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Laurentino Gomes e Lira Neto debatem suas novas obras

Um esmiuçou os últimos oitenta anos de império português no Brasil, o outro se dedica a três volumes de uma biografia sobre um dos personagens mais icônicos do país, Getúlio Vargas, e ambos acabam de lançar seus mais novos livros. O Metro Jornal convidou os escritores Laurentino Gomes e Lira Neto para baterem um papo sobre seus novos trabalhos, «1889» e «Getúlio (1930 – 1945)» respectivamente, como é o processo de criação, além de projetos futuros.

LIRA NETO PERGUNTA A LAURENTINO GOMES:

Laurentino Gomes | Divulgação

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Sua trilogia – “1808”, “1822” e “1889” – é um fenômeno espetacular de vendas. Qual o segredo para conquistar um número tão expressivo de leitores?
Acredito que o segredo esteja na linguagem jornalística acessível a um leitor não habituado a ler sobre o tema. Eu procuro observar os acontecimentos e personagens sob a ótima da reportagem, mas o texto é sempre construído com base nas lições que a literatura ensina para capturar e encantar os leitores. Portanto, minha fórmula combina jornalismo e literatura. Um bom escritor precisa ter a habilidade de escolher as palavras para contar um acontecimento, explicar um personagem ou transmitir uma ideia. Procuro usar elementos pitorescos da história para atrair a atenção do leitor. Isso explica, por exemplo, os subtítulos dos meus livros, nos quais faço referência à rainha louca, ao príncipe medroso, ao imperador cansado e ao marechal vaidoso. Esse recurso bem humorado é usado com o propósito de provocar o interesse do leitor, como se faz, por exemplo, num título de capa de revista ou numa manchete de jornal. As pessoas tem reagido muito bem a essa fórmula. Além disso, o trabalho de um escritor não acaba no momento da entrega dos originais de um livro para a editora. É preciso que o autor se envolva também no desafio de divulgar e vender o livro. O melhor garoto-propaganda de um livro é o seu próprio autor. Por essa razão, eu gosto de pôr o pé na estrada. Já participei de centenas de eventos em todo o Brasil nos últimos seis anos. Vivo em constante contato com os leitores, tanto em palestras, feiras literárias e sessões de autógrafos quanto nas redes sociais.

Como explica o enorme interesse do público por livros sobre história do Brasil, de modo geral, nos últimos anos?
O interesse dos leitores por obras sobre História do Brasil é enorme. Talvez seja o maior fenômeno do mercado editorial em muitos anos. Nunca se vendeu tanto sobre o tema. Nas bancas de revistas é grande o número de publicações que trazem o título História na capa. Há diversos sites de internet e canais de TV por assinatura dedicados ao assunto. Acredito que isso não é mera coincidência. Durante décadas, o brasileiro relutou, com certa razão, a se identificar com a sua tortuosa história republicana, permeada por golpes militares, ditaduras, intervenções e mudanças bruscas nas instituições e brevíssimos períodos de exercício da democracia. A boa notícia é que essa história mal-amada talvez esteja finalmente mudando. O Brasil exibe hoje ao mundo quase três décadas de exercício continuado da democracia, sem rupturas. Isso nunca aconteceu antes. É a primeira vez que todos os brasileiros estão sendo, de fato,  chamados a participar da construção nacional. É curioso observar que este momento de transformação coincide também com aumento do interesse pelo estudo da História do Brasil. Acredito que os brasileiros estão olhando o passado em busca de explicações para o país de hoje. Dessa maneira, procuram também se aparelhar mais adequadamente para a construção do futuro. Isso é uma excelente notícia.

Cristalizou-se, em determinados meios jornalísticos, a crença de que as pessoas não têm mais tempo para leituras mais longas. O sucesso de grandes reportagens históricas, como as que você vem fazendo no formato de livro, não desconstroi tal afirmação?
O sucesso da biografias históricas feitas por jornalistas, caso de Getúlio Vargas, ou de livros-reportagens sobre História como os meus é uma prova contundente de texto jornalístico mais denso e profundo está mais vivo do que nunca. A atividade jornalística vem mudando muito nos últimos anos em virtude das novas tecnologias de informação e do comportamento do consumidor. A circulação de jornais e revistas registra uma drástica queda no mundo todo. O que está em crise, porém, é o formato e não o conteúdo. A reportagem bem feita, capaz de orientar as pessoas a formarem ideias e a tomarem decisões melhores nas suas vidas, continua tão relevante quanto sempre foi.

Como responde ao preconceito que os trabalhos de divulgação científica e histórica ainda suscitam no Brasil?
Infelizmente, o Brasil é um país ainda muito refratário à ideia de levar o conhecimento acadêmico para um público mais amplo. Mas isso precisa mudar. O trabalho de divulgação científica faz enorme sucesso nos países mais desenvolvidos e os leitores brasileiros estão pedindo obras dessa natureza. Acredito que a principal diferença entre o meu trabalho e o dos historiadores acadêmicos seja de foco e de público. Um historiador, quando escreve um determinado texto, geralmente tem como alvo final do trabalho os seus próprios pares. Podem ser colegas encarregados de avaliar uma dissertação de mestrado ou uma tese de doutorado ou os leitores de uma revista especializada. Eu, ao contrário, tenho como alvo um público mais amplo, em geral um leitor mais leigo, não habituado a ler sobre História do Brasil. Pode ser também um estudante, criança ou adolescente. Isso me obriga a ser mais simples e generoso na linguagem. Enquanto o estudioso acadêmico usa uma linguagem mais técnica, eu procuro construir um texto jornalístico, no qual misturo análises mais profundas com detalhes pitorescos, curiosos e bem humorados dos personagens e dos acontecimentos. Isso isso ajuda a reter a atenção desse leitor. O método de pesquisa também é diferente. Eu uso a reportagem como ferramenta do meu trabalho, sem me preocupar com nuances teóricas que, no ambiente acadêmico, são muito importantes. Isso me dá uma liberdade de observação e de narrativa muito grande.

Concluída a trilogia, quais novas reportagens históricas os leitores de Laurentino Gomes podem esperar daqui por diante?
Tenho vários projetos, mas nenhum definido até agora. Gostaria de escrever um livro sobre a Guerra do Paraguai, outro sobre a Inconfidência Mineira, talvez mais um sobre as grandes rebeliões do período da Regência, entre a Abdicação de Dom Pedro I, em 1831, e a maioridade de D. Pedro II. Essa é uma década fascinante, que muitas ideias e projetos de Brasil foram testados, às vezes a custa de muito sangue e sofrimento. De certeza, por enquanto, só sei que 1889 será o último livro com data e números na capa. É o encerramento de uma trilogia e de um ciclo. Os próximos livros terão títulos diferentes. Espero que continuem a fazer sucesso entre os leitores.

LAURENTINO GOMES PERGUNTA A LIRA NETO:

Lira Neto | Renato Parada/Divulgação

Você é o autor da mais importante e mais aclamada biografia histórica publicada no Brasil nas últimas décadas. Como foi o desafio de enfrentar um personagem tão emblemático na histórica republicana quanto Getúlio Vargas? De início, você se assustou com o projeto?
De fato, é uma tarefa hercúlea, que tem me tomado todo o tempo do mundo e, ao final, me terá custado cinco anos de vida, em regime de dedicação exclusiva. Mas o desafio tem valido a pena. Inquietava-me o fato de o personagem mais importante da história republicana brasileira não dispor ainda de uma biografia exaustiva, moderna, equilibrada, escrita sem as tintas da devoção ou da satanização política.

O Brasil é um país que impõe dificuldades ao trabalho dos biógrafos. Muitos escritores tiveram problemas devido à reação dos biografados ou de seus familiares, caso de Paulo Sergio de Araújo, cujo livro sobre Roberto Carlos foi recolhido por decisão da justiça. Como escapar do risco da «biografia chapa branca» e produzir um trabalho isento nessa área?
Felizmente, nunca tive problemas graves com herdeiros de meus biografados. Mas essa é uma questão que precisa ser discutida com urgência. Precisamos exercer alguma espécie de pressão para que a chamada “lei das biografias”, em tramitação no Congresso, seja regulamentada o mais rápido possível. É nossa memória histórica que está em jogo.

Como explica a presença na lista dos livros mais vendidos de tantas obras de História do Brasil ou de biografias históricas produzidas por jornalistas e não por historiadores acadêmicos? A academia perdeu (se é que alguma vez já teve) a capacidade de se comunicar com o leitor médio?
Creio que a tensão atávica entre historiadores e jornalistas que escrevem sobre temas históricas embute uma questão bizantina. São trabalhos diferentes, mas que se complementam. O jornalista, por dever de ofício, escreve preocupado com a recepção, para atingir um público heterogêneo de não especialistas. Isso não significa que recorra a simplismos e reducionismos. O volume 1 de Getúlio, por exemplo, vem referendado por um dos maiores historiadores vivos do Brasil, Boris Fausto.

Como é seu processo criativo? Você é um escritor metódico, que trabalha rigorosamente um determinado número de horas por dia, ou deixa que outros fatores determinem o seu ritmo de produção?
Trabalho cerca de dez a doze horas, diariamente. Como administrador de meu próprio tempo, preciso manter uma autodisciplina ferrenha. Evito dispersões. Os finais de semana, no entanto, são sagrados, dedicados às minhas filhas e à minha mulher, Adriana, também jornalista.

Depois de escrever sobre Maysa, José de Alencar, Padre Cícero e Getúlio Vargas, entre outros, que personagem o seduz para futuras obras?
Costumo brincar e dizer que, depois de Getúlio, ficou difícil escolher qualquer outro personagem. E como estou dedicado a escrever o terceiro volume da trilogia, mal tenho tempo para pensar no assunto. Mas confesso já ter um novo tema em vista. Desta vez não será uma biografia propriamente dita, e sim um livro sobre determinado episódio histórico. Por enquanto, é segredo de estado.

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«GETÚLIO (1930 – 1945)»

LIRA NETO
CIA. DAS LETRAS, R$ 42
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«1889»
LAURENTINO GOMES
GLOBO LIVROS, R$ 44,90
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