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A macabra razão pela qual um “gigante” do século 18 queria ser enterrado no fundo do mar

Charles Byrne era conhecido como ‘O gigante irlandês’. Em 1783, ele pediu para ser jogado ao mar depois de morto. Mas, 235 anos depois, esse desejo ainda não foi cumprido.

Em junho de 1873, Charles Byrne, pressentindo que seu fim se aproximava, pediu aos amigos que fosse sepultado no mar, num caixão de chumbo.

Ele tinha 22 anos e sentia um profundo terror do que poderia ocorrer após a morte – tinha medo que seu cadáver fosse desenterrado e vendido a escolas de medicina.

E o pior é que esse temor não era infundado. Byrne era mais conhecido como «O gigante irlandês». Ele media 2,3 metros de altura, numa época em que ser muito diferente podia valer dinheiro tanto em vida quanto após a morte.

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Os contemporâneos de Byrne pagavam generosas quantias para poder observar criaturas «diferentes», como animais com múltiplas cabeças ou patas, pessoas com síndromes raras, como mulheres barbudas, além de anões e gigantes.

Para os cientistas, um cadáver como o de Byrne era de grande interesse. Por isso, o «gigante irlandês» decidiu que só estaria seguro se pudesse «descansar» no fundo do mar.

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Rumores na infância

Byrne nasceu em 1761, em Dummullan, uma aldeia que hoje tem 175 habitantes, na Irlanda do Norte. Pouco se se sabe de seus pais – somente que não eram extraordinariamente altos.

No folclore irlandês, os gigantes são seres que habitam a fronteira entre o humano e o sobrenatural.

A eles são atribuídos alguns aspectos da paisagem, como cavernas, colinas e vales. Quando Byrne ainda era criança, começaram a surgir rumores no condado onde vivia de que havia um menino que crescia mais rapidamente do que qualquer outro.

Quando chegou à adolescência, ele já era a pessoa mais alta da região. Logo ele alcançou os 2,31 metros de altura.

Pessoas de toda a província iam até a cidade conhecer o «gigante». Byrne, na época, sonhava em fazer fortuna criando um espetáculo que o tornaria famoso por toda a Europa.

Assim, em 1982, adotando o apelido de «O grande gigante irlandês», ele chegou a Londres e conheceu um mundo completamente diferente do que havia deixado para trás.

A notícia da chegada do «homem mais alto que já havia pisado na capital britânica» correu rapidamente.

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Dizia-se por lá que Byrne conseguia acender seu cachimbo com o fogo das lamparinas das ruas da cidade – altas como os postes de hoje em dia.

Em 24 de abril de 1782, o jornal britânico Morning Herald anunciou: «Venham ver o gigante irlandês todos os dias desta semana! O senhor Byrne, o surpreendente gigante irlandês, quem sabe o homem mais alto do mundo, em perfeita proporção, e só com 21 anos de idade, não estará muito tempo em Londres, pois pretende viajar por todo o continente».

A razão de tanta altura

Obviamente a fantasia por trás das lendas dos gigantes não explica a altura de Byrne. Ele, na verdade, sofria de uma enfermidade. Hoje em dia, o gigantismo de Byrne seria facilmente identificado como produto de um tumor na glândula pituitária – a glândula endócrina que produz o hormônio do crescimento.

Dependendo da idade do paciente no início do tumor, desenvolve-se o chamado gigantismo ou acromegaglia.

Um corpo grande e pesado, como o dele, pode sobrecarregar o coração e provocar múltiplos problemas de saúde, principalmente ao sistema circulatório e à estrutura óssea.

O gigantismo é uma doença rara e potencialmente mortal, para a qual existe tratamento. Atualmente, em muitos casos, uma pessoa com gigantismo pode alcançar expectativa de vida semelhante à do restante da população.

O cientista escocês

Mas o escocês John Hunter não sabia disso. O que ele sabia era que Byrne era excepcional e que gigantes morriam jovens.

Hunter era um proeminente cientista – hoje reconhecido como o pai da cirurgia moderna. Ele queria a todo custo o corpo de Byrne para pesquisas científicas. Por isso, ofereceu ao irlandês um valor para ter acesso ao corpo dele depois da morte.

A oferta, porém, só serviu para assustar Byrne. Os londrinos do século 18 consideravam a dissecção um procedimento infame.

Além disso, para Byrne, a oferta feita por um médico tão respeitado significava que, provavelmente, ele estaria perto da morte.

Longe de sua cidade de origem, assustado e debilitado por uma tuberculose, Byrne se refugiou no álcool.

Em abril de 1783, ele dormiu nas ruas de Londres com todas as suas economias no bolso. Quando acordou, o dinheiro tinha desaparecido. O jovem «gigante» entrou em desespero.

Dois meses depois, em junho, ele morreu. Milhares de pessoas compareceram ao velório. No caminho de Londres a Margate, colocaram pedras junto ao corpo dele, no caixão. E o jogaram no mar, em cumprimento ao último desejo do «gigante irlandês».

Roubo de cadáver

Muitos dizem que Hunter pagou para roubarem o corpo de Byrne. E que, ao receber o cadáver no laboratório, o colocou numa caldeira e o ferveu durante 24 horas para separar a carne dos ossos.

Em seguida, o cientista teria montado o esqueleto do «gigante», prendendo um osso ao outro.

O fato é que, alguns anos depois, o esqueleto de Byrne apareceu na coleção privada de Hunter e permaneceu exposto por dois séculos no Museu Hunteriano, que depois passou às mãos do Colégio Real de Cirurgiões.

Até fechar as portas, o museu rechaçou os pedidos para que retirassem a ossada de Byrne da exposição, sob a justificativa de que o esqueleto possuía «um valor educativo e acadêmico importante».

O esqueleto de Byrne deu origem, por exemplo, a uma pesquisa conduzida pela endocrinologista Márta Korbonits sobre a hereditariedade do tumor pituitário.

Korbonits havia encontrado uma família com vários integrantes afetados pelo gigantismo – e todos viam no mesmo condado na Irlanda onde Byrne nascera vários anos antes. A pesquisadora queria descobrir se os casos estavam vinculados.

Com exames de DNA dos dentes do «gigante irlandês», ficou comprovado que tanto Byrne quanto os integrantes dessa família herdaram a variante genética de um mesmo ancestral comum, e que essa mutação tinha cerca de 1.500 anos.

O estudo abriu caminho para rastrear os portadores desse gene – entre 200 e 300 pessoas – e tratá-los antes que eles também se transformassem em gigantes.

No entanto, ativistas alegam que, mesmo quando alguém doa o seu corpo para a pesquisa médica, esta pessoa não necessariamente aceita que este seja exibido como um objeto curioso.

Além disso, destacam que Charles Byrne declarou explicitamente que não desejava que usassem seus restos mortais em qualquer circunstância. Eles defendem que esse desejo seja respeitado.

Será que finalmente essa vontade será atendida?

O Museu Hunteriano recentemente fechou suas portas para uma restauração que vai durar três anos. O porta-voz do museu destacou que, durante esse período, o esqueleto de Byrne não será exibido.

«A junta da coleção Hunteriana discutirá o assunto (da repatriação dos restos mortais) durante o período de fechamento do museu.»

Talvez Byrne finalmente tenha seu desejo atendido.

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