmam que um efeito visível da ausência de aleitamento em determinada comunidade é o número de crianças com diarreia, cenário que piora se o local tiver problemas de saneamento e falta de água potável.

“As primeiras evidências, lá nos anos 1980, vieram mostrar isso: que o aleitamento influi na redução da mortalidade, na proteção contra diarreias e infecções respiratórias. Com o passar dos anos, as pesquisas foram se diversificando e se refinando”, conta o professor Bernardo Horta, da UFPel.

“Para estes ganhos de curto prazo quase não existem mais contestações. Sobre osde longo prazo, alguns têm mais espaço para serem refutados, outros menos”, diz.

Na avaliação de questões como diabetes, obesidade e pressão sanguínea na vida adulta, por exemplo, as pesquisas precisam separar o que é influência da amamentação e o que é devido a vários outros fatores desde a infância, como dieta e exercícios.

A OMS fez, em parceria com a UFPel, dois compilados de estudos que compararam adultos que foram amamentados com os que não foram. Em ambos, há a ressalva de que os estudos são observacionais, ou seja, não se pode construir um experimento controlado para eliminar a possibilidade de fatores externos contaminarem os resultados.

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