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Filme narra a vida de Osvaldão, ícone negro militante

Osvaldo Orlando da Costa não se contentou com a postura defensiva. Boxeador, com passagens vitoriosas por Botafogo e Vasco como atleta, Osvaldão — alcunha pela qual era conhecido pelos companheiros — resolveu se engajar na luta armada e foi pioneiro na formação da Guerrilha do Araguaia para combater a ditadura, instaurada em 1964. A história do mineiro, de Passa Quatro, foi retratada no documentário ‘Osvaldão’.
“Por conta de seus quase dois metros de altura, chamava atenção dos moradores. Existia uma admiração na população, porque ele era carismático”, explica a pesquisadora Nadine Borges, que presidiu a Comissão Estadual da Verdade do Rio (CEV-Rio) e é coordenadora de Relações Exteriores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Como os estudos não tiveram acesso aos arquivos militares, há controvérsias sobre a data do início do
movimento.
No entanto, pesquisas apontam que em 1966 começava a estruturação da resistência, no sul do Pará. Na juventude, Osvaldão fez atletismo. Há registros das façanhas do pugilista nas passagens pelos dois clubes do Rio. O boxeador conquistou até um título carioca.
Após ser morto pela repressão, o corpo do militante foi içado, por um helicóptero. Ao sobrevoar as casas próximas à Xambioá, o objetivo dos militares seria intimidar a população e romper a relação amistosa com o movimento. Familiares ainda buscam restos mortais de Osvaldão.
“Não é possível calcular torturas contra os moradores da região. Deixou marcas. A história da guerrilha ainda é um monstro adormecido para a comunidade”, garante Nadine. O Centro de Comunicação Social do Exército informou que a Força Terrestre não se manifesta sobre o assunto.

Ao todo, 69 oponentes da governo morreram no local

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O boxeador morreu em 1974, aos 35 anos, no mesmo ano em que o movimento caiu. No entanto, em um ambiente de polarização como a que o Brasil vive, a história é importante para mostrar possíveis consequências da intransigência.
“É tudo muito atual. Foi um grupo que lutou pela autonomia do país, por um projeto nacional inclusivo, em detrimento do plano excludente que, historicamente, é o que sempre esteve em vigor. É uma meta que continua viva”, acredita André Michiles, um dos quatro diretores do documentário “Osvaldão”, que conta a vida do guerrilheiro.
Estima-se que pouco mais de 70 pessoas integraram a guerrilha. Por outro lado, 11 mil agentes do Estado participaram das operações de repressão no Araguaia. Ao todo, 69 combatentes de esquerda foram mortos, mas só foram localizados os restos mortais de apenas dois.
De acordo com a antiga presidente da CEV-Rio, a mobilização para destruir o foco armado no Pará mobilizou um contingente de brasileiros que só é comparável ao da Segunda Guerra Mundial. “Ninguém que conhece a história é capaz de defender intervenção militar ou um governo autoritário. Conhecer o passado é a única maneira de evitar erra der novo”, acredita Nadine.

Filme conta a trajetória do negro militante

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“Quando estudamos História no colégio, faltam ícones afrodescendentes. Existe o Zumbi, que morreu há séculos, e acaba sendo distante. Quando vejo um figura como o Osvaldão, fico pensando: ‘Por que as disciplinas não contam a vida deste guerrilheiro?”’, questiona André Michiles. O longa tem participação de nomes da cultura negra brasileira, como os atores Antônio Pitanga, Leci Brandão e o cantor Criolo.
A guerrilha mostrava preocupação com o analfabetismo e falta de saúde locais, daí ajudava nesses serviços básicos. Para documentar a vida do militante, os quatro diretores buscaram patrocínio via financiamento coletivo na internet. O filme, já exibido no Rio e em São Paulo, passa no 2º Festival Internacional Amazônida de Cinema de Fronteira, em Marabá (PA). A produção teve acesso a registros inéditos na Tchecoslováquia e destrincha a relação que tinha com comunidades ribeirinhas em torno do rio Araguaia (sul do Pará), onde estava concentrada a resistência.

 

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