Estilo de Vida

Os móveis brasileiros que estão conquistando o mercado internacional de design

Segundo Rodman Primack, chefe criativo da Design Miami/, um fórum global de design, o Brasil é a última grande descoberta do mobiliário do estilo mid-century-modern.

Eclipsado durante anos por produções mais famosas de designers da Europa ou da América do Norte, o design de móveis da América Latina, especialmente do Brasil, finalmente está chegando aos holofotes internacionais.

O trabalho de designers de peso, como o arquiteto Sergio Rodrigues, o artista Joaquim Tenreiro e o artista e arquiteto José Zanine Caldas, podem ser menos conhecidos que o dos renomados designers de iluminação Charles e Ray Eames, dos Estados Unidos, ou Jea Prouvé e Charlotte Perriand, da França. Mas os móveis e equipamentos domésticos da região estão sendo reconhecidos pelo que são – uma parte importante dos cânones estéticos do estilo mid-century-modern.

Há uma crescente demanda pelo design mid-century e contemporâneo da América Latina e do Brasil especificamente a julgar pela sua forte presença na Design Miami/, o evento de design mobiliário que ocorre em anualmente em Miami Beach.

Recomendados

  1. O surpreendente lado ruim de ser bonito
  2. Da Roma Antiga ao século 20, violência foi fator-chave para reduzir desigualdade, diz historiador

Na última edição, 31 galerias internacionais participaram do evento.

Com cores e formas idiossincráticas e esculturais, o design mid-century-modern ofereceu uma alternativa mais tranquila em relação ao modernismo estritamente funcionalista do começo do século 20.

E sem dúvidas, o mobiliário latino-americano é um dos ramos mais expressivos desse segmento com suas formas volumosas, esculturais e muitas vezes feitas à mão a partir de madeira nativa, como o jacarandá, com ricos tons de melaço, couro e rotim. E, desde os anos 1980, designers jovens, como os Irmãos Campana, baseados em São Paulo, mantiveram essa tradição, criando peças que dão prioridade à forma – e não à funcionalidade.

Moderno e rústico

A Espasso, uma galeria permanente em Miami, vende produtos vintage, reedições e trabalhos contemporâneos de designers como Sergio Rodrigues, Zanine Caldas e Joaquim Tenreiro – e está se expandindo por lá.

Tenreiro nasceu em Portugal e se mudou para o Rio de Janeiro na década de 1920. Ele criou peças que misturam a estética modernista europeia com características mais rústicas e esculturais do Brasil.

Entre suas obras estão aparadores elegantes no estilo europeu, mas sua cadeira de balanço de 1940, feita de rotim e jacarandá – exposta na galeria Mercado Moderno, no Rio – representa o gosto brasileiro por formas orgânicas. Tenreiro criou várias peças para celebrar o arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer, cuja estética também era assim, orgânica.

Já na Design Miami/, a galeria R & Company de Nova York, que também vende móveis escandinavos e italianos, expôs a mesa de jantar Mesa Parker, feita de pinho, e dez mesas de jantar feitas de pinho e cana, criadas em 1978, todas obras de Rodrigues.

As altas cadeiras têm um ar antropomórfico, sugerindo pessoas sentadas em volta de uma mesa. Elas são finas no topo, com círculos cravados na madeira evocando cabeças, enquanto seus encostos lembram a espinha do corpo humano.

"Esse conjunto emprestou o nome da família Parker, que o encomendou para sua casa no Rio de Janeiro", diz o fundador da galeria Zesty Meyers. "É a primeira vez que estamos apresentando esse trabalho. Era o design preferido de Rodrigues e demonstra seu domínio manual e de proporção."

O papel de Niemeyer

Os irmãos Campana rejeitaram o funcionalismo criando peças excêntricas – e muitas vezes erráticas. Aliás, a relação entre avant-garde e o a arquitetura e o mobiliário mid-century latino-americano é parcialmente responsável pelo renovado interesse pelo design da América do Sul.

"Não foi design que nos atraiu ao Brasil, e sim a arquitetura de Niemeyer", diz Meyers, que cofundou a galeria em 1997. "Nós estávamos interessados em como ele reimaginava a arquitetura no Brasil, o que nos levou a viajar até lá e a descobrir o trabalho de Tenreiro, Rodrigues e Zanine Caldas".

Essa perspectiva reafirma a teoria de Rodman Primack, chefe criativo da Design Miami/, sobre o motivo por trás da popularidade do mobiliário latino-americano. "Parte do que mobiliza os colecionadores são os novos mundos que eles descobrem através de suas coleções. Eles aprendem sobre história, cultura, design e idioma de um país e ficam empolgados para descobrir mais", diz ele.

Ainda assim, regimes políticos muitas vezes impossibilitaram essa descoberta por parte dos colecionadores – o que aconteceu com o Brasil até o fim da ditadura militar.

"O mundo não tinha acesso ao design brasileiro antes de 1980, já que a exportação era ilegal durante a ditadura (entre 1964 e 1985)", diz Meyers. "O design moderno do Brasil é realmente a última grande descoberta do mobiliário mid-century."

  1. O que é e para que serve o flick, nova unidade de tempo criada pelo Facebook

Não é uma coincidência, portanto, que o design brasileiro tenha começado a florescer de novo na década de 1980. A Cadeira Flama, feita de metal em 1989 pelos Irmãos Campana, atualmente exposta no Mercado Moderno, foi uma das obras que encabeçaram esse revival.

De certa forma, seu trabalho representa um rompimento com mid-century-modern o brasileiro, no sentido de que eles não buscavam usar madeira de alta qualidade: sua icônica cadeira Favela, de 1990, é feita de lascas de madeira crua.

Assim como os expoentes do mid-century-modern, os Irmãos Campana rejeitaram o funcionalismo e foram além, criando trabalhos excêntricos e erráticos. Peças da coleção Hibridismo, de 2017, estão em exposição na Galeria Friedman Benda, em Nova York, incluindo o banco Noah, cujo estofado verde é apoiado por uma matilha de cachorros de alumínio.

A Friedman Benda também está expondo peças do coletivo chileno GT2P ("Great Things to People" ou "Coisas Excelentes para o Povo"), criado em 2009.

Entre elas, estão uma luminária com uma pedra de lava como base, braços de bronze, materiais cerâmicos e até bancos feitos de lava chilena, que foi submetida aos mesmos métodos de calor usados para cerâmicas em geral.

Novas ideias vêm surgindo na América Latina no período pós-ditaduras – e estão se proliferando no mundo do século 21.

  1. Leia a versão original desta reportagema (em inglês) no site BBC Culture
Tags

Últimas Notícias


Nós recomendamos