Esporte

Após 9,1 mil quilômetros, paulistano completa rota transiberiana de bicicleta

Divulgação/Red Bull

“Ouvi o celular e pensei: ‘Ué, como assim está tocando no meio da prova? Eu não posso atender agora’”, relembra o ciclista Marcelo Florentino Soares. Quando recebeu a ligação do Metro Jornal no horário combinado, Mixirica – como é conhecido no esporte – não pedalava. Estava dormindo em casa, na capital de São Paulo. Mas ainda não conseguia sonhar com nada além da missão que havia acabado de cumprir.

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Durante 25 dias, o paulistano cruzou a Rússia desde a europeia Moscou até Vladivostok, de frente para o Mar do Japão. A distância, de 9.103 km, ridiculariza a expressão “do Oiapoque ao Chuí”: em linha reta, seria como ir do extremo sul ao extremo norte do Brasil, voltar tudo e ainda ter que subir novamente o Rio Grande do Sul.

“Eu sinto meio que um trauma pós-guerra. Por umas 15 noites depois que encerra eu suo, a cama fica encharcada, o cérebro pensa que ainda está lá na corrida”, relembra. Mixirica sabe dos sintomas porque esta foi a terceira vez que ele disputou a Red Bull Trans-Siberian Extreme, evento de ciclismo tido como o mais extenuante do mundo. No ano passado, 10 atletas o enfrentaram e só três concluíram – e Mixirica foi um deles. Em 2018, o número de inscritos caiu para 6, dos quais 5 chegaram ao fim. Mixirica terminou em terceiro.

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A travessia

Quando falou ao Metro Jornal, Mixirica havia acabado de voltar para casa. A travessia na Sibéria foi seguida por 4 dias de viagem, deitado no chão de aeroportos em Vladivostok, Novosibirsk e Istambul (Turquia) até chegar ao Brasil. “Peguei voo barato, com pinga-pinga e escalas longas”, explica.

Sem patrocínio fixo, precisou de ajuda para cobrir os R$ 10 mil com passagens e outras despesas, mais 25 mil euros da inscrição (quase R$ 125 mil). E aí apelou para doação de amigos, rifas e vaquinha na internet, explica. Uma loja emprestou duas bicicletas, outra forneceu os pneus. Equipamento bom, segundo ele, mas inferior ao do vencedor, o alemão Pierre Bischoff, e ao do vice, o dinamarquês Michael Knudsen. “Os caras vão de metralhadora e eu de revólver 38”, compara.

Às 9h de 24 de julho, uma segunda-feira, Mixirica se alinhou para a largada com os 5 rivais em frente ao Teatro Bolshoi, templo do balé russo. Por quase um mês, subiu e desceu os Montes Urais, entrou na Ásia e venceu a rodovia transiberiana (nem sempre asfaltada), que corre ao lado de uma linha férrea e passa perto das fronteiras com Cazaquistão, Mongólia e China.

A competição foi dividida em 15 etapas, entre as quais o grupo descansava, em média, menos de 10 horas. A perna mais curta tinha 260 km. A mais longa, chamada de “rainha”, cobriu 1.372 km, o equivalente a ir de Brasília a Curitiba: em uma só tacada, com pequenas pausas para comer e cochilar, Mixirica pedalou por 55 horas. “E nessa etapa é quase só subida. Já começa subindo e assim vai do começo ao fim. No fim piora, porque tem uma ladeira com vento forte e você quase não sai do lugar”, descreve.

O percurso cobre 8 fusos horários. A temperatura, que durante o dia chegava a superar 30º C, caía próxima de zero à noite. “Esse ano teve muita chuva, e, quando não chovia, era uma neblina e um vento gelado”, recorda.

Cada atleta foi seguido por um carro de apoio com 2 motoristas e um assistente – a de Mixirica é a paulistana Neusa Telheiro, que o acompanha desde que ele foi do Monte Caburaí (RR) ao Chuí (RS) em 57 dias, em 2015. Os 6 atletas foram escoltados por um restaurante móvel, fisioterapeutas, médicos e mecânicos de bicicleta, uma equipe de 80 pessoas, diz a organização.

Mixirica dava a impressão de que ficaria em 4° lugar: fechava os trechos à frente do espanhol Patricio Doucet e do indiano Amit Samarth, mas não era páreo para Bischoff, Knudsen e o russo Vladimir Gusev, que caminhava para a vitória. Na sétima etapa, porém, o joelho de Gusev não aguentou e ele deu adeus ao pódio. O brasileiro herdou o bronze, e o segurou até o fim.

O saldo das 346 horas e 19 minutos que Mixirirca passou na bicicleta era de dor muscular generalizada e queimaduras de até 3º grau. “Uma coisa dessas destrói o seu corpo. Nenhum selim ou pomada salva a bunda de cortes e feridas. E do meio para o fim o psicológico fica abalado, a gente vai pedalando como um zumbi. Por isso o resultado, se vier, é bom, mas a gente é muito mais participante do que competidor.”

Novo sonho de ciclista é cruzar os EUA

Nascido no Jardim Ângela, zona sul da capital paulista, Mixirica competiu pela primeira vez aos 18 anos. “Era uma prova de mountain bike, e no primeiro barranco eu já caí lá embaixo. Fui levantado gemendo pelos escoteiros, que me contaram que eu estava na frente. Ganhei e fiquei surpreso”, conta.

O atleta, que ganha a vida consertando bicicletas em casa, mergulhou em provas ultralongas há 10 anos, após a dissolução de uma equipe de ciclismo de estrada em Suzano (SP). Mixirica começou em competições da Strava – empresa de sotwares de medição de percurso – e na prova Audax, que chega a 1.000 km.

O sonho do paulistano é o Race Across America. Nesse evento, que não é dividido por etapas, os ciclistas de ponta cruzam 4.800 km da costa oeste à costa leste dos Estados Unidos em 11 dias, em média.

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