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Editais de cinema terão cotas para mulheres e negros

Diante dos números da pesquisa «Diversidade de gênero e raça nos lançamentos de brasileiros de 2016», da Agência Nacional de Cinema, divulgada nesta quinta-feira, 25, que mostram que mais de 90% dos diretores e roteiristas de filmes daquele ano eram brancos e que apenas 37,8% de todos os envolvidos nas produções eram mulheres, os editais a serem anunciados pela Secretaria do Audiovisual, do Ministério da Cultura, daqui a duas semanas, terão cotas para mulheres, negros e diretores iniciantes.

O objetivo da medida é distribuir de maneira mais equilibrada os recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), de modo a tirar da invisibilidade o trabalho destes artistas e a tornar as narrativas levadas às telas mais plurais. Segundo o levantamento da Ancine, em obras incentivadas por recursos públicos federais por meio da agência lançadas comercialmente em 2016, o porcentual de atores e atrizes pretos e partos foi de apenas 8% (nas não incentivadas, foi 5%). Três em cada quatro longas, incentivados ou não, foram dirigidos por homens brancos.

De acordo com o MinC, este programa de editais terá o maior montante já destinado ao cinema, e número recorde de projetos beneficiados. Em 2017, já houve cotas para mulheres no edital de curtas da SAv – foram destinadas 15 vagas para obras dirigidas por mulheres, com apoio de até R$ 80 mil para cada curta. Em anos anteriores, houve outros editais chamados de «Curtas Afirmativos».

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O MinC anunciou estar disposto a construir uma política que vise à paridade de gêneros e raça no audiovisual brasileiro. O assunto está sendo discutido no Conselho Superior de Cinema, órgão colegiado que integra a estrutura da pasta e que tem entre suas competências a formulação de diretrizes para o desenvolvimento da indústria no País.

Durante a divulgação do levantamento, no Rio, na manhã desta quinta-feira, à qual compareceu um grupo grande de realizadores negros, duras críticas foram feitas à distribuição desigual dos recursos federais. Foram citados, além dos dados da Ancine, números apurados pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), que apontam que só 13% dos filmes nacionais de maior bilheteria no período de 1995 a 2016 foram dirigidos por mulheres – nenhuma das diretoras era negra.

A roteirista Francine Barbosa, representando a Associação de Profissionais do Audiovisual Negro (Apan), sublinhou o fato de que os editais com cota vêm sendo justamente os de menor valor (por serem para curtas). A roteirista Kenia Maria afirmou que os artistas negros se sentem «roubados». «O racismo no Brasil é institucional. Não dá mais para falar pedagogicamente; é doloroso».

O cineasta Joel Zito Araújo ressaltou a disparidade entre as estatísticas da pesquisa e a composição da população brasileira – 54% da população é de negros e pardos, segundo o IBGE, sendo que o Brasil tem mais 50 milhões de mulheres negras. «É inadmissível que a minoria (branca) tenha quase todos os recursos. Eu tenho tantos prêmios e estou há cinco anos sem conseguir dirigir, mesmo com três roteiros prontos».

O ator Érico Brás lembrou que as conclusões da Ancine não representam uma novidade: «A gente vê isso há muito tempo, e está cansado. O que resolve esse problema é uma coisa só: dinheiro. Eu sou um desses que não são protagonistas. Enquanto isso, estão aí fazendo filmes de merda.»

O secretário do Audiovisual, João Batista da Silva, aceitou as contestações e assegurou que as políticas que estão sendo gestadas servirão para «mitigar essa dívida histórica». «É de extrema importância que as ações empoderem as pessoas, para que elas sirvam de exemplo para as futuras gerações». Representantes da Ancine lembraram que a agência tem desde o ano passado um Comitê de Gênero e Raça para discutir o assunto.

Presente como ouvinte, o cineasta Cacá Diegues, que em 2010 produziu «5x favela – agora por nós mesmos», com narrativas de jovens moradores de favelas, defendeu a capacitação dos profissionais. «Os números resultam de uma sociedade formada pela escravidão, e no cinema a gente pode tentar corrigir isso. O que se quer não é apenas que mulheres negras dirijam filmes, mas que sejam bons filmes». Cacá admitiu que a classe artística, predominantemente masculina e branca, não se move para que as desigualdades diminuam. «É tão difícil fazer filme no Brasil, que se alguém consegue, é ‘cada um por si'».

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