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Domingo de rei, 2ª feira de vassalo

cleber-andersonNo ensolarado último domingo, eu e minha mulher Maria Cândida saímos de manhã pedalando do Campo Belo. Ela estrearia sua primeira bicicleta de estrada na “ciclocapivara” do rio Pinheiros. Por ruas mais tranquilas, apenas cruzando avenidas, chegamos na ciclofaixa de lazer na Berrini e logo estávamos em um dos ignorantes acessos para a ciclovia do rio. Era uma multidão contínua de gente de todos os tipos pedalando, desde crianças e adultos ainda sem muita noção até ciclistas de ponta. Apesar da necessidade de alguns puxões de orelha nas pessoas e na santa CPTM, a energia era muito boa. Havia tolerância e entendimento. Encontrei clientes e grandes amigos como Edu Capivara, pai do bike-trial no Brasil, que também acompanhava esposa e sobrinho. Depois do treino, café expresso com Valverdes e Canna para falar de Vuelta a Espanha, ciclofaixa, ruazinhas, Caio Sanchez (mais um amigo pedalando), ciclovia da Faria Lima até Pinheiros, e rapidamente estávamos no Buttina, um dos melhores restaurantes italianos de São Paulo com preço justo e qualidade que italiano quebraria o pulso de tanto chacoalhar as mãos para exprimi-la! Lá encontramos o amigo e astrólogo Oscar Quiroga. Se ele estava ali, debaixo das jabuticabeiras ao nosso lado, era porque o astral era muito bom. De volta para casa passando pelo Ibira e sentindo toda a paciência dos motoristas no trânsito, em nenhum momento sofremos algum susto. Cruzar com tantos amigos sem marcar encontro foi como viver numa cidade de interior. Um dia de rei para quem pedalava.

Já na segunda-feira, todo o encantamento se acaba. Voltamos à condição de vermes do trânsito espremidos nas sarjetas. A infraestrutura para as bikes desaparece, os motoristas descontam o estresse de seu atraso no vizinho. Assim como todos os moradores desta cidade, a cotação de nossas vidas cai a zero. Ladrões voltam ao trabalho pesado. O humanismo cai por asfalto! Será que não dá para perceber que se as bikes pudessem circular com fluidez, muita, mas muita gente pedalaria, assim como num domingo, para todos os lados desta cidade deixando mais espaço para os carros e muitos lugares no transporte coletivo? Pagamos o mesmo imposto alto de todo mundo. Não poluímos. Nossa necessidade de infraestrutura é a mais barata e a mais eficiente para diminuir o caos urbano. Pior ainda: também pagamos com vidas… As bicicletas brancas que o digam. Haddad?

Cleber Ricci Anderson, 46 anos, é especialista em bike fit (ajuste postural), ex-ciclista da Seleção Brasileira de Ciclismo, pioneiro em MTB no Brasil, autor do Guia Bike na Rua e do projeto Ciclo-Rede e proprietário da Anderson Bicicletas.

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